ENTREVISTA | Amor ao símbolo? Gilberto Silva é sinónimo de lealdade no futebol moderno

2 meses atrás 68

Lealdade… uma palavra tão nobre quanto ações de quem a valoriza e põe em prática. Tão magnânimo, que esta reportagem podia, perfeitamente, ter a I’ll Be There dos Jackson 5 como trilha sonora. 'I'll be there to comfort you. Build my world of dreams around you'

O futebol, esta modalidade igualmente portentosa e assombrosa, apresenta um historial muito próprio no que toca a estas demonstrações de amor ao símbolo. Francesco Totti, Gary Neville, Paolo Maldini, Paul Scholes, Xavi Hernández e Javier Zanetti são, já conhecidos, exemplos de que é possível entregar o nosso coração a uma camisola.

Em Portugal, também existem casos destes. Gilberto Silva, ícone do SC Covilhã, também tem somado momentos especiais. Nascido em Guimarães, a 294.5 km das beiras, o médio deixou uma enorme marca nos serranos. 12 épocas e 440 jogos com a camisola dos leões da serra ao peito, lançam o nosso entrevistado para o hall of fame do clube. Além de ser o atleta com mais jogos pelo SC Covilhã, é, também, o que tem mais partidas na Segunda Liga.

Parte I - E tudo o nevoeiro levou...

Zerozero (ZZ): 2012/2013. A época em que esta bela história tem o seu primeiro capítulo. Como se dá a chegada ao SC Covilhã?

Gilberto Silva (GS): Eu estava no Oliveira de Frades e até já tinha apalavrado uma mudança para o Macedo de Cavaleiros. Esta era uma oportunidade que não podia deixar fugir, um regresso à II Liga. Os dirigentes do Macedo de Cavaleiros entenderam perfeitamente e não criaram problemas.

ZZ: Neste futebol moderno, o que motiva um jogador a ficar 12 anos no mesmo clube?

GS: O José Mendes, falecido presidente, e aproveito, como faço sempre, para deixar o agradecimento, fez-me sempre sentir importante, soube cativar-me. Foi um homem que cumpriu, sempre, escrupulosamente, o que prometia. Ajudou, até, a minha mulher a integrar-se na cidade, ao arranjar-lhe um emprego, por exemplo.» 

Gilberto a celebrar golo frente ao CD Tondela @Catarina Morais / Kapta +

ZZ: Existiu alguma proposta aliciante para abandonar o clube?

GS: Houve uma, por exemplo, de Israel. Estava lá o Bruno Pinheiro, formado comigo no Boavista e meu grande amigo. O problema é que tinha de ir dois ou três dias à experiência. Cheguei a receber a proposta formal, mas na altura acabei por decidir ficar. Fui ficando.

ZZ: A forma como foi acolhido fez toda a diferença?

GS: As pessoas e a cidade em geral fizeram-me sentir um autêntico filho da terra. As minhas filhas nasceram lá e deixei laços muito fortes. Será, para sempre, a minha segunda casa.

ZZ: Uma terra com condições meteorológicas como a Serra da Estrela deve guardar histórias interessantes. O que nos pode contar?

GS: Para além dos vários treinos cancelados, tivemos, por exemplo, um jogo frente ao Santa Clara que foi cancelado devido a um grande nevão. Houve outra partida, desta vez frente ao Varzim, que foi engraçada. Estava um nevoeiro impressionante, não se via a um palmo. O Ricardo Nunes (atual presidente do Varzim e ex-guarda-redes) só dizia que não queria jogar, estava impossível. Nós (o SC Covilhã) queríamos muito que o jogo acontecesse. A partida começou, mas estava constantemente parada. Chegou a estar 20 minutos em pausa. Passado um bocado, o nevoeiro cedeu ligeiramente, reatamos o encontro e marcámos um golo. Ganhámos (1-0) e o Ricardo no fim só dizia: «Eu disse, eu disse! Este jogo nunca devia ter acontecido!»

ZZ: E os seus colegas de equipa? Não tinham problemas de adaptação?

GS: Acabavam por se adaptar. Usavam gorros, colãs e luvas. O Soares, nosso defesa, entrou em hipotermia durante um jogo. Ele tremia por todo o lado, estava mesmo muito frio. Acabou o jogo e foi a correr para o chuveiro. Ficou debaixo de água quente durante meia-hora, sem sequer tirar a roupa. Muitas das vezes o problema nem era neve, era a chuva miudinha, com um frio terrível.

ZZ: Na época anterior acabou por disputar a Liga 3 ao serviço do SC Covilhã. Sentiu muito diferença para II Liga?

GS: O segundo escalão está uns passos à frente, ainda. É muito competitiva e não é por fases, como a Liga 3. Profissionalmente, sem dúvida que a Liga 3 está bastante melhor e tem mais investimento. Mas durante o jogo notei que tinha muito mais tempo para pensar do que na II Liga. Os treinadores têm cada vez mais formação e são melhores, o que ajuda a que os processos de jogo até sejam similares. A nível de infraestruturas e estádios a Liga 3 ainda não consegue igualar. 

Gilberto num duelo frente a Fábio Espinho @Rogério Ferreira / Kapta+

ZZ: Após esta temporada, acaba por abandonar o 'seu' Covilhã. Por onde passou a decisão?

GS: Não se reuniram as condições para eu ficar no clube. Com o falecimento do presidente José Mendes, as ideias de quem dirige mudaram. O diretor-desportivo fez me uma proposta, mas não aceitei. Até hoje o presidente eleito não me disse uma palavra. Foi tudo um conjunto de fatores, até porque também vim jogar para a minha terra. Vim para onde me sinto indispensável. São opções de vida. O futebol é assim mesmo.

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