Eleições em Moçambique. "Não é possível instalar uma assembleia de voto num lugar de onde todos fugiram"

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Sacerdote em Cabo Delgado

04 ago, 2024 - 09:00 • Henrique Cunha

O padre Kwiriwi Fonseca pede muita atenção aos observadores internacionais das eleições legislativas de Moçambique, marcadas para 9 de outubro. Em entrevista à Renascença, o sacerdote insiste também nos apelos ao fim dos ataques terroristas na região.

Em entrevista à Renascença, depois de ter lançado mais um apelo ao fim dos ataques terroristas em Cabo Delgado, Moçambique, o padre Kwiriwi Fonseca diz quem "não é possível instalar uma assembleia de voto num lugar de onde todos fugiram".

O sacerdote entende que, no norte de Moçambique, onde a insegurança marca o dia a dia das pessoas, não há condições mínimas para a realização das eleições legislativas de nove de outubro.

O padre Kwiriwi Fonseca alerta os observadores internacionais porque é preciso "evitar o enchimento de urnas desnecessariamente".

Em declarações à Renascença, o sacerdote que insiste na necessidade de se colocar um ponto final nas ações terroristas em Cabo Delgado. Afirma que não estão criadas as condições para que o processo eleitoral decorra com normalidade.

“Em Cabo Delgado, em alguns lugares não terão como ter direito ao voto. Pode-se forçar com o reforço de tropas, mas o bom senso diz-nos que em alguns lugares não devia haver nenhuma mesa para se evitar o enchimento de urnas. Os observadores devem ter muita atenção. Não é possível instalar uma assembleia de voto num lugar onde todos fugiram. Quem vai votar nesse lugar? Tem que haver muita atenção”, alerta.

O sacerdote que nesta altura se encontra no Brasil, onde prepara a sua tese de doutoramento, diz que Moçambique "ainda não tem um órgão eleitoral independente", e apresenta "uma oposição que está totalmente desorganizada".

E é por isso que o padre Fonseca Kwiriwi não deposita grande esperança nas eleições de outubro. “Se o povo estivesse unido, se os órgãos eleitorais tratassem o ato como um momento de festa, então essas eleições seriam as mais apreciadas, mas falta-nos ainda a compreensão de que para que as eleições tenham uma perspetiva melhor, isso depende da organização dos órgãos eleitorais”, sublinha.

O sacerdote lembra que Moçambique “não tem ainda um órgão eleitoral independente, e existe ainda essa conexão com um único partido. E por outro lado, a oposição também está totalmente desorganizada”. “Esses elementos obrigam-me a dizer que não vejo uma perspetiva, a não ser que haja uma mudança radical nesses dois meses que faltam para as eleições”, reforça.

Kwiriwi Fonseca insiste nas críticas à comunidade internacional pela forma como encara o terrorismo em Cabo Delgado, porque “aqueles que poderiam impor a ordem, talvez através da ameaça de sanções, não o fazem e o Governo de Maputo acaba por atuar de livre vontade, sem nenhuma pressão”.

“Se houvesse a pressão dos Estados Unidos e da União Europeia que são parceiros fortes de Moçambique acredito que o problema já se teria resolvido. Então, das duas uma: ou o governo de Moçambique não tem muita vontade em resolver o problema ou está limitado”, prossegue.

“Sem generalizar”, o sacerdote clarifica o seu posicionamento em relação à ação da comunidade internacional porque “os nossos parceiros como a Fundação AIS, as várias Cáritas Internacionais, as várias Conferências Episcopais e a Igreja têm ajudado muito”. “Se nós não tivéssemos a ajuda desses organismos acredito que o povo teria morrido de fome e a crise humanitária ter-se-ia acentuado”, sublinha.

O padre Fonseca afirma que "enquanto o mundo continua a observar vários outros males parece que os problemas de Cabo Delgado acabam por ser uma gota de sangue no mar", e reforça por isso o apelo ao fim do conflito. “É a hora de nos unirmos e de dizer basta, basta. Temos que nos unirmos para condenar esta guerra e dizermos basta”, remata.

Os ataques terroristas em Cabo Delgado já provocaram, desde 2017, mais de um milhão de deslocados. De acordo com o governo moçambicano entre 2019 e 2023, o conflito na região provocou cerca de 250 vítimas mortais por ano.

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