Do petróleo a 150 euros por barril à Arábia Saudita como potência. Oito “cisnes negros” para 2024

10 meses atrás 88

Um exercício costumeiro em todos os meses de dezembro, que pretende antecipar o que será o mundo das finanças no ano seguinte. Sem envolvimentos científicos.

Os analistas têm como certo que conseguem antecipar a realidade e essa certeza impede-os de partirem do princípio que a realidade é sempre mais surpreendente que a fantasia. Daí as previsões dos analistas serem tradicionalmente acanhadas face aos acontecimentos e qualquer anomalia que aconteça passar quase sempre incólume às previsões.

Claro que há sempre um que acerta – mas isso deve-se mais ao puro acaso que ao cruzamento eficaz de dados. Depois há, claro, o trabalho estatístico: se aconteceu uma vez, pode sempre voltar a acontecer. A pandemia é um caso desses: ninguém a antecipou, mas depois dela ninguém deixou de prever uma próxima.

Já a guerra em Israel é um caso diferente: ninguém no seu perfeito juízo deixou de a prever. Seja como for, é possível antecipar que em todos os meses de dezembro, analistas, videntes e bruxos tratam de puxar dos pergaminhos do seu próprio conhecimento e desatam a antecipar o que sucederá no ano seguinte. É um exercício sem risco: se falharem, ninguém se lembrará disso no dezembro seguinte; se acertarem num acontecimento imprevisível, terão lugar cativo nas colunas dos melhores jornais pelo menos no s 12 meses que se seguem.

O segmento mais interessante para se espreitar para as bolas de cristal é a tentativa de encontrar os chamados ‘cisnes negros’ (eventos muito improváveis, mas que têm um impacto enorme e planetário. Os economistas do Saxo Bank decidiram arriscar. O fim do capitalismo, o regresso do petróleo aos 150 dólares por barril ou o fim das políticas ultra-expansionistas do Banco do Japão são os seus cisnes negros. E se o fim do capitalismo é tão improvável como ver-se uma árvore a crescer da raiz para baixo, as outras sempre são mais previsíveis. Mas há outras especulações.

Por exemplo, a possibilidade de a Arábia Saudita passar a ser uma potência económica e do futebol. Quanto à primeira, nada de muito difícil. Há anos que o mais importante país da Península Arábica tem vindo a tentar diversificar as suas fontes de receita – e como essa diversificação não vai ser paga pelo trabalho árduo dos sauditas mas pela venda de barris de petróleo, possivelmente vai mesmo acontecer. Diz o Saxo que a subida do preço do petróleo até aos 150 dólares irá contribuir para isso. Sim, um dia, evidentemente que os 150 dólares serão atingidos – mas nunca antes da COP 32, ou talvez da 35.

Quanto ao futebol, só pode ser uma piada. Mesmo que nos últimos anos o príncipe herdeiro saudita, Mohammed bin Salman (MBS), um conhecido entusiasta do futebol, se tenha empenhado pessoalmente nesse campo. Mesmo assim, e apesar de todo o dinheiro despejado na Saudi Pro League, as equipas do país continuam a ser um depósito de veneráveis ex-excelentes jogadores que chegaram à conclusão que têm de olhar de forma séria para a reforma ou então, como no caso de Cristiano Ronaldo, são oriundos de países cuja solvência da Segurança Social não está assegurada até à eternidade.

Mesmo assim, os analistas do banco têm fé na capacidade de transformação dos sauditas – que estão a tentar transformar o seu campeonato numa competição global de clubes. A Liga dos Campeões do Mundo da FIFA torna-se uma realidade e um número considerável de jogos será disputado em Riad. A nova competição é composta por 48 equipas, com os clubes europeus, como o atual formato da UEFA Champions League, a garantirem 32 lugares, a Ásia-Médio Oriente, África e Américas a conseguirem cinco vagas cada no torneio, com o restante a ir para a Oceânia, de acordo com as previsões mais mirabolantes dos economistas do Saxo Bank.

Voltando-se ao fim do capitalismo, os analistas do Saxo Bank afirmam que as mudanças geopolíticas estão a minar a segurança dos Estados Unidos. Esse aumento do risco global força o governo dos Estados Unidos a expandir os gastos com a defesa, enquanto a Reserva Federal continua a apertar as condições de crédito – dirigindo o dinheiro vivo para os gastos da federação naquele segmento. Para evitar a agitação social, o Congresso é forçado a aumentar esses mesmos gastos, o que, por sua vez, desencadeia mais a inflação e o serviço da dívida dispara. Com o défice orçamental a aumentar rapidamente, o governo precisa de encontrar formas de os investidores comprarem títulos do Tesouro norte-americano.

Na frente mobiliária, antecipa o banco, aos ‘Sete Magníficos’ (Apple, Alphabet, Google, Microsoft, Amazon, Meta, Tesla e Nvidia) juntar-se ao mais cinco (Eli Lilly, Novo Nordisk, JPMorgan Chase, LVMH e ASML). Tudo isto pode resultar no fim do capitalismo. Não se percebe muito bem porquê, mas pronto. Talvez os analistas do banco se tenham esquecido que todo o incrível emaranhado do capitalismo liberal já tem, quando desenfreado, uma resposta à altura: o capitalismo de Estado. Quando o presidente dos Estados Unidos (quem quer que ele seja) não souber mais o que fazer para parar com a deriva do capitalismo liberal, só tem de telefonar para o seu homólogo chinês e perguntar como se faz. Já que está com o telefone nas mãos, deverá aproveitar para ligar para Moscovo, na tentativa de perceber porque é que os oligarcas russos tendem a cair de janelas muito altas ou a serem vítimas de acidentes caseiros graves. Depois, é só imitar práticas já comprovadamente eficientes e o capitalismo liberal entrará rapidamente nos eixos. Mas isto o Saxo Bank não antecipou.

O diretor de investimentos do banco, Steen Jakobsen, antecipa a formação de um ‘Clube de Roma’ entre várias potências que começam a lutar contra défices. “À medida que a situação da dívida dos Estados Unidos se tornou incontrolável em 2022, um grupo de seis países deficitários formam um Clube de Roma para cooperar na redução dos défices, negociando coletivamente novos termos comerciais globais”, afirma – com certeza depois de estudar a fundo as propostas dos BRICS. Os seis países fundadores do ‘Clube de Roma’ seriam os Estados Unidos, o Reino Unido, a Índia, o Brasil, o Canadá e a França. Ajustar a divergência da conta corrente entre os principais países será um ajuste doloroso para os países com os maiores superávites (China, Alemanha, Noruega, Japão, Holanda e Singapura). A moeda de reserva mundial, o dólar, sairia do controlo e reduziria a confiança no sistema monetário, levando a grandes ganhos para ouro, prata e criptomoedas, prevê Jakobsen. É um cenário interessante.

Já o analista-chefe John Hardy, traça um mundo em 2024 em que, pela primeira vez, um terceiro candidato independente se torna presidente dos Estados Unidos: Robert F. Kennedy Junior. Para o analista John F. Kennedy renega os democratas e assume a sua própria plataforma populista, com a qual aspira à eleição presidencial de 2024. Os dois únicos ‘senões’ é que o jovem candidato a populista já teria de ter surgido (as primárias vão começar dentro de menos de um mês) e esse nicho já está ocupado.

Por outro lado, é à medida que a União Europeia (UE) precisa de mais financiamento para vários objetivos políticos, incluindo mitigação das mudanças climáticas, saúde e educação, e a população percebe o quão pouco os milionários pagam em impostos, a Comissão Europeia implementa uma lei que tributa anualmente 2% da riqueza, imagina Peter Garnry, Head de Estratégia do mercado de ações do Saxo Bank. Segundo o próprio, este imposto sobre a riqueza angariaria 42 mil milhões de euros em receitas fiscais adicionais. Ora, como isso é menos que o próximo fundo de financiamento da guerra entre a Ucrânia e a Rússia, talvez ainda haja margem para deixar os pobres ricos em paz – mas isso Garnry não disse.

Para o ano, cá estaremos para ver quem acerto em quê.

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