Defendeu quatro penáltis e fez história no Azerbaijão: «Veem-me como um ídolo»

1 mes atrás 45

Defender um penálti num jogo já não é para todos. Defender dois? Para muito poucos. Três? Só em noites memoráveis. Contudo, Tiago Silva, guarda-redes português de 24 anos, foi além disso e defendeu quatro penalidades, na semana passada, para ajudar o seu clube, o Zira FK, do Azerbaijão, a fazer história nas competições europeias.

Com formação dividida entre Benfica, Vitória SC, Belenenses e Desportivo das Aves, o jovem guardião iniciou a carreira profissional em Portugal e por cá representou a equipa B vitoriana, o Leixões e ainda o Trofense. Na Trofa, na sua última época em Portugal, em 2022/23, embora tenha sido utilizado regularmente, desceu de divisão, para a Liga 3. Esta seria a sua «despedida» de Portugal, antes de rumar para o Azerbaijão.

Aí tem estado no último ano e alguns meses. Teve uma primeira época de destaque, onde fez 36 jogos (sofreu apenas 23 golos) e ajudou a turma de Baku (a capital) a terminar em 2º no campeonato, qualificando-se para as pré-eliminatórias da Liga Europa. Caíram cedo para a Conference League, mas aí estão a brilhar e Tiago Silva tem sido figura. No passado dia 15 de agosto, defendeu quatro grandes penalidades, no desempate por penáltis, e ajudou a eliminar os croatas do Osijek (2-2).

Tiago está no Zira há um ano @Arquivo Pessoal

«Não só para mim, como também para o Azerbaijão em geral, é algo que se vai falar por muito tempo. É um feito histórico, a primeira vez que chegamos a um play-off, ainda para mais da forma que foi. Estivemos sempre atrás do resultado, começámos a perder, chegámos a sofrer aos 80’, o que, numa competição europeia e contra uma equipa de nome no futebol croata, podia dar a ideia que estava tudo perdido, mas marcámos aos 90’, num pontapé à meia volta. Fomos a prolongamento e nos penáltis foi uma noite onde tudo correu bem. Podíamos estar lá a noite inteira que eu acho que era a minha noite. Sentimos que podemos chegar à fase regular, temos essa oportunidade e queremos continuar a escrever história», começou por dizer, em conversa com o zerozero.

Tiago Silva
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«Esta foi uma semana onde é preciso assentar os pés na Terra e ter calma. São fotos no meio da rua, autógrafos, dizem que sou um herói e o melhor do Mundo, mas não me posso esquecer que quando perdemos na Liga Europa, contra o Sheriff, disseram que era pequenino e por isso tínhamos perdido nos penáltis. Agora já sou um especialista. Sabemos como funciona o futebol. Hoje sou um herói para todo o país, mas amanhã posso ser um vilão. Sinto-me bastante valorizado no Azerbaijão. As pessoas consideram-me muito bom guarda-redes, para boa parte o melhor do país. Alguns já me pedem para jogar pela seleção deles. É um motivo de orgulho», acrescenta.

Tiago Silva não diz que não, para já, a esse convite, mas admite que nesta altura preferia apenas conhecer o novo selecionador do Azerbaijão...um tal de Fernando Santos: «Estou focado no Zira. A seleção é um contexto totalmente diferente. Tenho um prazer enorme de jogar no Zira. Em relação à seleção, para já, não penso muito. Penso mais em conhecer pessoalmente o Fernando Santos, que agora é o selecionador do Azerbaijão, que marcou Portugal. Quero continuar a crescer na carreira e continuar a meter o meu nome na Europa.»

Estudo na base da história

E, afinal, como é que se defende quatro grandes penalidades - num total de cinco, diga-se -, num só jogo? Afinal, são poucos os que o conseguiram e os que o fizeram certamente ficaram eternizados na memória de muitos adeptos que o viram em primeira mão. Tiago destaca o trabalho pré-jogo e admite que teve uma pequena «batota» (cada vez mais comum).

«Tenho que dar também mérito à equipa técnica, porque fizeram uma excelente análise vídeo do adversário, algo que, quando cheguei no ano passado, não havia. Agora estão cada vez mais profissionais nesse sentido. Fui eu que comecei a pedir vídeos e agora são eles que enviam, às vezes o suficiente para analisar o adversário a noite toda. Na minha opinião, enquanto guarda-redes, quando decido o lado, vou com tudo e aí é ter esperança de acertar. Aí, não há chance para a bola passar. Dificilmente espero. Tomo a minha decisão, defino o lado e vou. Tinha uma cábula na garrafa [risos]. Também que dar mérito ao outro guarda-redes. Não é todos os dias que se defende três penáltis e perdes o jogo», conta-nos.

Graças a esta enorme exibição de Tiago, o Zira chegou, pela primeira vez, aos play-offs de uma competição europeia (neste caso da Conference). Contudo, os azeris não querem ficar por aqui e, agora, têm pela frente os cipriotas do Omonia.

«Sabemos que vai ser difícil. É um ambiente com a qual não estamos habituados. O Omonia mete bastante gente no estádio, algo que ainda temos que trabalhar no Azerbaijão, que não temos com frequência no campeonato. O Omonia é superior a nós a nível de visibilidade e que está habituado a estas andanças. Era difícil em todas as eliminatórias até aqui e conseguimos. Temos uma equipa de superação, de guerreiros e sabemos que se conseguirmos trazer a eliminatória para o Azerbaijão, tudo estará em aberto, porque esta é a nossa fortaleza», afirma o guardião.

Caminho solitário para o sucesso

Tiago Silva já nos havia falado um pouco sobre a sua experiência no Azerbaijão na época passada - recorde a entrevista - e isso levou-nos a questionar o que leva um guarda-redes português, na flor da idade, a querer continuar num país tão distante e com cultura tão distante. Tiago admite dificuldades.

qA maior parte do tempo tenho uma vida social solitária, o que não é fácil

Tiago Silva

«Acho que abri um pouco as portas aos guarda-redes portugueses no Azerbaijão. Assinei, comecei bem, as coisas começaram a correr bem e pouco depois o Igor Rodrigues assinou por outro clube. Esta época, mais duas equipas contrataram guarda-redes portugueses. Acho que ajudei. Sinto-me bem, as pessoas gostam de mim. Nunca tive um amor tão grande pelo meu trabalho, gostam da forma como defendo. Veem-me como um ídolo. Nunca tinha tido uma valorização tão grande. Vêm ter comigo para dizer que sou o melhor guarda-redes do país. Dá motivação. Apurámo-nos para a Europa e não me posso esquecer que há menos de duas épocas desci para a Liga 3. Agora, estou a jogar Conference. Têm sido experiências incríveis, totalmente diferentes. Ajudar o Zira a atingir outro nível ajudou-me a continuar. Estou em sintonia com o clube. Estamos a conseguir feitos inéditos. Ainda não sinto que tenha feito tudo o que quero. Quero que andemos a lutar com o Qarabag esta época», explica.

«Portugal é um país incrível e só comecei a dar valor quando saí. É muito diferente. O estilo de vida que tenho aqui é um bocadinho solitário. É preciso uma capacidade mental muito forte para aguentar, apesar de ter o suporte da família. Já vivi momentos muito difíceis aqui a nível pessoal, a nível de bem-estar. Tive uma adaptação ao país boa, até porque as pessoas gostam muito de mim, mas é diferente. A maior parte das pessoas ainda não fala inglês, o que torna ainda mais difícil socializar. Depois, a maior parte dos jogadores estrangeiros já tem as suas famílias aqui e passam o tempo com eles. A maior parte do tempo tenho uma vida social solitária, o que, por vezes, para um jovem de 24 anos não é fácil. O apoio da minha família e da minha namorada tem sido fundamentais. Já ando a dizer ao clube há algum tempo que está na hora de trazerem mais portugueses ou brasileiros [risos]», conclui.

A eliminatória com o Omonia está agendada para os próximos dias 22 e 29 de agosto. A 1ª mão joga-se no Chipre, enquanto a 2ª se joga no Azerbaijão.

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