“É lamentável que tenhamos demorado cinco meses para fornecer ajuda à Ucrânia”

2 meses atrás 91

Neto de açorianos, Jim Costa é um dos luso-americanos mais ativos na Câmara dos Representantes dos Estados Unidos onde já há 17 anos representa um dos distritos do estado da Califórnia. Além de toda a agenda bilateral, tem estado empenhado no apoio militar à Ucrânia e defende um cessar-fogo negociado para conseguir um armistício entre Rússia e Ucrânia. Numa passagem recente por Lisboa para o ‘Legislative Dialogue' organizado pela Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento, o congressista diz que Donald Trump não é confiável e é financiado por oligarcas controlados por Vladimir Putin.

Nas últimas duas administrações não houve qualquer visita de um Presidente dos Estados Unidos a Portugal. Isso significa que Portugal está numa posição mais distante em relação a Washington em matéria de influência entre os parceiros norte-americanos?

É importante que o relacionamento luso-americano com todas as administrações seja variado, mas quero sublinhar que Portugal é membro fundador da NATO. Portugal foi dos primeiros países a reconhecer os Estados Unidos após a nossa independência. Existe uma longa história entre Portugal e os Estados Unidos. As Lajes na Terceira foram sempre e ainda são uma instalação importante para a NATO. Portugal tem sido um forte apoiante dos EUA em relação à Ucrânia. A administração sabe disso e aprecia isso. E por isso penso que continuaremos a ver as administrações reconhecerem a importância de Portugal como um parceiro forte na NATO.

Facto é que os Presidentes dos EUA não têm vindo a Portugal. A importância das Lajes era maior no passado, devido à evolução tecnológica das capacidades militares. Há aqui um desafio nestas relações entre os EUA e Portugal?

Sim, existe um desafio. Mas como bem disse, o uso que fazemos das diversas capacidades militares mudou. A União Soviética tinha submarinos que atravessavam o Atlântico numa atitude muito mais ameaçadora para a paz durante a Guerra Fria. Mas constatámos que a Rússia já não está interessada numa parceira e são agora um adversário. As suas ações, com a invasão da Ucrânia, provaram-no. Putin é um criminoso de guerra. E penso que isso mudou a dinâmica, não só com Portugal e os Estados Unidos, mas com a União Europeia. Há 2 anos e meio, nunca teríamos pensado que a Suécia e a Finlândia gostariam de fazer parte da NATO. A NATO está hoje mais forte do que tem sido desde a Guerra Fria. Portugal refletiu essa necessidade de participar quando a Ucrânia foi invadida.

A União Europeia começou a reduzir a sua dependência do gás natural e do petróleo da Rússia, mas tornou-se muito difícil para a União Europeia. Portugal intensificou as plataformas de gás natural liquefeito e proporcionou-nos uma oportunidade para transportar mais energia, através de Portugal, para a Europa, especialmente para a Alemanha e Itália que tinham sido severamente impactadas em resultado do ataque à Ucrânia.

Tenho dito aos meus amigos no norte da Europa que foi um erro depender da Rússia para as suas necessidades energéticas. E é claro que aprendemos isso da maneira mais difícil nos últimos dois anos e meio. Mas, mais uma vez, como um forte parceiro e contribuinte não só da NATO, mas também da União Europeia, Portugal desempenhou um papel importante nos últimos dois anos, à medida que o mundo foi mudando.

Sei que esteve recentemente em Kiev.

Estive três vezes nos últimos 18 meses e vou lá ainda este ano. Estamos trabalhando nos F16 e a treinar os pilotos ucranianos, para que possamos fornecer o apoio aéreo necessário para que a Ucrânia se possa defender. Foi lamentável que tenhamos demorado cinco meses a fornecer o pacote de ajuda. E nesse período a Rússia conseguiu fazer alguns avanços. Mas agora isso mudou e pensamos estar a colocar a Ucrânia novamente numa posição forte para se defender face à Rússia. E acho que veremos isso acontecer aqui mais vezes nos próximos meses.

Li uma entrevista sua recente onde assumia não estar tão confiante na vitória total da Ucrânia. Por exemplo, apresentou uma ideia que muitas pessoas provavelmente não assumem publicamente sobre a necessidade de concessões para ter paz. É o exemplo do estatuto final da Crimeia, o estatuto final da mesma.

Em última análise, caberá à Ucrânia, ao povo ucraniano e ao seu governo determinar como seria uma paz negociada. O Presidente Putin, que, como disse, acredito ser um criminoso de guerra, bombardeou hospitais e escolas, sequestrou mais de 40 mil crianças ucranianas e precisa de ser responsabilizado, comentou que se sentaria e negociaria um acordo de paz com uma Ucrânia que concederia as quatro regiões ao longo da fronteira oriental do Donbass até à Crimeia, que se desmilitarizaria e que concordaria em não se juntar à NATO. Isso não é um ponto de partida para as negociações. O Presidente Zelensky rejeitou imediatamente a proposta de Putin, como era seu dever, e disse que não era uma oferta séria. Penso que os parceiros europeus que apoiam a Ucrânia pensam o mesmo.

Mas deveria haver algumas concessões por parte de Kiev?

Em qualquer negociação de um acordo para um cessar-fogo, haveria em última análise um acordo de paz. Por falar nisso, por exemplo, a Guerra da Coreia foi há mais de 60 anos e eles têm um armistício e não um acordo de paz. Penso num cessar-fogo negociado e onde isso nos pode levar, mas acredito que, em última análise, a Ucrânia quer manter a integridade das suas fronteiras. Penso que, em última análise, em algum momento isso poderá demorar 10 anos ou mais tempo, mas a Crimeia faz parte da Ucrânia. Pode haver etapas na forma como um cessar-fogo ou um acordo de paz negociado se apresenta, mas é disso que tratam as negociações.

É possível aderir à NATO sem fronteiras definidas?

Penso que sim. Penso que irá reiterar à Rússia que não se pode invadir uma nação soberana. Trabalho em estreita colaboração com os Governos polaco e romeno e os Estados Bálticos, e todos eles sabem, pela sua própria experiência, como é viver ‘debaixo da bota’ da União Soviética e da Rússia, que foi o primeiro país imperialista da Europa há 400 anos. Vemos uma abordagem muito forte a ser adotada na Polónia, na Roménia e nos Estados Bálticos, para o apoio à Ucrânia. A Polónia, por exemplo, gastará este ano mais dinheiro na sua defesa do que a Arábia Saudita. Estão fazendo tudo o que podem para garantir que a Rússia não pense que pode de alguma forma invadir a Polónia como fez com a Ucrânia.

Vale a pena correr o risco de atacar os russos, em solo russo?

Sim. Não se pode permitir que um agressor como a Rússia bombardeie cidades e alvos valiosos dentro das suas próprias fronteiras e não visar aqueles locais de onde vêm esses mísseis.

Isso pode desencadear uma resposta nuclear impensável de Putin.

Não. Acho que Putin faz as suas bravatas. Acho que ele percebe que se isso se quisesse fazer, os resultados seriam devastadores também para a Rússia. E penso que a China certamente não apoiaria os esforços da Rússia para usar armas nucleares contra a Ucrânia ou quaisquer outros países da Europa Oriental.

Trump diz que se for eleito em novembro acabará a guerra de imediato. Por outro lado, o que pode prometer Biden por outro lado ?

O ex-presidente Trump diz muitas coisas todos os dias. E muitos deles são inverdades, no que alguns diriam mesmo que são mentiras suas vidas. O fato é que o ex-presidente Trump, é um criminoso indiciado. Seja qual for o seu relacionamento com Putin, acho que ele não é confiável e acho que quando tudo estiver finalmente concluído, vão descobrir que Putin utilizou simplesmente os oligarcas e outros meios para fornecer apoio financeiro à família Trump e ao próprio Trump.

Mas estou a perguntar sobre a estratégia de Biden.

A estratégia de Biden é muito clara e transparente. Ele juntou os países da NATO, houve uma reunião muito bem-sucedida com o G7, capturaram fundos soberanos russos e destinaram esses fundos para assistência financeira adicional à Ucrânia. Votámos a favor de um pacote de 61 mil milhões de dólares adicionais para assistência militar e económica. Aprovámos a utilização de misseis de ataque de longo alcance contra a Rússia. Penso que o Presidente Biden proporcionou uma liderança forte, em contraste com o que o antigo Presidente Trump apresenta, ao indicar que de alguma forma vai forçar a Ucrânia a concessões. E esta é uma das razões para que no apoio que dado na semana passada, vejamos compromissos de longo prazo de 10 anos.

Diria que este é o ano decisivo, de ‘vai ou racha’ nesta guerra?

Não sei. Acho que isso é difícil de determinar neste momento. Houve certamente uma forte determinação do povo ucraniano, estive lá três vezes nos últimos 18 meses, e é incrível como superaram as dificuldades. E surpreenderam não só, penso eu, muitos países europeus, mas certamente também Putin sobrestimou a capacidade dos seus militares, pensando que estariam em Kiev em duas semanas. O que aprendemos nos últimos dois anos é que os militares russos são tão corruptos como a própria Rússia.

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