Direita e esquerda alemãs reconfiguram-se perante subida do AfD (extrema-direita)

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A União de Valores (Werteunion, no original em alemão), uma ala mais à direita dos conservadores da União Democrata-Cristã (CDU) e do seu `gémeo` bávaro União Social-Cristã (CSU, que existe apenas na Baviera), anunciou no passado fim de semana que deixava esta família política para se constituir como partido, ampliando assim o leque político-partidário da Alemanha.

A União de Valores, movimento criado em 2017 no seio da CDU e CSU por membros descontentes com a política migratória da então chanceler Angela Merkel, que consideravam demasiado benevolente e permissiva, apresentar-se-á já às três eleições regionais que se celebrarão em setembro próximo na Alemanha e diz-se disponível para "trabalhar com todos os partidos que estejam prontos para uma mudança política" no país, deixando assim a porta entreaberta a uma possível cooperação com o AfD.

O líder deste novo partido de direita é o ultraconservador Hans-Georg Maassen, antigo chefe dos serviços secretos alemães, afastado do cargo em 2018 após ser acusado de desvalorizar um episódio de violência da extrema-direita contra migrantes numa localidade no leste da Alemanha.

Maassen já era desde há anos uma figura incómoda dentro da CDU, que chegou mesmo a iniciar no ano passado um procedimento com vista à sua expulsão do partido, à luz de muitas intervenções polémicas, sobretudo nas redes sociais, incluindo a partilha de teorias da conspiração, como a da existência de um plano para substituir a população branca, e mensagens consideradas antissemitas.

De acordo com o Correctiv, uma redação de jornalismo de investigação sem fins lucrativos que revelou este mês a realização de uma reunião secreta em novembro passado na localidade de Potsdam na qual membros do AfD e de organizações extremistas de direita debateram um plano de deportação em massa de milhões de estrangeiros, incluindo os que já possuem passaporte alemão, encontravam-se presentes dois membros do Werteunion.

Este novo partido afirma ter, à data da sua criação, cerca de 4 mil membros, a grande maioria dos quais, cerca de 85%, `dissidentes` da CDU e CSU.

Num ano com importantes eleições - as europeias, em junho, e três sufrágios regionais que terão lugar em setembro, e que `ameaçam` consolidar a ascensão do AfD na cena política alemã, onde já é o segundo partido nas intenções de voto a nível nacional -, este partido da extrema-direita logrou não só que os partidos tradicionais do centro endurecessem o seu discurso e políticas, designadamente a nível das migrações, e está na raiz da criação, só este mês, de dois novos partidos, incluindo na extrema-esquerda.

Além do Werteunion -- que parece disposto a romper com o `cordão sanitário` que o centro-direita tradicional até agora impôs na Alemanha à direita mais radical, mas que tem o propósito de conquistar um eleitorado de direita descontente com a CDU, mas que considera o AfD demasiado extremista -, também este mês foi anunciada a criação de um novo partido de extrema-esquerda que aspira a desviar o voto de protesto que tem beneficiado a extrema-direita.

O novo partido -- que, ao invés do Werteunion, concorrerá já às eleições europeias de junho -- foi lançado por uma destacada figura da oposição, Sahra Wagenknecht, que abandonou em outubro passado o partido de extrema-esquerda A Esquerda ("Die Linke", no original em alemão), do qual era um dos principais elementos, com o propósito de lançar um novo partido, formalizado a 08 de janeiro, e ao qual dá o próprio nome: Aliança Sahra Wagenknecht, que será conhecido pela sigla BSW ("Bündnis Sahra Wagenknecht") - Razão e Justiça.

O BSW-Razão e Justiça, para o qual rumaram, além de Wagenknecht, vários dissidentes de topo de A Esquerda -- herdeiro do Partido Comunista da antiga República Democrática Alemã (RDA) -, mas que também atraiu antigos dirigentes dos socialistas do SPD e figuras até agora sem filiação partidária, apresenta-se como um partido antissistema, que conjuga uma política económica de esquerda com uma linha mais nacionalista e restritiva em relação à política migratória.

O BSW defende nomeadamente uma redução do número de migrantes que se instalam na Alemanha, o que, de acordo com muitos observadores, poderá atrair eleitores que até aqui têm votado na extrema-direita.

Os partidos mais radicais no espetro político alemão beneficiam atualmente do grande descontentamento de boa parte do eleitorado com os partidos tradicionais do centro e, designadamente, com o desempenho da atual coligação de centro-esquerda no poder, liderada por Olaf Scholz (socialistas do SPD), cuja popularidade está cada vez mais em baixo.

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