Desinformação nas redes sociais, ataques a mesquitas e violência nas ruas. O que se passa no Reino Unido?

2 meses atrás 86

Ataque em Southport

06 ago, 2024 - 20:30 • Diogo Camilo

Esfaqueamento de três crianças em Southport gerou uma onda de episódios violentos e anti-islâmicos por todo o Reino Unido na última semana. Nas redes sociais, a teoria de que o autor do ataque seria um imigrante islâmico radical explodiu. Na verdade, o jovem de 17 anos é nascido em Inglaterra e não é muçulmano.

Protestos violentos estão a ocupar as capas de jornais da última semana no Reino Unido, depois de um ataque durante uma aula de ioga e dança inspirada em Taylor Swift, em Southport a 29 de julho, na qual morreram três crianças - entre elas uma portuguesa - e dez pessoas ficaram feridas.

O autor do esfaqueamento é um jovem de 17 anos, nascido em Cardiff, no País de Gales, com pais originários do Ruanda e que se mudou para o norte de Inglaterra em 2013. Mas informações falsas divulgadas nas redes sociais, de que este era um imigrante islâmico radical, explodiram nas redes sociais e levaram dezenas de milhares de pessoas às ruas.

Desde então, os protestos que tiveram início no dia seguinte subiram de tom, tomando uma direção anti-imigração e com retóricas islamofóbicas na última semana. Em reação, o primeiro-ministro britânico, Keir Starmer, culpou a “bandidagem de extrema-direita” pelos motins em que já foram detidas mais de 400 pessoas.

Primeiro-ministro britânico reúne-se com a polícia para tentar travar tumultos anti-imigração

O que se sabe do ataque que originou os protestos?

O alerta foi dado pelas 11h47 de segunda-feira, dia 29 de julho, para um workshop temático de dança e yoga inspirado em Taylor Swift e dirigido a crianças entre os 6 e 11 anos em Southport, no noroeste de Inglaterra.

O jovem autor do ataque esfaqueou mortalmente três crianças com seis, sete e nove anos. Uma delas era Alice da Silva Aguiar, filha de pais madeirenses, que nasceu em Inglaterra em 2014 e faria 10 anos em outubro. Morreu no dia seguinte ao ataque, de manhã, na sequência dos ferimentos sofridos.

Além das três vítimas, outras oito crianças e dois adultos ficaram feridos.

Mais de 370 detidos em motins da extrema-direita no Reino Unido

O que se sabe do autor dos ataques?

Como é habitual neste tipo de situações, a polícia britânica não revelou a identidade do suspeito do ataque, divulgando apenas que tinha nascido em Cardiff, no País de Gales, e que residia perto do local do ataque.

Por estar prestes a fazer 18 anos de idade e para impedir a propagação de desinformação, o tribunal de Liverpool identificou na semana passada o jovem como Alex Rudakubana, de 17 anos, acusando-o dos homicídios das três meninas e de 10 crimes de tentativa de homicídio, além do crime de posse de arma ilegal. O jovem volta ao mesmo tribunal dia 25 de outubro.

As forças de segurança avançaram que o crime “não está relacionado com terrorismo”, mas mesmo assim a desinformação nas redes sociais sobre as origens, a etnia e a religião do autor do ataque tem chegado a mais pessoas, com acusações de o jovem seria um imigrante islâmico radical.

A onda de revolta gerou uma onda de protestos, que rapidamente se tornaram em episódios violentos. Esta segunda-feira, o Governo britânico disse estar a investigar que papel tiveram outros países na disseminação de informações falsas para a amplificação dos protestos, com o próprio Keir Starmer a alertar para o perigo.

“Temos visto atividade online, muita da qual amplificada ou que teve o envolvimento de estados“, indicou o porta-voz do primeiro-ministro britânico.

Primeiro-ministro britânico condena ataque de "bandidagem de extrema-direita"

Quando começaram os protestos?

Os episódios de violência começaram logo no dia seguinte, na cidade onde tudo aconteceu. Centenas de pessoas juntaram-se à porta da mesquita de Southport, num encontro que a polícia associou diretamente ao grupo de extrema-direita e anti-islâmico Liga de Defesa Inglesa, com “violentas manifestações contra o Islão”.

Na sequência da violência, mais de 50 agentes da polícia ficaram feridos após aquilo que chamaram de um “ataque contínuo e violento”.

Longe desta manifestação, centenas juntaram-se para uma vigília às vítimas do ataque, depositando flores e brinquedos junto ao local do ataque.


Depois dos episódios, a polícia local voltou a esclarecer que o suspeito do ataque nasceu no Reino Unido e que a “especulação não ajuda ninguém”, mas nos dias seguintes seguiram-se novos protestos relacionados com imigração, como em Londres, Manchester ou Glasgow, ou em mesquitas, como em Liverpool ou Hartlepool - mesmo apesar do tribunal ter confirmado que o autor dos ataques não era muçulmano.

Na sexta-feira, a cidade de Sunderland foi alvo de violentos protestos anti-imigração, com a esquadra central da polícia a ser incendiada. Três polícias ficaram feridos e oito manifestantes foram detidos.

Sábado foi o dia com mais manifestações anti-islâmicas até ao momento, com mais de 15 em cidades como Stoke, Hull, Bristol, Portsmouth ou Belfast. No domingo, em Rotherham,

O total de detidos nos últimos dias já ultrapassou os 400, com 46 suspeitos detidos esta segunda-feira e mais 18 durante a última madrugada.

Protestos anti-imigração. Polícia inglesa enfrenta “desordem grave” em várias cidades

Quem está por detrás dos protestos anti-islâmicos?

O grupo de extrema-direita por detrás dos primeiros protestos que geraram uma onda de violência é a Liga de Defesa Inglesa, fundada em 2009 à volta de várias claques de hooligans britânicas, e que defende a ideia de que muçulmanos não podem ser ingleses, ao mesmo tempo que consideram o Islão uma ameaça aos valores europeus e olham para a alta imigração no Reino Unido como a razão do “declínio da cultura britânica”.

O seu lema - “não somos racistas, não somos violentos, só não ficamos calados” - vai contra os episódios da última semana numa organização que se julgava desaparecida.

O seu antigo líder, Tommy Robinson, tem sido um dos grandes amplificadores dos protestos nas redes sociais, aumentando rapidamente o seu número de seguidores na rede social X (antigo Twitter) com a propagação de vídeos falsos, desde que a sua conta foi restabelecida em novembro do ano passado - depois de ter sido banida durante cinco anos por “conteúdo de ódio”.

Tommy Robinson negou que a organização esteja envolvida nas manifestações, adiantando que já não existe há mais de uma década, mas forças de segurança em Southport garantiram a presença da Liga de Defesa Inglesa nos primeiros protestos anti-islâmicos que iniciaram a onda de violência no Reino Unido.

A partir dos primeiros protestos têm-se formado grupos no Facebook e Telegram nos quais são convocadas manifestações e partilhadas informações e vídeos falsos, além de conselhos para os protestos.

Governo britânico aumenta número de celas depois de onda de violência no país

Qual foi a resposta do Governo britânico?

Depois do segundo dia de protestos e com grande incidência em Londres, Keir Starmer reuniu-se com os chefes de polícia na quinta-feira e realizou esta segunda-feira uma reunião de emergência, após a intensificação dos protestos violentos, manifestando “apoio total” às forças de segurança.

No domingo e através de um discurso a partir do número 10 de Downing Street, Keir Starmer condenou o ataque em Southport e a violência que se seguiu nos protestos em várias cidades britânicas, com especial enfoque no ataque a um hotel que alberga requerentes de asilo, na cidade de Rotherham, classificando os suspeitos de "bandidagem de extrema-direita".

O primeiro-ministro prometeu que será feito "tudo o que for necessário para levar estes bandidos à justiça", atribuindo a violência ao “ódio da extrema-direita”.

Para esta terça-feira está marcada mais uma reunião de emergência de antevisão à série de protestos marcados para amanhã.

Segundo a Sky News estão agendadas pelo menos 30 manifestações, com a polícia a ter destacado mais de seis mil polícias e o governo britânico a ter aumentado a capacidade das suas prisões em antecipação aos próximos dias.

Destaques V+

Ler artigo completo