Das distritais do Porto para o campeão sul americano: «É algo fora do normal»

2 meses atrás 56

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Uma história digna de filme. Aliás, uma epopeia escrita com emoção, superação, resiliência e muita (muita!) paixão à mistura. O protagonista? Kevin Serna.

Colombiano, natural de Popayán, Serna - em 2018 -, aterrou na cidade de Matosinhos para jogar na distrital do Porto e, consigo, trouxe uma bagagem bem pesada: muitos sonhos e uma fé inabalável. A partir daqui, «muito trabalho», «humildade» e «talento».

O percurso do avançado está centrado nestas palavras que rapidamente se transformaram em ações. Após alguns meses no Perafita e Serzedo - meia época bastou para marcar a diferença -, Serna não tardou até dar um salto significativo na carreira.

Seguiu-se Paraguai/Peru - destacou-se, esta época, no Alianza Lima, habitual campeão peruano - num caminho em crescendo até chegar ao topo do continente: Fluminense, campeão sul americano.

Da base para o topo. Uma autêntica lição de vida que ilustra a essência e a imprevisibilidade do futebol. A história de Kevin não passou despercebida e, como tal, o zerozero foi em busca de mais.

Vitor Fafiaes - ex-vice presidente e diretor desportivo do Perafita entre 2015-2021 - e Edgar Ramos - ex-técnico do Serzedo entre 2016 e 2021 -, contam a história de um «miúdo introvertido», «educado», «focado no trabalho» e com vontade de «chegar ao topo do futebol».

Do Perafita para o Mundo: «Kevin era um exemplo»

Kevin Serna com os colegas no Perafita, em 2018 @Arquivo Pessoal

A primeira grande reflexão é muito simples: como é que um jovem colombiano chega ao Perafita? Vítor Fafiaes explicou que, resultado de uma «parceria», o emblema de Matosinhos conseguiu captar vários atletas que se encontravam numa academia colombiana e Serna foi um dos nomes que chegou ao clube.

«Tínhamos um acordo com uma empresa que tinha a capacidade para trazer vários jogadores estrangeiros. O objetivo passava por potenciar jogadores jovens de qualidade e com valores para estarem no clube. Nós, na estrutura, depois tínhamos um percentual do acordo», começou por introduzir ao nosso portal.

«O Serna veio de uma academia da Colômbia com quem tínhamos uma relação estreita. O protocolo, pouco tempo depois, começou a ter problemas, entraram em choque com o treinador e depois tivemos de romper o acordo», continuou.

q Era um Rafa Silva um pouco mais completo

Vítor Fafiaes, ex-diretor desportivo do Perafita

Segundo Vítor, o objetivo, acima de tudo, passava por permitir uma rampa de lançamento para os jovens estrangeiros, sendo que, para o emblema de Matosinhos, seria uma oportunidade para avaliar jovens talentos e garantir rendimento desportivo.

«O projeto que estava acordado era o seguinte: eles vinham para o Perafita, trabalhavam para se adaptarem ao futebol europeu - porque há sempre diferenças para o futebol sul americano - e tentavam dar um salto na carreira. O Kevin chegou referenciado como sendo um pouco melhor do que os outros, mas todos os miúdos que vieram da academia da Colômbia eram muito bem formados, bem educados e muito focados no trabalho.»

«Acordavam e deitavam-se a pensar no futebol. Treinavam muito individualmente. O Kevin era um exemplo», patenteou.

 [N.d.r: apenas dois dos quatro colombianos - Santiago Florez (Lixa) e Farid Romero (Gzira United) - seguem no ativo, ao passo que Camilo Clavijo e Billy Candelo já se retiraram.]

«'Oh mister, de onde é que isto veio?'»

Em Serzedo, a história foi diferente. Edgar - ex-treinador do clube de Vila Nova de Gaia - conheceu o empresário de Kevin Serna e... magia!

Poucos meses após a experiência no Perafita - que resultou numa rotura no acordo entre as duas partes -, quatro colombianos seguiram para Gaia e o atual diretor desportivo do Lobão não demorou até identificar o talento de Kevin.

@Arquivo pessoal

«Foi uma situação muito curiosa. Estava em Serzedo - pré-época -, eu e a minha equipa técnica dispersámos para vermos os adversários e, entretanto, recebo uma chamada de um dos colaboradores. Ele disse-me: 'olha, tens de vir aqui porque o Perafita tem uma equipa muito boa e há aqui vários jogadores que se destacam muito'. Um deles era, claro, o Serna», começou por explicar.

«Com muita pena nossa ele estava a jogar no Perafita. Mas, depois, conheci o empresário dele em fins de outubro e, passado um mês, ele ligou-me para saber se tinha interesse em algum jogador dele.»

«Em tom de brincadeira, disse que tinha interesse no Serna e riu-se. Contudo, também me disse que não era algo fora de hipóteses porque ele estava a começar a jogar menos no Perafita e até me disse que andava um pouco triste», apontou.

Viu, venceu e partiu. O jogador seguiu para Serzedo, esteve pouco tempo em ação - o suficiente, ainda assim, para «marcar a diferença» - e abandonou a equipa antes de um dérbi.

«Assim que começou a treinar vi que estava ali algo fora do normal. Os meus atletas disseram-me logo: 'oh mister, de onde é que isto veio? Isto não é para jogar aqui'. Ficaram todos surpreendidos», destacou.

«Ele acabou por fazer o mês de janeiro e, numa quinta-feira (vésperas de um dérbi gaiense), o empresário do Serna disse-me que não iria contar mais com o jogador porque ele já estava a caminho do Paraguai. Fiquei com as mãos na cabeça porque ele estava a ser importante e fazia golos de qualquer feitio. Foi, naquele mês, o grande destaque da equipa. Ele fazia a diferença», continuou.

Como referido, Serna não era o único no processo de transição. Ainda assim, para Edgar, esta quantidade de estrangeiros não era normal - no total, o plantel de 2018/2019 contava com sete -, o que contrariava a tendência em Perafita que, no total, recebeu 28 estrangeiros nessa temporada.

q Assim que começou a treinar vi que estava ali algo fora do normal

Edgar Ramos, ex-treinador do Serzedo

«O empresário até queria ter feito um contrato, mas o clube ainda não estava preparado para essas 'andanças' e era complicado assumir algo porque teríamos muita despesa com ele. Assim, foi só jogar, mas é natural que tenha começado no banco. Lembro-me perfeitamente do primeiro jogo deles: começaram todos no banco, mas o Serna entrou.»

Um miúdo «introvertido», com vontade de «chegar ao topo» e com muitas qualidades, dentro e fora de campo. Para o ex-treinador de Serna, a mentalidade estava lá e o «corpo acompanhou»: «Notava-se que ele queria chegar ao topo do futebol. E é o que eu digo aos meus atletas: têm de acreditar. O que o Serna conseguiu é algo fora do normal.»

Já dentro de campo, o colombiano também não deixava ninguém indiferente. Vítor Fafiaes recorda um jogador veloz, muito técnico, com um grande drible e compara Serna a um internacional português...

«Era muito diferente dos outros. Era rápido e muito técnico, com um controlo de bola em velocidade incrível. Era um Rafa Silva um pouco mais completo, porque também jogava bem de cabeça e tinha, na minha opinião, uma capacidade de drible ainda maior que o Rafa», afirmou o ex-diretor desportivo e vice-presidente do Perafita.

Por sua vez, Edgar relembra um jogador «decisivo», que «marcava de qualquer forma e feitio» e que «tem tudo para triundar».

«Ele era um jogador que fazia muito a diferença no último terço do campo. Tinha 1x1, qualidade a finalizar, marcava bons livres, é um miúdo que tem tudo para triunfar. Tenho todo o orgulho por ele ter passado por mim, apesar de só ter sido apenas um mês. Ainda hoje mantenho ligação com ele», finalizou o ex-técnico de 45 anos.

[N.d.r: Kevin Serna, no vídeo abaixo, a marcar de livre direto pelo Serzedo, em janeiro de 2019]

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