Em busca de uma vida justa

2 horas atrás 21

A degradante situação das condições de vida em certos bairros suburbanos e, se possível, ainda pior, a evidência do crescimento desmesurado do número dos sem-abrigo podem criar condições para o eclodir de um conjunto coincidente de novas e mais violentas revoltas.

A situação criada com a morte de um habitante de um bairro popular às mãos da polícia, sem que, aparentemente, alguma entidade oficial – nem mesmo o comando da polícia – tenha dado dela uma explicação rápida e plausível, ocasionou, como todos sabemos, uma série de tumultos violentos.

Em idênticas circunstâncias, em outras partes mundo, ocorreram igualmente explosões sociais, revoltas coletivas ou ações individuais de protesto.

Tais revoltas nascem, crescem e morrem independentemente de, na maioria dos casos, haverem concretizado ou sequer aspirado a mudar a situação que as geraram.

Elas constituem, antes do mais, um grito de raiva contra uma situação de injustiça objetiva, para a qual os que a sofrem não encontram saída.

No caso de durarem para além da indignação inicial que as justificaram e caso encontrem um espaço onde colham a simpatia dos meios sociais onde elas foram geradas, as revoltas e tumultos podem, contudo, criar condições para uma revolução.

Para tanto é, apenas, necessário que uma dessas revoltas encontre quem a lidere e lhe dê um objetivo político definido, declarado e aceite por uma parte significativa dos que demonstraram indignação com os factos que a originaram.

Todavia, precisamente por não ter um objetivo político assumido, a mesma revolta inicial pode, também, vir a ser manipulada por aqueles que nenhumas preocupações tiveram com a situação que a motivou.

Sendo, embora, avessos aos interesses dos revoltados, tais manipuladores não se coíbem de, demagogicamente, os apoiar, usando em seu favor a dinâmica e a força desenvolvidas pelos tumultos da revolta.

Tanto podem servir-se, assim, da indefinição de objetivos própria de tal tipo de movimentos para clamar contra os pecados da Democracia, como para encorajar e apoiar os governantes a tomar uma reação violenta contra os tumultos e os revoltados.

Tais tumultos podem, pois, ser cavalgados e apropriados pelos interesses que, de facto, lhe deram causa.

 Como, em sentido inverso, podem ser usados como arma de arremesso e de exemplo do que não deve acontecer, imputando-se, neste caso, aos governantes e responsáveis políticos do regime a fraqueza que os possibilitou.

O aproveitamento que, entre nós, a extrema-direita tem feito dos recentes tumultos, tem conseguido – reconheça-se a habilidade – explorá-los, politicamente, nos dois sentidos.

Estimulando provocatoriamente a dinâmica dos tumultos, tais forças fomentam e geram, em simultâneo, fenómenos de medo e alarmismo na sociedade.

Um dos seus principais objetivos políticos é o de forçar os governantes do momento a fortalecer o aparelho repressivo do Estado para, mais tarde, o poderem usar a seu favor.

Uma política fundada nos princípios e valores constitucionais, mesmo tendo de intervir na contenção de tais tumultos, não pode, por isso, deixar de, concomitantemente, analisar as suas causas reais e tudo fazer para solucionar os problemas substanciais que lhes estão na origem.

Se não conseguir, se não for capaz de encarar as causas sociais que deram corpo à revolta e aos tumultos, mais cedo ou mais tarde, será derrotada, não pelos que se revoltaram, mas pelos que, de fora, deles se aproveitam para, subversivamente, atacarem o regime democrático.

A degradante situação das condições de vida em certos bairros suburbanos e, se possível, ainda pior, a evidência do crescimento desmesurado do número dos sem-abrigo pode criar condições para o eclodir de um conjunto coincidente de novas e mais violentas revoltas.

Nas atuais circunstâncias, tais revoltas inorgânicas podem, dado o pânico que geram entre muitos outros setores sociais, alterar o equilíbrio político e a forma como – com as inevitáveis diferenças e sensibilidades – as forças democráticas e constitucionais se têm, apesar de tudo, comportado sem romper o quadro de princípios e valores democráticos relativo aos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos.

Se não for apresentado quanto antes um plano de emergência credível e que aceite respeitar a orientação que a Constituição indica para a concretização dos mais importantes direitos sociais, corremos todos o risco de, por uma via ou outra, termos de assistir a uma quebra persistente na paz pública que, em geral, tem reinado no nosso país.

Corremos, ainda, o risco de também ver reduzido o quadro de liberdades em que, desde o 25 de Abril, nos movimentamos em Portugal e que tem caracterizado, e ainda bem, a maneira como o nosso país é visto e vivido por todos nós.

Mais do que as extraordinárias e ininteligíveis questões com que, por vezes, somos brindados na discussão do orçamento, parece, pois, urgente encontrar e prever nele os meios para, sem hesitações e mais adiamentos, se avançar na melhoria efetiva da qualidade de vida dos que – imigrantes ou nacionais – têm estado afastados das prioridades da democracia constitucional.

Como todos os outros, os imigrantes e os portugueses marginalizados pelo desinvestimento em políticas sociais continuadas e coerentes têm direito a ter uma vida justa.

O aumento da pobreza e mesmo da miséria em Portugal devia obrigar as forças políticas que se identificam com a Constituição a celebrar, mesmo que apenas tacitamente, um compromisso sobre as medidas mais urgentes para inverter, em tempo contado, essa grave situação. 

Se isso não acontecer de forma rápida e visível, não devemos queixar-nos, depois, de que as forças antidemocráticas continuem a progredir e a envenenar quotidianamente o quadro em que se tem movimentado a discussão e o diálogo político entre os partidos que contribuíram para fundar e aprofundar a nossa Democracia.

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