As mulheres representam mais da metade da população estrangeira residente em Portugal, totalizando 51% – um número, ainda assim, ligeiramente inferior à percentagem de mulheres na população portuguesa, que é de 52,5%. Já em 2019, o relatório anual do Observatório das Migrações revelava uma tendência crescente de imigração feminina em Portugal, cada vez mais motivada…
As mulheres representam mais da metade da população estrangeira residente em Portugal, totalizando 51% – um número, ainda assim, ligeiramente inferior à percentagem de mulheres na população portuguesa, que é de 52,5%. Já em 2019, o relatório anual do Observatório das Migrações revelava uma tendência crescente de imigração feminina em Portugal, cada vez mais motivada por escolha própria e não apenas pelo reagrupamento familiar. Em 2017, havia mais dez mil mulheres imigrantes do que homens no país, e em 2018, essa diferença diminuiu para cinco mil mulheres a mais do que homens imigrantes. Desde 2012, o número de mulheres estrangeiras que vivem em Portugal tem aumentado constantemente. Em 2018, os municípios com a maior presença de mulheres estrangeiras incluíam Lamego, Borba, Valpaços, Felgueiras, Amarante e Fafe, onde as mulheres estrangeiras representavam cerca de 60% do total de residentes estrangeiros. A imigração feminina não está exclusivamente ligada ao reagrupamento familiar como no passado; cada vez mais mulheres imigram por decisão própria e autonomia. Além disso, o relatório destaca que as mulheres estrangeiras residentes têm contribuído para o aumento dos nascimentos em Portugal. Em 2018, elas foram responsáveis por 11% do total de nascimentos de mães residentes no país, embora representem apenas cinco em cada 100 residentes em Portugal.
A segunda edição do i, publicada a 8 de maio de 2009, apresentava as histórias de três imigrantes. Duas delas eram Aissatu Mané e Joana Freitas. A primeira, uma imigrante da Guiné, enfrentou desafios de emprego antes de abrir a sua própria loja de produtos de beleza com apenas mil euros. Já a segunda, uma imigrante brasileira, também abriu um salão de cabeleireiro após trabalhar numa oficina. Ambas representavam mulheres imigrantes empreendedoras em Portugal, um grupo que estava a ser estudado pela primeira vez em julho daquele ano. O estudo foi realizado pela Organização Internacional para a Migração para entender quantas eram, em que áreas estavam a investir e que dificuldades enfrentavam.
A Mastercard lançou o Índice Mastercard de Mulheres Empreendedoras (MIWE), que avalia a igualdade de género no mundo empresarial e do trabalho, revelando que, embora as mulheres representem metade da população mundial e 39% do emprego global, apenas um quinto das empresas exportadoras são lideradas por mulheres e 80% das empresas femininas têm dificuldades em obter crédito. Países como os EUA, Nova Zelândia e Canadá oferecem mais oportunidades às mulheres empreendedoras devido a uma maior capacidade de prosperar nos negócios e um acesso mais fácil a recursos. A Alemanha teve um crescimento notável, enquanto Israel destacou-se pelas suas políticas de apoio às mulheres em pequenas e médias empresas (PMEs). Portugal também foi analisado, subindo uma posição no ranking global de mulheres empresárias, ficando em 6º lugar, à frente de países como Espanha, Itália e Irlanda. Apesar dos bons resultados em áreas como governança e participação feminina em trabalhos especializados, o país ainda pode melhorar no acesso a produtos financeiros e competitividade, ficando em 22º lugar globalmente.
No entanto, tal não impede que as mulheres continuem a prosperar. Neste caso específico, as imigrantes. Já aquando da publicação do artigo, em 2009, havia indícios de que a crise não estava a desencorajar as mulheres imigrantes de iniciar ou expandir negócios. Muitas viam o empreendedorismo como uma maneira de conciliar trabalho e vida familiar. Algumas, como Aissatu, enfrentavam o desafio de equilibrar os negócios com a criação dos filhos. Por outro lado, Joana teve problemas com burocracia devido à sua falta de autorização de residência, mas, então, já administrava melhor o seu salão e empregava brasileiros.
Aissatu, hoje com dois filhos – de 25 e 15 anos –, que nasceram em Portugal, pois está cá desde 1996, sente-se bem e realizada com a vida que tem e o percurso que tem trilhado. “Não me sinto feliz nem triste. Tenho enfrentado dificuldades, claro, mas acho que tenho conseguido alcançar muitas coisas. O meu objetivo é expandir o meu negócio. Neste momento, estamos em Odivelas e oferecemos imensos serviços como unhas de gel, depilação, venda de produtos como malas e bijuteria… A loja parece quase um centro comercial por ser tão grande!”, diz, brincando, explicando que almeja abrir uma segunda loja. ”Primeiro pensei em Cascais, mas não foi possível. Agora estou focada em Miraflores”, explica a mulher – que trabalhou em áreas distintas como nas telecomunicações e em supermercados – que é uma das 9.469 guineenses do género feminino que habitam em território lusitano, segundo dados apurados pelo Governo português em 2021.
“Perguntam-me muitas vezes se me senti discriminada por ser imigrante e mulher, mas posso dizer que nunca senti nada disso. Tanto os meus clientes como os meus fornecedores sempre me trataram bem e gosto muito de viver aqui. Se for para sair de Portugal, será para voltar à Guiné. Não volto a emigrar, mas serei sempre emigrante”, sublinha Aissatu, proprietária da loja Afro Cosmética Estética, situada em Odivelas, que espera que continue a receber cada vez mais clientes. “As perspetivas, pelo menos, são muito positivas”, declara. Um estudo anual realizado em parceria entre The Business of Fashion (BoF) e McKinsey & Company projeta um crescimento significativo para a indústria da beleza nos próximos anos. Prevê-se que as vendas globais a retalho no setor cresçam a uma taxa anual de 6% entre 2022 e 2027, atingindo um valor de 580 mil milhões de dólares (aproximadamente 534 mil milhões de euros) até 2027. O estudo, intitulado The State of Beauty, indica que a indústria está a entrar numa nova fase de crescimento e expansão à escala global.
Com quase 65 mil seguidores no Instagram, Joana é uma referência nacional quando se trata de cuidar de cabelos encaracolados. No seu próprio salão, localizado em Entrecampos, recebe clientes de todas as idades e também oferece serviços ao domicílio. Os vídeos que divulga, mostrando transformações capilares, especialmente com crianças, são extremamente populares, gerando milhares de partilhas nas redes sociais. Mostra pessoas das mais variadas idades a tratarem dos seus cabelos encaracolados. Por exemplo, num dos últimos vídeos que veiculou, partilhava a história de Dani, uma cliente sua que decidiu cortar o cabelo porque teve um alisamento térmico. Obtém sempre entre centenas e milhares de ‘gostos’ e comentários.
O i não falou com Inês Alves em 2009, mas esta imigrante brasileira está em Portugal desde 2005 – com a filha, Milene, e o marido, Alisson – e, à semelhança de Aissatu e Joana, trabalha na área da estética. Área em que se formou no país de origem e na qual exerce desde que veio para território nacional, apesar de ter vivido uma depressão nos primeiros tempos. “A adaptação não foi nada fácil”, confidencia. “O meu marido veio para cá no ano anterior e começou a trabalhar como vidraceiro. Depois, viemos eu e a minha filha, que tem hoje 24 anos, e vivemos durante algum tempo em Albarraque. Entretanto, fomos para Mem Martins e lá continuamos”, conta, recuando até ao passado.
“Antigamente, era muito mais difícil ficarmos legalizados. Havia muita burocracia. Mas também se garantia que as pessoas queriam realmente estar no país e trabalhar. Agora, o processo está facilitado e há cada vez mais imigrantes que não se querem esforçar ou lutar. Penso que devia haver uma política de imigração com mais controlo para evitar situações como estas e generalização das atitudes dos imigrantes”, frisa.
A Organização Internacional para as Migrações (OIM) emitiu um alerta, na terça-feira passada, destacando a persistência de estereótipos sexuais sobre mulheres imigrantes brasileiras em Portugal. O relatório, parte do Relatório sobre Migrações Mundiais 2024 das Nações Unidas, ressaltou que esses estereótipos também afetam mulheres migrantes de outros países, como as venezuelanas no Peru, associando-as à prostituição e aumentando o risco de assédio sexual e violência de género.
Além disso, o documento abordou o impacto da pandemia da Covid-19 no processo migratório, mencionando medidas excecionais adotadas por alguns países para lidar com as necessidades de migrantes em situação irregular. Portugal foi destacado pela sua rápida atuação no início de 2020, temporariamente regularizando o estatuto de todos os migrantes.
Mas Inês nunca se sentiu discriminada. “Felizmente, nunca me trataram mal. Posso até dizer que muitos portugueses me tratam melhor do que os brasileiros, que são da minha terra! O meu marido, assim que chegou aqui, ficou horas no aeroporto à espera de um conhecido que devia ter ido buscá-lo. Até hoje, não sabemos nada dele. No entanto, o Alisson foi acolhido por uma senhora muito simpática que se tornou senhoria dele enquanto esteve sozinho aqui. Se voltasse atrás, voltaria a fazer o mesmo, a emigrar, e sei que ele e a nossa filha também”, continua. “Aliás, a Milene já nem quer ir de férias ao Brasil por estar tão habituada a Portugal! Somos muito felizes aqui e temos uma qualidade de vida que jamais teríamos no nosso país de origem”.