ENTREVISTA | O homem que subiu cinco vezes seguidas: «Não podíamos ficar por ali»

1 mes atrás 46

Dizem que no futebol não há alegria maior do que subir de divisão. Se for esse o caso, então André Serra será uma das pessoas mais felizes em Portugal!

Não necessariamente pelo seu passado recente, já que a sua última temporada terminou precisamente no sentimento oposto - a descida de divisão -, mas antes disso viveu uma caminhada histórica de cinco promoções consecutivas entre 2018 e 2023. Desde o terceiro escalão distrital lisboeta até À II Liga, o defesa central foi a única constante no plantel do Belenenses.

Agora que chegou ao fim, uma vez que o jogador de 25 anos trocou Belém por Coimbra, o zerozero aproveitou para recordar a fantástica epopeia passada por seis escalões em seis anos, à boleia do próprio.

Em seis temporadas ao serviço dos azuis do Restelo, André Serra disputou seis escalões distintos @Instagram - André Serra


zerozero (zz) - Construiu uma bela história ao longo de seis anos no Belenenses... Que tal recordar essa cronologia, começando pela sua chegada ao clube? Tinha 19 anos e assinou por um clube que, por separação da SAD, trocou o primeiro escalão pelas distritais. Como surgiu a oportunidade?

André Serra (AS) - Eu na altura tinha estado a jogar no Vit. Sernache e acabei por não ficar lá. Entretanto soube que o Belenenses estava a fazer treinos com jovens, entrámos em contacto, e foi assim que começou a caminhada. Era um género de captações, mas só com jogadores específicos que eles queriam ver. Eu fiz um treino e eles disseram logo que queriam contar comigo.

zz - 30 jogos, quatro golos. Pelo menos em termos de números, essa sua primeira temporada foi aquela em que foi mais influente. Sente que foi a melhor?

AS - Não diria que foi a melhor, porque todas as temporadas tiveram algo de muito bom. Foram sempre diferentes, por isso não houve uma que eu pudesse dizer que foi melhor que as outras. No fundo foi o início de tudo e por isso foi importante para mim e para o clube também.

zz - Cinco subidas de divisão consecutivas é algo absolutamente surreal! Era um objetivo declarado do clube ou foi surgindo uma temporada de cada vez?

Mais de uma centena de jogos pelo clube @Instagram - André Serra

AS - Toda a gente conhece o Belenenses, sabe onde ele deve estar e que nunca deveria ter saído daí. Sabíamos sempre que não podíamos ficar por ali, porque podemos subir mais e isso era bom para o clube e para nós. Ninguém nos metia na cabeça que a subida tinha de acontecer, mas a dimensão do clube exigia naturalmente o máximo de profissionalismo.

zz - Certamente que, ao longo dessa caminhada, houve alguns jogos marcantes para si...

AS - Lembro-me de vários. Por exemplo o Estrela, tanto como em casa. Os adeptos sempre foram fantásticos, mas ver aquele ambiente num jogo da distrital foi algo realmente muito bom. Acho que aí olhámos uns para os outros enquanto plantel e pensámos "isto só vai dar certo para nós". O jogo com o Atlético, em que na altura fui eu a marcar o golo, foi importante e também foi um dérbi em que conseguimos carimbar a vitória.

zz - Foste só tu quem acompanhou a equipa nesses seis anos e seis escalões. Tem alguma explicação para isso?

AS - Não tenho uma explicação lógica, só sei que trabalhei sempre ao máximo e consegui sempre conquistar o meu lugar e o meu espaço. Consegui adaptar-me aos campeonatos, que eram sempre diferentes, e também à competitividade que havia dentro do plantel. Isso foi um fator importante para que eu fosse escolha nos anos todos. Tentei sempre encarar as coisas de forma profissional, com o apoio dos adeptos.

zz - Entre todas essas promoções, qual foi a mais surpreendente para si e para a equipa?

André Serra
Belenenses
Total

107 Jogos  9268 Minutos

ver mais >

AS - Acho que a da Liga 3 foi a mais impactante. Chegamos a janeiro ou fevereiro em sexto e foi do género "pessoal, ou agarramos isto ou vai ser muito complicado..." Depois chegámos à última jornada já apurados, o que foi impensável, e levámos esse comportamento para a fase de subida e conseguimos vencer os primeiros três jogos. Incrível ver os meses a passar e as pessoas a acreditar em algo que inicialmente toda a gente dizia que era impossível. Foi histórico para nós.

zz - E foi aí que sentiu o maior salto na subida do nível competitivo?

AS - A subida do CNS para a Liga 3 já foi um impacto diferente. Conseguimos adaptar-nos bem, mas foi menos fácil do que estávamos acostumados. Depois, para a II Liga, o nível voltou a subir e esse foi aquele em que até tivemos maior dificuldade em adaptar-nos.

zz - Aproveitamos que fala nessa última subida para voltar aos jogos marcantes. É o André quem marca o golo (0-1 ao Tondela) que dá ao Belenenses a primeira vitória no regresso ao segundo escalão! Que tal foi esse momento?

AS - Acabei por entrar devido ao infortúnio de um colega (Rui Correia) e depois apareci no lugar certo à hora certa. O facto curioso foi ter marcado às 19h19, que é a data de fundação do clube, e isso gerou também uma grande onda de carinho por parte dos adeptos. Batalhei muito por essa oportunidade e consegui agarrá-la, por isso foi bom para mim, mas também foi bom para o clube porque precisávamos muito de uma vitória.

A festa do golo frente ao Tondela @Catarina Morais / Kapta +


Tendência invertida e outro clube histórico

zz - Não de uma forma assim tão linear, mas os seus minutos foram caindo de época para época. Isso deve-se à subida do nível da competição ou houve outros fatores?

AS - Houve outros fatores, incluindo lesões que não me ajudaram, como é óbvio, mas nunca senti que o problema fosse eu vir lá de baixo e não me adaptar. Pelo contrário, quem esteve comigo sempre me disse que a minha capacidade de adaptação era um fator importante. Simplesmente havia muita competitividade no plantel, tanto que, por exemplo na Liga 3, só comecei a jogar a partir de janeiro. As mudanças de treinadores também tiveram influência.

zz -  Como sabemos, 2023/24 não deu continuidade à história das subidas consecutivas. Muito pelo contrário, na verdade, já que acabaram por descer de volta ao terceiro escalão. O que levou a esse desfecho?

AS - Não sei bem... Acho que pequenos pormenores, que antes não fizeram diferença, começaram a fazer. Foi um azar também, porque houve vários jogos em que estivemos por cima e o golo nunca apareceu. Por vezes levantámo-nos, conseguimos uma vitória, mas voltávamos a cair logo de seguida. Faltou consistência e isso numa liga profissional custa caro.

zz - E agora a sua saída do clube está de alguma forma relacionada com a descida de divisão?

Rumou esta semana a Coimbra @Académica OAF

AS - Não, de todo. Não está relacionado. Foi simplesmente o fim de um ciclo e agora nasce outro. Não teve nada a ver com o clube, que espero que regresse à II Liga em breve.

zz - Assinou pela Académica, também na Liga 3. Parece que tem uma queda para os históricos caídos nas divisões secundárias...

AS - [risos] Isso não posso negar, é verdade... Tenho muito orgulho em poder representar outro clube histórico e participar noutra caminhada. Também é bom para a minha carreira, mas chego aqui para ser mais um a ajudar a cumprir os nossos objetivos.

zz - Que objetivos são esses?

AS - Na verdade será jogo a jogo, lutar sempre pelos três pontos. A equipa está bem, eu cheguei há uma semana e sei que o plantel tem qualidade. Vêm de três empates, mas está na hora de uma vitória. Veremos o que o futuro nos reserva.

zz - Já que estamos a falar de objetivos para o futuro, vamos um pouco mais além e perguntamos pelos seus: o que ainda falta acontecer na carreira do André Serra?

AS - Agora estou só focado na Académica e gostaria muito de subir com esta equipa. Do que ainda quero é certamente chegar à Primeira Liga. Já sei o que é uma II Liga, por isso agora faltam os patamares superiores.

Ler artigo completo