Do Newcastle ao Beira-Mar: a tragédia de Srnicek, «o mais amável dos checos»

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A lista de futebolistas checos no historial da 1ª divisão é exígua. São 11 no total, os suficientes para uma equipa completa. Alguns absolutamente desconhecidos (Jan Musil e Robert Zák, jogadores do Penafiel em 91/92), outros razoavelmente famosos (Pavel Horváth, Lubomir Vlk e David Jurásek) e dois acima de quaisquer suspeitas: Karel Poborsky, executor de Portugal no Europeu de 1996, e Pavel Srnicek.

Srnicek. 49 jogos oficiais na baliza da República Checa (agora Chéquia), presenças no Euro96 e no Euro2000, cinco jogos na Taça das Confederações de 1997, uma vida inteira a defender as redes do Newcastle: 128 partidas oficiais de 1991 a 1998 e mais duas na época 2006/07, a embelezar o adeus aos relvados.

qO Beira-Mar teve investidores ingleses nesse ano. Contrataram um treinador [Mick Wadsworth] e alguns futebolistas ligados ao futebol britânico: o Paul Murray, o Stephen McPhee e, acima de todos, o Pavel Srnicek

Artur, colega de Srnicek no Beira-Mar

Pelo meio… o Sport Clube Beira-Mar.

A transferência de 2004 é surpreendente. Justifica manchetes em Portugal, na Rep. Checa e em Inglaterra. Um movimento de mercado ambicioso, apesar dos 36 anos de Srnicek. Algo semelhante às chegadas de Michel PreudHomme ao Benfica e de Peter Schmeichel ao Sporting, numa dimensão ligeiramente reduzida.

Nomes sagrados de luvas calçadas, número um nas respetivas seleções, percursos consagrados e a mudança para Portugal no pôr do sol das vidas desportivas.

Pavel Srnicek já não está entre nós. A 29 de dezembro de 2015, apenas com 47 anos, Srnicek sucumbe às graves consequências de um ataque cardíaco, sofrido nove dias antes. Uma tragédia a abalar o futebol checo e, em particular, as emoções do icónico St. James’ Park, em Newcastle.

«Sabemos que estava a correr num parque em Ostrava, onde vivia, e sentiu-se mal. Ficámos chocados», recorda Pavel Horváth, colega de Srnicek na seleção, em conversa com o zerozero.  

À altura da morte, Srnicek é o responsável pelo treino dos guarda-redes do Sparta Praha. «Saudável e bem disposto, como sempre», sublinha Horváth, antigo jogador do Sporting e amigo próximo.

«A família disse-me que os danos cerebrais eram irreversíveis. Não havia outra solução.»

Pavel Srnicek a representar a Rep. Checa @Uefa.com

«Todos os dias fazia questão de ser ele a ligar os pés»

Em Aveiro, Pavel Srnicek mantém um legado de simpatia e cavalheirismo. Artur, recordista absoluto de jogos pelo Beira-Mar, acompanha o gigante checo ao longo de duas épocas. A primeira na I Liga e a segunda já na II Liga.

«O Srnicek adorou Aveiro. Ele vivia no Porto, lembro-me disso, e aceitou baixar o salário para metade quando descemos. Esse exemplo revela o tipo de homem que era», conta ao zerozero o atual treinador do Recreio de Águeda.

Pavel Srnicek
2 títulos oficiais

O internacional checo faz 64 jogos pelo Beira-Mar em dois anos. Como é que o emblema aveirense o consegue convencer a jogar em Portugal e num clube de modestas aspirações? Artur explica.

«O Beira-Mar teve investidores ingleses nesse ano. Contrataram um treinador [Mick Wadsworth] e alguns futebolistas ligados ao futebol britânico: o Paul Murray, o Stephen McPhee e, acima de todos, o Pavel Srnicek.»

Pavel Srnicek chega numa idade já avançada, mas «em condições excelentes» para competir. É gerido com «delicadeza» pelas equipas técnicas dessa época – Luís Campos, Augusto Inácio e Manuel Cajuda sucedem a Wadsworth – e escapa às lesões e abaixamentos de forma.

«Aos sábados, lembro-me de ver o João Costeado [adjunto de Inácio] a ir ter com ele e a perguntar-lhe que tipo de trabalho queria fazer. Nas vésperas de jogo ele não arriscava nada», continua Artur, enquanto recupera imagens desse balneário.

«Todos os dias ele passava montes de tempo a ligar os pés. Queria ser ele a fazer isso. Era de um rigor raro, muito competitivo ainda. Ficava cego nos exercícios de finalização, quando havia vários remates seguidos e ele não conseguia parar todos.»

O plantel do Beira-Mar tem, nessa temporada 04/05, 14 nacionalidades representadas. Uma torre de Babel disfuncional, mais pela desorganização da estrutura diretiva do que por incompetência técnica.

«O Pavel foi sempre um dos que tentou unir o grupo. Era cinco estrelas, sinceramente. Muito educado, um gentleman.»

A homenagem do Newcastle no dia da morte de Srnicek @Getty /

«O Newcastle convidou-o a regressar»

A estada de Pavel Srnicek no Beira-Mar coincide com a descida do histórico aveirense a um primeiro círculo do inferno. A terra do demo, na II Liga, é passagem fugaz e Srnicek celebra com o treinador Augusto Inácio o título e o regresso ao palco principal.

«Ele só não continuou no clube porque o Newcastle convidou-o a regressar», revela Artur, emblemático capitão do clube.

Assim é. Já em pré-reforma, Pavel Srnicek faz uma última temporada à magpie, com um estatuto de suplente fiável de Shay Given e de Steve Harper.

Em dezembro de 2006 aparece, assim, nos dois últimos jogos de sempre: entra a três minutos do fim no triunfo por 3-1 sobre o Tottenham, por lesão de Shay Given, e assume a titularidade na derrota por 2-1 em Bolton para o Boxing Day.

«Estive com ele no Euro2000 várias semanas e posso confirmar: era o mais amável dos checos», resume Horváth, um dos confidentes do saudoso Srnicek.

Do Newcastle ao Beira-Mar, com muitos jogos pela Rep. Checa pelo meio. Um checo inesquecível para lembrar antes do jogo contra Portugal do Euro24. 

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