Da Serra da Estrela para Lisboa não é um saltinho. “Apoios à deslocação não são grande incentivo”

2 horas atrás 21

A rotina de uma professora nunca acaba, começa por mostrar Estela Silva, apontando para o amontoado de documentos relativos ao ano letivo anterior. “Depois de chegarmos das aulas, temos de continuar a preparar aulas, corrigir testes, fichas, reuniões e mais reuniões, é muita burocracia e perdemos muito tempo para aquilo que é verdadeiramente importante, que é ensinar e cada vez mais sentimos isso”, sublinha a docente, notando que “a maior parte das pessoas não percebe isso, acham que os professores não fazem nada, que têm montes de férias”.

Apesar da rotina pesada, Estela Silva, 47 anos, professora de Físico-Química desde 2000, continua apaixonada pelo ensino. Só que este verão teve duas notícias inesperadas. “Há muitos anos que aguardava pela efetivação e finalmente aconteceu, mas em junho descobri que estou com um problema oncológico. Estou à espera de ser operada, que também não está fácil, por causa das listas de espera... Isto é tudo junto. Não há ponta por onde se lhe pegue, porque este ano concorri e vinculei mesmo em Lisboa, na escola Moinhos da Arroja, em Odivelas. Por um lado, uma pessoa fica contente porque finalmente consegue entrar nos quadros, mas depois fica triste porque é tão longe de casa”, revela sobre a sua situação, destacando o facto de estar doente. “Raramente falto e é uma situação que mexe um bocadinho comigo. E faz-me falta estar na escola, dar aulas, estar com os alunos. Eu gosto muito do que faço. Portanto, essa parte também é difícil”, salienta.

Está de baixa médica, mas não era o que pretendia: apesar do problema de saúde, gostava de continuar a trabalhar. Mas para Estela Silva, de Seia a Lisboa, “não é um saltinho e os subsídios anunciados para apoiar a deslocação de pouco servem”. Continua, por isso, “a ser tudo uma indefinição”. Gostava de regressar às aulas o mais rapidamente possível. Todavia, ir para Lisboa no segundo período vai exigir que tenha lá um local para residir. “Possivelmente um quarto, porque uma casa... os valores estão muito caros. Estes apoios à deslocação, o apoio à renda, acabam por, na minha perspetiva, não ser um grande incentivo para que os colegas se desloquem para distâncias tão grandes. É o que eu costumo dizer: andamos a pagar para trabalhar, e isso é triste, muito triste”, observa.

“Ainda podia ser mais longe, confesso. Podia ter ido parar ao Algarve. Só que este ano é um ano especialmente complexo para mim”, lamenta à Renascença a professora.

“Estes subsídios não são convidativos” – quando desistir é a opção

Colocar a mochila às costas, aos 47 anos, e a quase 400 km de casa, está fora dos planos de Estela Silva, que teme o abandono da profissão, ao olhar para o percurso do seu marido. Foi por sentir que pagava para trabalhar que João Paulo Silva, 51 anos, também professor, desistiu da profissão em 2012 para ser assistente operacional. “Foi por causa da vida familiar. Nasceu o nosso filho, nós estávamos em Lisboa. A minha última escola foi em Loures, estava com horário completo. No ano a seguir não consegui colocação. Depois comecei noutras áreas, até que entrei no município de Seia, onde continuo a exercer funções de assistente operacional e pronto... tenho concorrido, tenho tentado, mas como é para Lisboa... não vou. Não consigo suportar ida e volta, não dá. Então, desisti da vida de professor”, relata o docente de Matemática e Ciências da Natureza, que exerceu a profissão entre 2009 e 2012. E conclui: “Para mim estes subsídios não são convidativos porque, com a minha idade, já não me atraem. Prefiro ficar por aqui, tentar subir na carreira no município do que estar agora a sair do certo para o incerto, porque na altura também saí e não deu”, recorda.

Não deu e não dá para continuar no ensino, quando colocados a mais de 300km, admite o casal de professores, mesmo com os subsídios de apoio à deslocação e rendas anunciados. “Todos nós precisamos de viver, não é? Mas, fazendo bem as contas a tudo, não sei se compensará e isso é triste. Sei de uma colega minha que efetivou agora, praticamente dois, três anos, antes de ir para a reforma”, desabafa Estela Silva, que já ouve o filho, que acabou de entrar na faculdade, “falar que quer ir para o estrangeiro trabalhar”.

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