Diogo Capitão recorda Félix: «Não era brincar no parque, mas parecia fácil»

3 meses atrás 79

Durante muito tempo, parecia não haver vida para Diogo Capitão sem o Benfica. Mais de uma década ao serviço das águias, o defesa percorreu o caminho pelos vários escalões de formação até à equipa B. Um Capitão que se tornou capitão, inclusive. Um amor para a vida toda, até que a vida os separou.

Diogo Capitão
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No último verão, Diogo deixou o «clube do coração» e mudou drasticamente de vida. De Portugal para os Emirados Árabes Unidos, onde acaba de se sagrar campeão da segunda divisão. O sonho de regressar ao ponto de partida permanece vivo, mas o futuro ainda é incerto e, se não voltar a passar pela Luz, ficam sempre as memórias. Memórias felizes, partilhadas com nomes incontornáveis nos últimos anos encarnados, que o zerozero pôde escutar numa entrevista com o jogador de 24 anos.

Segunda divisão dos Emirados: o «equivalente ao Campeonato de Portugal»

zerozero: Acaba de se sagrar campeão na segunda divisão dos Emirados Árabes Unidos. Como descreve esta experiência?

Diogo Capitão: O Dubai é outro mundo. A cidade onde estava era um bocadinho diferente, ainda não está tão desenvolvida como o Dubai. Fica a uma hora, é outro emirado. Acabei por me ambientar muito bem e não estava à espera, sinceramente. Foi a primeira vez que saí do país, para uma realidade diferente, e acho que o pior foi mesmo o calor. É uma diferença muito grande para cá. Em termos de religião, claro que há costumes diferentes, mas onde senti mais dificuldades foi no calor. Quando cheguei lá, em setembro, ainda estavam 41ºC e agora, na parte final, também já estava a chegar aos 40ºC. Foi o mais complicado.

zz: Não há inverno...

DC: O inverno é 25, 30ºC. Acaba por chover e este ano até acho que foi dos que choveu mais, mas chove um dia inteiro e depois volta o sol ou está calor até mesmo quando chove.

zz: Um inverno no Dubai é um verão em Portugal.

DC: É basicamente isso.

zz: Sentiu muita dificuldade em adaptar-se à cultura?

DC: Mais à comida, porque é um pouco condimentada e eu não gosto. Passei algumas dificuldades mais no início, porque a casa ainda não estava disponível e eu estava num hotel, não era eu que fazia a comida. Senti alguma dificuldade. De resto, talvez apenas no horário. No início do Ramadão, nós treinávamos às 22h. Mudaram um pouco os horários, era mais viver de noite e dormir de dia. Mas foi só a primeira semana.

zz: Tem muitos colegas a fazer o Ramadão?

DC: Ali são praticamente os locais todos. Só os estrangeiros, eu, os brasileiros e os uruguaios é que não fazíamos. O resto fazia.

zz: Já tinha privado com essa realidade?

DC: Tinha tido, no Benfica, o Adrian Bajrami. Há outros que têm essa religião, mas cá na Europa, na altura do Ramadão, não cumprem a 100 por cento. É complicado para nós, jogadores, e os que não estão habituados a fazer sempre… Houve uns que optaram por não fazer a 100 por cento. Não deixavam de fazer, mas não faziam tudo. É a religião deles, respeitam muito e o mister, que era português, também respeitava e daí meter os treinos ao final do dia, assim como os jogos eram às 22 horas.

@Manuel Morais / Kapta+

zz: A diferença futebolística é muito grande em comparação com Portugal?

DC: Sinceramente, acho que foi um choque grande. Venho de uma equipa como o Benfica e a realidade é diferente. Não vou dizer que o nível competitivo é muito baixo, mas na divisão onde estava é baixo, sim. Talvez seja o equivalente a um Campeonato de Portugal, sinceramente. Há três, quatro equipas fortes, mas depois tem equipas muito fracas. Cheguei a assistir a alguns jogos da primeira divisão e têm equipas boas. O Al Ain acabou por ganhar a Champions Asiática. O Seferovic está por lá, o Marega também. O próprio Iniesta ainda joga, foi para uma equipa que acabou por descer. Na primeira liga dos Emirados já se vê alguma qualidade- não tanta como na Arábia, que já está um pouco acima, mas tem qualidade. A segunda divisão, sinceramente, tirando três ou quatro equipas, não tem muita qualidade.

zz: Vocês foram campeões e conseguiram subir ao primeiro escalão. Como é que está a sua situação? É para continuar?

DC: Assinei só por um ano, ainda estou à espera. Em princípio, não devo subir com a equipa para a primeira divisão. A mentalidade deles é um pouco diferente da europeia. Recorrentemente, as equipas que sobem da segunda para a primeira divisão mudam 80 ou 90 por cento do plantel, senão mesmo 100. É o que vai acontecer. Ainda não tenho a certeza se fico ou não. Há a possibilidade, sei que o mister quer, mas a última palavra é da direção.

zz: Como foi a experiência com o mister Bruno Pereira?

DC: Acabou por tornar mais fácil a minha adaptação. O treinador português é conhecido como um bom treinador. Gostamos de ter a bola e a segunda divisão é mais física do que a primeira. Éramos das poucas equipas que saíam a jogar de trás, daí também ele querer-me na equipa, porque eu ajudava muito na saída de pressão. Não vou dizer que os princípios são iguais aos que tive no Benfica, mas tem bases do que vivi no futebol de formação do Benfica. Adaptei-me muito bem.

Sonho encarnado segue vivo

zz: Passou muitos anos no Benfica. Quando saiu, disse que tinha o objetivo de voltar. Ainda pensa nisso?

DC: Sempre. É um sonho que tenho desde criança. Cada um segue o seu caminho, posso [voltar] daqui a dois, três ou até oito anos. O sonho está sempre presente. É o clube do meu coração. Também sei que, se não conseguir esse sonho, já fui um felizardo por estar tantos anos no clube do meu coração e sei que aproveitei ao máximo enquanto estive lá.

zz: Chegou, inclusive, a levar a braçadeira de capitão e disse ser um capitão mais de exemplo do que de grito...

DC: Há questões por detrás dos jogadores que não se sabe muito. Por exemplo, às vezes aparecem fotografias das multas dos jogadores na Premier League. Sempre tentei ser um exemplo nesse aspeto. Por exemplo, o Rúben Dias… Fala-se do grito, porque fala muito, mas eu também acho que é pelo perfil, o exemplo do que trabalha fora de campo. Uma coisa que não está muito presente lá para fora é quando os jogadores novos chegam e eu tento transmitir-lhes a mística. Trabalho à volta desse exemplo de ajudar os mais novos. Há uns que acabam por se deslumbrar, pensam que já têm a vida feita por estarem na equipa B do Benfica. Tem que se dar ali uma achega, porque a vida passa num instante e tudo muda rápido. Guio-me por esses princípios e respeito.

qEra pequenino, mas a intensidade nos duelos, a inteligência a jogar...

Diogo Capitão sobre João Neves

zz: Fez parte de uma das melhores gerações do Benfica nos últimos anos e teve colegas como João Félix, João Neves ou Gonçalo Ramos. Já se percebia que eram jogadores especiais?

DC: Sim, claramente. Num clube como o Benfica tem que se ter qualidade, mas há sempre uns que se nota a diferença. Lembro-me perfeitamente do João Félix no campeonato nacional de juniores, na fase final. Não digo que parecia que estava a brincar no parque, mas tudo parecia fácil para ele. A facilidade com que recebia, rematava e fazia golos. O próprio Jota, que quando eu cheguei já estava lá há uns seis meses. Sempre se viu o potencial que ele tem e depois acabou por explodir no Celtic. O [João] Neves sempre se viu que era especial.

zz: A afirmação dele até acaba por ser algo repentina.

DC: Todos já percebíamos a intensidade que ele metia nos duelos. Era pequenino, mas a intensidade nos duelos, a inteligência a jogar… Na equipa B, no início do ano passado, não era titular. A maioria dos jogos entrava e era pouco tempo. Lembro-me depois dos jornais, de ter poucos jogos pela equipa B e dar o salto para a equipa A. A verdade é que quando foi lá treinar nas pausas das seleções… Quem está nos treinos vê isso e o Roger Schmidt viu logo nele o craque que é. Deu-lhe a oportunidade e ele não desperdiçou.

zz: Defesa central ou médio defensivo, onde se sente melhor?

DC: Neste momento, a defesa central. Fiz a época praticamente toda a central. Jogando sempre de frente torna-se um pouco mais fácil. A médio joga-se muitas vezes de costas, rodando o pescoço, mas às vezes não se vê o lado cego. Sinto que tenho algumas lacunas nisso, apesar de ser inteligente e ler bem o jogo. Como a central estou a ver o jogo de frente, acho que me privilegia.

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