Energia: Europa com o futuro a todo o gás

10 meses atrás 88

A manutenção do preço do gás natural a níveis baixos é um indicador necessário – mas não suficiente – para o Banco Central Europeu ponderar o recuo das taxas de juro. Os indicadores atuais permitem algum otimismo.

As últimas duas semanas geraram preocupação entre alguns especialistas sobre a possibilidade de que a onda de frio que atingiu a Europa, especialmente o norte, gerasse um aumento na procura de gás natural e induzisse uma descida ‘perigosa’ dos stocks e um aumento desproporcionado dos preços, nomeadamente no futuros sobre a commodity.

Mas o tempo frio passou, pelo menos a olhar para as previsões a prazo, e as perspetivas meteorológicas apontam para temperaturas mais amenas nos próximos meses. Atentos a todas as rabanadas de vento e a todos os aguaceiros, os mercados assumiram que este inverno provavelmente será tranquilo, como foi aliás o anterior.

Com as temperaturas alinhadas com as preocupações da Reserva Federal e do Banco Central Europeu, a perspetiva é agora de que o preço do gás natural não seja – ao contrário do que aconteceu há dois anos – um forte indutor do aumento exponencial da inflação e do consequente crescimento descontrolado dos preços ao consumidor.

O facto de a COP28 ter acabado por aceitado olhar para o gás natural como uma espécie de mal-menor face ao petróleo induz, por outro lado, que a ‘vida útil’ daquela energia – que não deixa de ser ‘suja’ – foi prolongada para lá do que chegou a ser esperado. O resultado é que os países produtores ganharam uma almofada de oxigénio (ou de gás) e não precisam de trabalhar para induzir um pico de preços antes de passar a ser ‘proibido’ vender os seus ativos.

Esta semana, o preço do gás caiu para os níveis mais baixos desde setembro. O preço na Europa perdeu 35 dólares, atingindo 34,7 euros por MW/h esta semana, o que representa uma queda no ano de mais de 54%, tornando aquela matéria-prima a mais barata numa lista de 34 recolhida pela Bloomberg. Nos próximos meses, os mercados estão a antecipar que o gás não vai dar grandes sustos às famílias: os futuros para o mês de janeiro estão a negociar mais baratos que os de junho, que se mantêm em redor dos 34,75 euros.

Para os analistas, isso mostra que os investidores consideram que as tensões são mais propensas a atingir os preços do gás no verão. Embora o problema do gás continue a existir –100% do stock na Europa não abasteceriam o continente por muito mais de um mês e o fornecimento de gás continua a ser problemático devido à falta de investimento em novas produções nos últimos anos – as coisas estão a melhorar.

“O mercado global de gás sugere novas quedas de preços no longo prazo, à medida que a disponibilidade de oferta melhora”, explica Norbert Rücker, economista-chefe da Julius Baer, citado pelo jornal “El Economista”. “No curto prazo, as perspetivas para as temperaturas são mais amenas e a oferta é muito forte”. Por outro lado, “os níveis de stock devem permanecer acima da média, o que acalmará quaisquer preocupações em torno da escassez de oferta”.

Tudo isto é uma boa notícia para os bancos centrais. A descida dos preços da energia e a sua estabilidade em níveis baixos é um dos fatores que os bancos centrais precisavam para garantir que a inflação está no bom caminho para a meta dos 2%.

É igualmente uma boa notícia para os orçamentos de Estado: o financiamento excecional da energia – que impediu que o crescimento dos preços ‘engolisse’ uma parte do tecido empresarial – deixa paulatinamente de ser necessário, o que alivia não só o lado dos gastos dos poderes centrais, como estanca potenciais atritos entre a Comissão Europeia e os Estados-membros. Recorde-se que a Comissão aconselhou vivamente o governo de António Costa a acabar com esses financiamentos no quadro do Orçamento do Estado para 2024.

Finalmente é também uma boa notícia para as empresas, que chegaram a ver o preço do gás natural disparar mais de 400% – algo que não fazia parte dos piores pesadelos dos empresários até 24 de fevereiro de 2022. E que agora podem antecipar o começo da recuperação do consumo, principalmente se os bancos centrais não demorarem eternidades a começarem a diminuir as taxas diretoras. Para já, acabaram com os aumentos, o que é um primeiro passo no sentido da normalização.

Mas o facto de o gás continuar barato nos próximos meses não é apenas fundamental para o bom desempenho da economia europeia. Na frente geopolítica, o preço do gás também desempenha um papel fundamental para os 27. O apoio à Ucrânia na guerra contra a Rússia foi manchado nos últimos dois anos pela dependência da Europa das importações de gás russo, algo que colide frontalmente com a estratégia de proteger a Ucrânia contra o seu belicoso vizinho do leste. A Rússia depende fortemente da receita das exportações de energia para financiar a guerra, e os baixos preços do petróleo e do gás prejudicam as pretensões de Vladimir Putin. Mas convém não festejar em antecipação: a Rússia é um elemento poderoso da OPEP+ e o grupo de produtores de petróleo tem razões que a razão desconhece.

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