ENTREVISTA | Bronze sueco, estilo Top Gun: «Pedimos a um piloto para ir dar uma volta»

2 meses atrás 50

O Mundial de 1994 marcou uma geração e está a celebrar os 30 anos. O torneio norte-americano teve jogos inesquecíveis, maravilhosos underdogs e colecionou novos heróis para as cadernetas de cromos e as conversas de café. O zerozero junta-se às festividades e vai publicar até quarta-feira, dia 17 de julho e da final Brasil-Itália, cinco entrevistas a participantes do torneio. O terceiro convidado é Lars Eriksson, guarda-redes de uma Suécia que chegou ao pódio.

Para qualquer uma das nações que nunca levantou um troféu de campeão do mundo, o terceiro lugar já é uma conquista digna de celebrações. Não é o ouro de triunfo absoluto, mas também o bronze reluz com dignidade e conquista.

No caso da Suécia nem foi a melhor prestação de sempre. Essa foi em 1958, quando, em casa, chegaram até à grande final. Nos Estados Unidos ficaram-se pelas meias-finais, mas o carrasco foi o mesmo: um Brasil campeão.

É por isso pouco surpreendente que a prestação de há 30 anos seja a mais memorável. A seleção sueca não estava nem perto de figurar entre os favoritos à conquista do troféu, mas destacou-se com futebol ofensivo e alegria em campo e por esse motivo é recordada até aos dias de hoje como uma das equipas de culto na história dos Mundiais.

Tapado por um Ravelli que ganhou fama ao longo da competição, Lars Eriksson não chegou a jogar. Ainda assim, à conversa com o nosso jornal, o antigo guarda-redes do FC Porto mantém viva a imagem de um mês que roçou a perfeição...

Plantel medalhado, depois da vitória por 4-0 sobre a Bulgária @Getty /


zerozero - É difícil pensar no Mundial de 1994 e não pensar imediatamente na Suécia. Que belíssima prestação! Como foi fazer parte dessa equipa?

Lars Eriksson - Estou muito orgulhoso dessa que foi uma das melhores participações de sempre da seleção da Suécia num torneio. As expectativas não eram altas em torno da equipa, porque não era muito comum passarmos as rondas iniciais. Não éramos dos favoritos, mas crescemos ao longo da prova. Tínhamos vários jogadores que estavam na idade certa e muitos deles fizeram algumas das melhores exibições da sua carreira. 

zz - 30 anos depois dessa experiência, como é que a recorda? Sente-se nostálgico?

LE - Claro que sim! Até porque éramos um grupo unido e hoje ainda somos amigos. Por vezes juntamo-nos, grande parte desses jogadores, e falamos de como foram as coisas há 30 anos, de todas essas memórias. Também eu penso nisso.

zz - Disse que as expectativas em torno da equipa não eram altas. Isso estava relacionado com o Mundial anterior? Três derrotas em três jogos no Itália 1990...

LE - Fazia parte, as pessoas lembravam-se do passado e dessas derrotas. Lembro-me que diziam que podia ser como em Itália e até o disseram depois do primeiro jogo [2-2 frente aos Camarões], mas não o perdemos e a confiança foi crescendo. Ao fim de algum tempo, tornou-se óbvio que a equipa era muito boa. 

zz - Olhando para trás, parece óbvio que, pelo menos, havia alguma qualidade! Tomas Brolin, Kennet Andersson, Martin Dahlin e até um jovem Henrik Larsson! Alguma vez voltaremos a ver uma Suécia tão boa?

LE - Hoje em dia é difícil porque o futebol é mais competitivo. Vemos a brilhar seleções que nessa altura não existiam ou nem se aproximavam de um Mundial! Mas além disso tínhamos uma equipa carregada de jogadores de topo em boas ligas europeias. Para sermos tão bons temos de voltar a esse nível, mas é mais difícil porque agora há mais adversários de qualidade.

zz - O Lars não chegou a jogar nesse Mundial. Aliás, não jogou em nenhum dos três torneios a que foi, muito por culpa daquele que se calhar foi o melhor guarda-redes sueco de sempre, Thomas Ravelli...

Lars Eriksson
6 títulos oficiais

LE - Tive-o como concorrência em todos os anos em que estive na seleção, mas trabalhávamos sempre bem juntos. Claro que competíamos na Liga e jogávamos um contra o outro, mas quando estávamos unidos debaixo da bandeira nacional nunca éramos demasiado competitivos. Isso foi parte do nosso sucesso em 1994, tivemos vários jogadores que não jogavam mas que mesmo assim tinham a motivação para trabalhar bem no treino e serem uma influência positiva.

zz - O Ravelli acaba por ser uma das figuras mais memoráveis do Mundial. Não só pelas exibições, mas também pelos seus maneirismos, aquela excentricidade. Ele era sempre assim?

LE - Ele era um homem de espetáculo, sempre à procura da atenção e a verdade é que nessa altura era mais fácil ter essa personalidade. Até hoje ele é assim, gosta de estar na televisão. Faz parte do ADN dele.

Tínhamos muito respeito um pelo outro. Por vezes, como acontece com jogadores que passam muito tempo juntos, nem tudo foi bom. Mas, no geral, ele tinha um grande caráter.

«Levámos a nossa capacidade ao expoente máximo»

zz - Disse que mesmo quem não jogava tentava ser uma influência positiva. Como fazia isso? Como era a vida nesse estágio?

LE - Eu fazia parte de um grupo de quatro que passou esse Mundial em grande união. Era eu, o Tomas Brolin, o Anders Limpar e o Klas Ingesson, que infelizmente faleceu há 10 anos. Quando tínhamos tempo livre, ou uma folga, acabávamos sempre por sair os quatro do hotel e ir fazer algo. Beber um café, dar uma volta ou divertirmo-nos de alguma forma. Todos nós ganhávamos energia com esse tipo de relação fora do futebol. Era importante para nós.

zz - Ir passear com o Brolin, talvez o grande herói dessa Suécia, em pleno Mundial. Que sonho! De certeza que tem histórias para contar...

LE - Lembro-me de muitas, mas não posso contá-las! Guardo para mim! Posso dar uma, vá. Antes do torneio começar, estávamos em San Diego e decidimos ir à base dos fuzileiros. Estás a ver o Top Gun? Nós pedimos a um dos pilotos se nos podia levar a dar uma volta para vermos a zona. E fomos! Não de avião, mas levaram-nos num helicóptero pela cidade, a ver as pontes junto ao mar. Foi uma grande tarde de folga.

zz - E era normal sair do hotel e partir para a aventura dessa forma?

A celebração de um golo frente à Arábia Saudita @Getty /

LE - Há 30 anos era tudo diferente. Hoje em dia seguem cada passo que dás, mas na altura conseguíamos fazer coisas sem estar rodeados de imprensa e adeptos. Não havia redes sociais e os poucos jornalistas muitas vezes também se iam embora para escrever os seus artigos. Era um mundo diferente e por isso podíamos andar por aí sem sermos reconhecidos.

zz - Só foram eliminados nas meias-finais, com uma derrota por 0-1 frente ao Brasil, com quem já tinham empatado (1-1) na fase de grupos. Sente que podiam ter chegado ainda mais longe?

LE - Talvez... Mas o Brasil ganhou esse Mundial, tinha a melhor equipa. Se calhar podíamos ter conseguido um empate nessa meia-final e chegar aos penáltis, onde nunca sabes se ganhas ou perdes, mas a verdade é que levámos a nossa capacidade ao expoente máximo. Ainda conseguimos um 4-0 frente à Bulgária no jogo do terceiro lugar e isso foi muito importante, porque saímos de lá com uma boa vitória.

zz - Quando pensa nesse mês passado nos Estados Unidos, qual é a memória mais especial?

LE - É os penáltis contra a Roménia, sem dúvida. Esse jogo teve de tudo. Estávamos fora e só faltavam alguns minutos quando o Kennet Andersson marcou de cabeça. Depois dos penáltis, nenhum de nós acreditava que estávamos nas meias-finais e que íamos ficar nos Estados Unidos mais uma semana.

Suécia, Portugal e uma «boa vida»

zz - Terminou agora o Euro e não pudemos contar com a presença da Suécia. O que falhou, na sua opinião?

LE - O futebol sueco tem muito para trabalhar, honestamente. A nova geração precisa de tempo de jogo e temos de entender quem somos. Não podemos jogar como a Espanha ou como Portugal, apostar na velocidade e na técnica. Temos de trabalhar noutras coisas, aquelas em que fomos bons no passado. 

zz - A equipa pode não ser tão boa como há 30 anos, mas em Portugal dirão que pelo menos têm o Viktor Gyökeres. Teve um grande impacto no nosso futebol.

Fez 13 jogos pelo FC Porto @FC Porto

LE - É daqueles jogadores que não floresceu cedo, chegou tarde à seleção. Se me perguntares, diria que podia lá estar bem antes. Mas agora é um grande jogador em Portugal, está cheio de confiança, e a meu ver é o tipo de jogador que a seleção precisa para os próximos cinco ou seis anos. É o tipo de jogador que pode ser uma chave para nós.

zz - Esteve cá entre 1996 e 1998. Ainda acompanha o futebol português e o FC Porto?

LE - Sigo, sim. Foi quanto tempo que o Pinto da Costa esteve…? 42 anos? Uau! Vi que o Sérgio Conceição também foi embora... Acompanho principalmente quando jogam na Liga dos Campeões, porque me orgulho muito de ter feito parte desse clube. Eram muito profissionais e fazem grandes coisas há muito tempo. Será sempre uma grande equipa a nível europeu.

zz - Ainda apanhou no FC Porto o Vítor Baía, talvez o grande guarda-redes do futebol português. Mais um chato que o deixou no banco muitas vezes...

LE - (risos) O Baía era fantástico. Mesmo mais novo era melhor até que o Ravelli. Jogou em grandes ligas e em grandes clubes!

zz - Como é a vida do Lars atualmente? O futebol ainda é a grande paixão?

LE - O futebol ainda faz parte da minha vida, mas agora, não tarda com 60 anos, trabalho em produção televisiva. Sempre tive interesse nisso e estou envolvido há algum tempo. Produzimos todo o futebol sueco, até de seleção. Farei isso durante mais um par de anos e depois reformo-me e faço outra coisa. Ver futebol, jogar golfe, viajar e estar com a família... Ter uma boa vida.

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