Estão as alterações climáticas a acender o pavio dos vulcões da Islândia?

2 horas atrás 25

O dióxido de enxofre, com um odor característico a ovos podres, saiu das aberturas das paredes íngremes da cratera Viti, na Islândia, enquanto o dióxido de carbono borbulhava à superfície do lago azul de aspecto leitoso no topo da cratera. Véus de vapor envolviam a paisagem rochosa numa sinistra meia-luz.

Neste terreno proibido - "Viti" deriva da palavra islandesa para "inferno" - Michelle Parks, vulcanóloga do Gabinete Meteorológico da Islândia, caminhou até à margem do lago num dia do mês de Agosto passado. Com um monitor preso à anca, para a avisar caso os gases do vulcão atingissem níveis perigosos, inclinou-se para submergir uma sonda de temperatura no lago - estava a 26,4 graus Celsius, consistente com as leituras mais recentes.

Por enquanto, estes dados são tranquilizadores. Esta cratera formou-se quando o Askja, um vulcão do Parque Nacional de Vatnajökull, nas terras altas do centro da Islândia, teve uma violenta erupção em 1875. A última erupção do Askja foi registada em 1961, tendo sido mais branda. Nas décadas seguintes, o vulcão manteve-se calmo. Mas em 2021, Parks e outros cientistas que o monitorizavam ficaram surpreendidos ao descobrir que, em apenas alguns meses, o vulcão tinha expandido rapidamente, elevando-se 11 centímetros. Este fenómeno, chamado de "inflação", ocorre quando o magma ou os gases pressurizados se acumulam sob o vulcão, empurrando o solo.

Nos três anos que se seguiram, o Askja expandiu cerca de 80 centímetros. Os cientistas estimam que esta inflação é resultado de 44 milhões de metros cúbicos de magma que fluem para o reservatório existente a cerca de três quilómetros abaixo da superfície.

Michelle Parks investiga a relação entre o degelo e a actividade vulcânica STOYAN NENOV / REUTERS

Os vulcanólogos estabeleceram uma ligação entre a acumulação de magma sob o vulcão e uma consequente erupção. No entanto, não se sabe ao certo qual é a quantidade de magma suficiente para desencadear uma erupção. Por esse motivo, Parks e outros cientistas estão a monitorizar de perto a temperatura e a acidez do lago da cratera do Viti. Uma mudança em qualquer uma das crateras, onde se verificasse que mais gases estão a ser empurrados de baixo para cima, indicaria que o vulcão estava a aproximar-se de uma erupção. Até agora, os valores têm-se mantido estáveis, mas os cientistas que têm observado o Askja não dão nada por garantido.

Uma erupção pode ser catastrófica, embora as erupções mais pequenas sejam mais prováveis. Na escala que os especialistas utilizam para medir a dimensão das erupções explosivas, o Askja é capaz de ter uma erupção equivalente à do Monte St. Helens, no estado norte-americano de Washington, em 1980, embora o estilo eruptivo seja diferente. Esta erupção, que despertou a paixão pelos vulcões da cientista australiana, libertou uma força equivalente a 25 mil bombas atómicas de Hiroshima.

O objectivo do observatório de vulcões do Gabinete Meteorológico da Islândia é monitorizar os vulcões da ilha para detectar alterações de actividade, como aquelas que estão a ser observadas no Askja, permitindo proteger os 400 mil cidadãos do país e os milhares de turistas que visitam todos os anos as mundialmente famosas atracções geotérmicas da Islândia.

No entanto, o trabalho da equipa adquiriu um significado mais vasto. Em 2023, Parks e alguns colegas da Universidade da Islândia receberam financiamento governamental para um projecto de investigação pioneiro em 12 instituições para testar uma teoria que pode ter consequências desastrosas não só para a Islândia, mas para todas as pessoas no mundo. Se o rápido recuo dos glaciares, em resultado das alterações climáticas causadas pela mão humana, continuar, vai desencadear um aumento da actividade vulcânica.

O processo subjacente a esta ideia é simples. O enorme peso dos glaciares e dos lençóis de gelo pode abafar os vulcões. Quando o gelo recua, a pressão descendente sobre a fina crosta exterior do planeta e o manto subjacente, muito mais espesso, diminui, permitindo que o solo recupere. Esta mudança de pressão estimula as forças dinâmicas por baixo dos vulcões a produzir mais magma e a alterar o seu movimento, influenciando as erupções.

"A Islândia é um dos melhores locais do mundo para estudar esta questão... Porque temos vulcões e glaciares", explica Parks à Agência Reuters. "No final do dia, o que pretendemos com este projecto é fazer um quadro mais vasto. É o futuro das erupções vulcânicas. Que dimensões vão ter? E o que é que nos espera no futuro, não só na Islândia, mas também no resto da Europa e, potencialmente, noutras partes do mundo?", conclui.

A caminho do cataclismo

O que os cientistas já sabem sobre a história vulcânica da Islândia sustenta esta teoria.

Quando os espessos glaciares e os calotes polares que cobriam a ilha do Atlântico Norte durante última Idade do Gelo recuaram os vulcões subjacentes responderam com erupções explosivas. Em 2002, os cientistas calcularam as alterações na actividade vulcânica da Islândia ao longo do tempo através da análise da composição química de amostras de rocha lávica. Descobriram que as taxas de erupção aumentaram cerca de 30 a 50 vezes durante e pouco depois da perda de gelo, em comparação com a Idade do Gelo e os tempos recentes.

Foi provavelmente um cenário cataclísmico, com uma "quantidade absurda de erupções", referiu Parks, uma vez que os rios de lava remodelaram a ilha e as cinzas choveram nos mares circundantes. Também o Askja registou uma grande erupção explosiva durante este período.

Uma vez mais, dizem os cientistas, os elementos necessários para desencadear uma nova vaga de erupções estão a convergir. Os glaciares cobrem agora apenas 10% da Islândia, mas esse gelo continua a pesar sobre mais de metade dos 34 sistemas vulcânicos activos do país, e está a derreter rapidamente à medida que as temperaturas globais aumentam. Nos últimos 130 anos, os glaciares da Islândia perderam cerca de 16% do seu volume, metade do qual apenas nas últimas três décadas. Os cientistas prevêem que cerca de metade do volume restante terá desaparecido até ao final deste século.

As câmaras de magma sob a Islândia podem já estar a reagir à perda de gelo, e não apenas as que se encontram directamente sob os glaciares. Askja, que está livre de gelo há 10 mil anos, e grande parte da Islândia estão a recuperar a actividade porque as mudanças de pressão provocadas pelo recuo dos glaciares afectam grandes partes da crosta e do manto da Terra.

Os últimos 30 anos, o magma foi produzido sob a Islândia a um ritmo duas a três vezes superior ao que teria sido sem a perda de gelo, de acordo com os resultados preliminares de modelização do projecto de Parks partilhados, em exclusivo, com a Agência Reuters. "Está a chegar mais magma por baixo da Islândia e nós não precisamos dele", disse Parks. "Já temos o suficiente", acrescenta.

A Islândia corre mais risco de erupções vulcânicas devido à sua localização sobre duas placas tectónicas STOYAN NENOV / REUTERS

Nos anos 70, os cientistas começaram a teorizar que o degelo poderia ter impacto nas erupções vulcânicas. Mas só recentemente começaram a compreender a escala da potencial ameaça. Em 2020, os vulcanólogos compilaram a primeira base de dados global exaustiva de vulcões sob o gelo ou num raio de cinco quilómetros, publicando as suas conclusões na revista Global and Planetary Change. Descobriram que cerca de 245 vulcões activos ou potencialmente activos em todo o mundo cumpriam os critérios, desde os Andes até às montanhas Cascade da América do Norte e ao Alasca, passando pela península russa de Kamchatka e pela Antárctida.

O mesmo estudo conclui que cerca de 160 milhões de pessoas vivem num raio de 100 quilómetros de pelo menos um desses vulcões e que 20 mil pessoas se encontram na imediações. Números como estes sublinham a ameaça que representaria o degelo dos glaciares se mais vulcões entrassem em erupção, desencadeando inundações catastróficas, fluxos de lama e lançando vastas nuvens de cinzas e gases mortais para a atmosfera.

As consequências não se ficavam por aí. As erupções ricas em dióxido de carbono, um gás com efeito de estufa, poderiam acelerar o aquecimento global, ultrapassando os aerossóis de enxofre na atmosfera que podem causar períodos iniciais de arrefecimento. Os vulcões, que agora se sabe que estão sob o manto de gelo da Antárctica Ocidental, podem ajudar a acelerar a fusão do gelo no oceano, aumento o nível da água do mar.

As provem sugerem que, o que aconteceu na Islândia após a última Idade do Gelo, se repetiu, em menor escala, em todo o mundo. De acordo com um estudo de 2009 publicado na revista Earth and Planetary Science Letters, as erupções foram duas a seis vezes mais frequentes a nível mundial entre 12 a 7 mil anos atrás face à maior frequência de erupções em áreas que estavam a perder a sua cobertura de gelo.

Um passado violento

A Islândia está especialmente preparada para as erupções vulcânicas frequentes devido à sua localização na união entre duas placas tectónicas que se estão a separar devido ao afloramento de material anormalmente quente no manto terrestre. Muitas erupções mais pequenas têm pouco impacto para além da sua vizinhança imediata, embora sejam capazes de dar espectáculo. Outras podem ter efeitos letais muito além das fronteiras islandesas.

Quando Laki, a sudoeste do Askja, entrou em erupção em 1783-84, o flúor que expeliu contaminou as plantas e as fontes de água da ilha, matando mais de metade do gado islandês. Este colapso levou a uma vaga de fome que matou cerca de um quinto da população da ilha, enquanto a neblina sulfurosa, que mais tarde chegou à Europa, pode ter contribuído para a morte de milhares de outras pessoas. Em África e na Ásia, os efeitos da erupção enfraqueceram as monções, dando início a mais vagas de fome.

Perto da costa sul islandesa, sob uma pequena calote de gelo, encontra-se o Katla, considerado um dos vulcões de gelo mais perigosos do mundo. O Katla já registou mais de 20 erupções desde a Idade Média, com uma média de uma erupção a cada 60 anos. Entretanto, pode estar perto de ter outra sendo que a última erupção foi registada em 1918. Durante essa erupção, o calor derramado da caldeira do Katla derreteu rapidamente o gelo do topo do vulcão, libertando quantidades de água superiores às descargas combinadas dos rios Amazonas, Mississipi e Yangtze no seu pico. E tal como o Laki, o Katla tem potencial explosivo.

Vík í Mýrdal é uma das aldeias em risco caso o vulcão Katla entre em erupção STOYAN NENOV / REUTERS

"O momento da erupção do Katla está a aproximar-se... É mais do que altura para os governos europeus e as autoridades das companhias áreas de toda a Europa e do mundo começarem a planear a eventual erupção do Katla", disse o então presidente da Islândia, Olafur Ragnar Grimsson, à BBC News em 2010, após a erupção do Eyjafjallajökull. A nuvem de cinzas dessa erupção causou um prejuízo de 1,3 mil milhões de euros devido ao cancelamento de voos durante seis dias de interdição do espaço aéreo europeu, o que a tornou a erupção mais dispendiosa do mundo no século passado.

O governo islandês tem planos de emergência para uma erupção do tipo Katla e trabalha com as autoridades locais para criar avaliações de risco a curto prazo para outros vulcões.

O governo também tem aproveitado as características ardentes dos vulcões a seu favor, utilizando-as para aquecer as casas e as empresas e atrair turistas que gastam muito dinheiro para tomar banhos geotérmicos rejuvenescedores. Após a erupção do Eyjafjallajökull, o governo islandês transformou os vulcões num pilar de uma indústria turística que movimenta milhares de milhões de euros. As lojas de recordações da capital, Reiquiavique, vendem rochas de lava de uma erupção recente na Península de Reikjanes por 2 mil coroas islandesas (cerca de 13,50€) cada.

"Ver os amigos desaparecer"

Como muitos islandeses, Iris Ragnarsdottir Pedersen, de 29 anos, e o seu pai, Ragnar Frank Kristjansson, de 62 anos, conhecem bem os extremos da sua terra de gelo e fogo. Ao longo da costa sul, em Svniafell, Ragnarsdottir Pedersen, uma guia das montanhas, vive com o marido e o cão, um pastor islandês, Blika. O pai dela, um gestor de parques nacionais reformado, tem uma pequena casa de Verão na porta ao lado. Sobre eles ergue-se um grande penhasco, para além do qual se encontra a calote de gelo de Vatnajökull e, por baixo dela, o vulcão Oraefajokull. Após a erupção desse vulcão, em 1362, os marinheiros relataram que a pedra-pomes marítima flutuava "em tais massas que os navios dificilmente conseguiam atravessá-la".

Iris Ragnarsdottir Pedersen e Ragnar Frank Kristjansson guardaram várias revistas científicas com algumas das suas observações ao longo dos anos STOYAN NENOV / REUTERS

Pai e filha lembram-se de se juntar a outros islandeses ao longo dos anos para se maravilharem com as fontes brilhantes e os rios de lava produzidos pelas erupções. Mas estão familiarizados com o impacto das alterações climáticas.

Há 25 anos que Kristjansson é voluntário como monitor dos glaciares na Sociedade Glaciológica da Islândia, acompanhando o recuo de dois glaciares que saem da calote de gelo de Vatnajökull, a maior do país. Todos os Outonos, caminha durante horas até um dos glaciares, o Skeidararjokull, para efectuar medições que envia para o Gabinete Meteorológico da Islândia. "É uma caminhada solitária em direcção ao glaciar - 15 quilómetros na areia preta", comentou à Reuters.

Kristjansson costumava ser capaz de caminhar à borda do Skeidararjokull, mas como o glaciar encolheu rapidamente ao longo das últimas décadas, formou-se um lado no contraforte do glaciar, bloqueando-lhe o caminho. Agora, tem de usar binóculos especiais para medir a distância. Este ano, segundo ele, um ponto ao longo da borda do glaciar registou um recuo de 300 metros, o maior de que há registo.

Ragnarsdottir Pedersen tem testemunhado o recuo de ano para ano nas caminhadas até aos glaciares com o pai e olhando pela janela. "É simplesmente devastador de ver", disse ela. "Por vezes digo às pessoas que é como ver os nossos amigos desaparecer", comenta.

Quando era criança, ela sabia que o Oraefajokull estava à espreita sob a calote de gelo de Vatnajökull. Mas só se tornou uma preocupação quando o vulcão começou a fazer barulho em 2017, precisamente quando ela e o marido planeavam construir a sua casa perto dele. Quando sentiu os tremores de terra e o cheiro a enxofre dos rios, pensou "temos um vulcão poderoso e bastante perigoso mesmo por cima da nossa casa".

Em última análise, ela e o marido não ficaram suficientemente preocupados para cancelar a mudança, acreditando que os cientistas iam monitorizar de perto o vulcão e detectar qualquer sinal de perigo. "As pessoas vivem em Svinafell desde a colonização da Islândia", comentou à Reuters.

Uma "meca" científica

Oraefajokull é um dos seis vulcões activos cobertos pela calote de gelo Vatnajökull. À medida que Vatnajökull foi diminuindo e recuando, alguns dos vulcões abaixo dele, bem como o vizinho Askja, tornaram-se mais agitados. O Oraefajokull acalmou desde o seu despertar em 2017. Grimsvotn e Bardarbunga, dois vulcões sob a calote de gelo que estão a ser avaliados no projecto de Parks, registaram um conjunto de cinco erupções nos últimos 30 anos, em comparação com apenas uma erupção registada nos 40 anos anteriores.

Parks e os seus colegas cientistas afirmaram que é muito cedo para concluir que o aumento da actividade sob o Vatnajökull está ligado à rápida perda de cobertura de gelo. Outros cientistas estabeleceram que podem ocorrer grupos de erupção em ciclos naturais sob a calote de gelo. Mas para determinar se as alterações climáticas também podem estar a acelerar o processo, será necessário recolher mais dados sobre o recuo do gelo e a produção de magma e introduzi-los em modelos informáticos mais complexos.

Parks e outros cientistas investigam o Askja no verão, a melhor epóca para aceder à cratera STOYAN NENOV / REUTERS

Devido à sua permanente agitação, o Askja é a principal atracção para os cientistas que se aglomeram nas suas enormes caldeiras quando o breve Verão islandês permite a investigação no terreno. Tal como a maioria dos vulcões na Islândia, o Askja não tem a forma de cone estereotipada dos vulcões como o icónico Monte Fuji, no Japão. Em vez disso, as fissuras serpenteiam ao longo de uma extensa paisagem que se assemelha a Marte, carregada de rochas de lava e marcada por crateras de erupções anteriores.

Para chegar à peça central do sistema do Askja, um lado de caldeira de 11 quilómetros quadrados chamado Oskjuvatn, os cientistas viajam horas através das terras altas em Super Jeeps e Land Rovers equilibrados em pneus de 90 centímetros. Oskjuvatn formou-se numa erupção explosiva em 1875 que lançou volumes de pedra-pomes, grande parte da qual ainda cobre a área em redor do Askja, com pedaços do tamanho de punhos atirados pelos ventos fortes.

Acima do reservatório de magma, perto do lado ocidental do lago, é onde o Askja tem inflacionado mais rapidamente, tornando-se um chamariz para os cientistas. Numa visita em Agosto, a Reuters encontrou uma equipa de três investigadores da Universidade de Genebra à beira do lago, carregando equipamento para um barco insuflável. O seu objectivo era medir as concentrações de dióxido de carbono no lago e recolher amostras de água nos pontos mais profundos.

Os dados não são fáceis de obter. As águas gélidas e frequentemente agitadas são muito perigosas. Os deslizamentos de terra na escarpa íngreme podem provocar tsunamis grandes o suficiente para inundar a cratera de Viti. Em 1907, dois cientistas alemães lançaram-se ao lago e nunca mais foram encontrados. O barco da equipa de Genebra seria o primeiro no lago em quase uma década. Os investigadores usavam equipamento térmico grosso por precaução.

Nicolas Oestreicher, um dos geólogos, disse que o trabalho era importante, dadas as capacidades explosivas do Askja e a crescente actividade em redor do lago. "Se for uma grande explosão, é muito perigoso para as pessoas que aqui vivem e para os turistas", explicava à Reuters.

Investigadores da Universidade de Genebra viajaram até à Islândia para medir as concentrações de dióxido de carbono no lago STOYAN NENOV / REUTERS

A sua equipa, que mais tarde regressou em segurança da viagem de barco, foi uma das variadas equipas da Islândia e do estrangeiro que correram nesse dia para descobrir o que é que estava a acontecer com o Askja. Freysteinn Sigmundsson, geofísico da Universidade da Islândia, co-responsável com Parks no projecto financiado pelo governo, também estava presente. "Hoje pode estar a ser o dia mais rico de toda a história de Askja em termos do número de cientistas presentes", comentou o geofísico.

Sigmundsson tem vindo ao vulcão quase todos os anos desde 1990 e conhece bem o terreno. Carreando um tripé de topografia, escala com perícia e segurança os leitos de lava irregulares à procura de marcas metálicas redondas que os cientistas colocaram na zona nas décadas de 1960 e 1970. Estas indicavam-lhe onde colocar o seu equipamento para verificar se o Askja tinha crescido ou mudado ao longo do último ano.

As medições que Sigmundsson e os seus colegas efectuaram em Agosto revelaram uma elevação de 12 centímetros do Askja desde o ano anterior, confirmando que o vulcão ainda estava em agitação e podia entrar em erupção a qualquer momento.

Dos Andes à Antárctica

Independentemente do que venham a descobrir, a interacção entre os vulcões e o gelo vai continuar a ser uma das principais preocupações dos vulcanólogos. A erupção mais mortífera dos últimos 100 anos foi a do Nevado del Ruiz, nos Andes colombianos, em 1985. Cerca de 23 mil pessoas morreram depois de uma amálgama sobreaquecida de cinzas, fragmentos de lava e gases, conhecida como fluxo piroclástico, ter derretido a neve e o gelo perto do cume do vulcão, lançando rios enormes de lava e detritos pelos flancos do vulcão.

"Qualquer erupção em que exista a possibilidade de (neve ou gelo) interagir com material quente aumenta os elementos de perigo", refere Ben Edwards, vulcanólogo do Dickinson College, na Pensilvânia, e principal autor do estudo de 2020 que produziu a base de dados dos vulcões cobertos de gelo.

Edwards e os seus colegas investigadores elaboraram uma lista dos vulcões mais perigosos do mundo que se encontram sob glaciares com base no volume de gelo existente em cada um deles ou na sua proximidade, na frequência de erupções anteriores e na população que vive num raio de 30 quilómetros. Sete dos dez primeiros, segundo a pesquisa, estão nos Andes. O mais perigoso é o Villarica, no Chile, com mais de 35 mil pessoas a viver na sua sombra. Edwards está a meio de um estudo de cinco anos que procura compreender como é que o Villarica reagiu ao recuo dos glaciares no final da última Idade do Gelo.

O pequeno número de estudos realizados até à data sobre a interacção entre o recuo do gelo e os vulcões noutras partes do mundo, segundo os cientistas, provam que a investigação na Islândia vai ajudar a criar modelos que podem ser aplicados noutros locais. Não se trata de uma comparação perfeita: as placas tectónicas da Islândia são muito diferentes das dos Andes. Os reservatórios de magma também se encontram muito mais profundos na crosta dos Andes do que na Islândia, esclarece Edwards à Reuters.

"Nós não temos uma compreensão física muito boa de todos os processos que controlam a fusão (da rocha em magma) mais profunda no manto", explica David Pyle, vulcanólogo da Universidade de Oxford que tem como objecto de estudo principal os vulcões chilenos. "Na Islândia, o modelo conceptual está muito melhor desenvolvido porque, de certa forma, é geologicamente mais simples", acrescenta o investigador.

Vista do glaciar Jokulsarlon, muito mais pequeno agora, no sul da Islândia STOYAN NENOV / REUTERS

A Antárctida, onde tanto o gelo como os vulcões são abundantes, tornou-se uma área de preocupação nos últimos anos. Embora se saiba que uma mão cheia de vulcões se encontra sob o vasto manto de gelo da Antárctida Ocidental, em 2017 os cientistas comunicaram a detecção de mais 91 possíveis vulcões escondidos.

É difícil de saber quantos deles estão activos ou têm potencial de despertar. "Provavelmente há dois ou três que estão certamente activos. Mas pode haver 100 ou 150", disse John Smellie, um antigo vulcanólogo sénior do British Antarctic Survey que completou 27 temporadas de campo no continente e ganhou duas Medalhas Polares da realeza britânica.

Segundo Smellie, se as alterações climáticas derem início a uma nova era de erupções nas próximas décadas, isso vai acelerar a já rápida perda da cobertura de gelo do continente, aumentando o nível da água do mar e inundando as cidades costeiras do mundo. A Antárctida está a perder mais de 150 mil milhões de toneladas de gelo por ano, de acordo com medições feitas por satélite, e os cientistas acreditam que, à medida que os oceanos continuam a aquecer, o manto de gelo da Antárctida Ocidental está a aproximar-se rapidamente de um ponto de ruptura a partir do qual o degelo não pode ser travado.

"Se uma erupção aumentar, mesmo que ligeiramente, o nível global do mar irá agravar os efeitos que já estão a ocorrer devido às alterações climáticas", referiu Smellie à Reuters.

No pior dos cenários, o acelerado degelo da Antárctida Ocidental iria aliviar a pressão sobre os vulcões enterrados, desencadeando erupções. Isso, por sua vez, iria acelerar a perda de gelo, despertando ainda mais vulcões que iriam derreter mais gelo e assim por diante, levando a uma catástrofe global. No entanto, segundo Smellie, é improvável que isso aconteça porque serio necessário ter milhares de erupções quase simultâneas para derreter uma pequena parte da camada de gelo.

Na zona do perigo

Poucas pessoas vivem perto Askja. A aldeia mais próxima fica a cerca de 60 quilómetros de distância. Mas cerca de 13 mil pessoas visitam o vulcão durante os meses de Verão, quando o Askja é mais acessível, de acordo com os dados do parque nacional. Muitas vezes, os turistas descem à cratera do Viti para nadar no lago, apesar dos sinais que os avisam sobre a água ácida, que pode irritar a pele, e sobre a queda das rochas.

Depois de uma semana de trabalho de campo em Askja e nas suas imediações, no mês de Agosto, os vulcanólogos reuniram os guardas-florestais, as autoridades locais e os trabalhadores de cadeias hoteleiras numa cabana dos guardas florestais, uma noite, para uma reunião de segurança sobre o estado do vulcão.

Pedaços de gelo soltos a flutuar no lago Fjallsarlon, no sul da Islândia STOYAN NENOV / REUTERS

Parks debruçou-se sobre o seu computador portátil, apresentando uma série de tabelas e gráficos sobre as suas descobertas mais recentes que mostravam que o Askja ainda estava a inflamar. Sigmundsson, de pé à entrada, explicou aos guardas florestais e à polícia que a previsão das erupções é uma ciência imprecisa. A actividade sísmica não é necessariamente um indicativo de uma erupção iminente. "A escala de tempo pode ser bastante curta", explicou o investigador. "Horas, talvez... Se acontecer alguma coisa é preciso ter um plano de evacuação rápido da caldeira."

Um dos maiores riscos para os turistas é uma explosão freática - uma explosão de vapor quente, cinzas e rochas que surge sem qualquer aviso. Foi isso que formou a cratera Viti há quase 150 anos. Em 2019, uma explosão freática no vulcão White Island, na Nova Zelândia, matou 22 pessoas que estavam a visitar a ilhar na altura.

Perante as palavras de Sigmundsson, a sala ficou em silêncio. Um dos agentes da polícia avançou então como um plano: "Só temos de esperar que expluda no Inverno".

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