Fez formação no FC Porto e terminou a carreira aos 26 anos: «Deixei de acreditar em mim»

2 meses atrás 71

«O futebol é a mais importante das coisas menos importantes». A frase é de Arrigo Sacchi, icónico técnico italiano, mas adequa-se na perfeição a Pedro Marques. Outrora um menino-prodígio de dragão ao peito, aproveitou a falta de motivação dentro das quatro linhas para terminar a carreira antes do suposto - aos 26 anos - e assegurar o negócio de família, que estava refém de um líder face ao falecimento do pai.

«Pedro Marques termina carreira aos 26 anos». Foi um dos títulos que, na última semana, fez parte de vários noticiários. Jogador jovem, com formação de renome e passagens aparentemente consolidadas pela Segunda Liga e Liga 3. Uma decisão - a de terminar a carreira -, à primeira vista, pouco percetível.

Intrigados pela escolha, no zerozero decidimos colocar mãos à obra e investigar a situação. Falámos com o próprio Pedro Marques; bem-disposto e simpático, detalhou as diferentes fases da carreira, revelou-nos os motivos - ocultos à tona -  e abriu-nos o coração.

Falta de motivação, a morte do pai e um negócio para estar «a 100 por cento». Eis toda a conversa:

ZZ - A conversa nasceu pelo final da carreira, mas vamos, primeiro, viajar até ao início. Como começou a relação com o futebol?

PM - Com 4/5 anos, jogava hóquei. Na altura, a minha mãe meteu-me também no futebol, só para experimentar - isto tudo na UD Oliveirense. Depois, ela disse que eu tinha de decidir entre o hóquei ou o futebol e acabei por optar pelo futebol. Como qualquer outro miúdo, gostava de jogar futebol na escola, em casa...

Um jovem Pedro Marques ao serviço do seu primeiro clube @Arquivo Pessoal

ZZ - Entre os dois, ainda acha que foi a decisão certa ou agora arrepende-se da escolha?

PM - Foi a decisão certa, já nem me lembro se tinha jeito para o hóquei sequer (risos). Muito do que eu sou hoje é por causa do futebol.

ZZ - Assim sendo, temos os nossos registos certos. O primeiro clube foi mesmo a UD Oliveirense.

PM - Foi, exatamente.

Começo feliz e prometedor

ZZ - E esses primeiros tempos no futebol? Foi uma entrada logo com grande destaque ou o começo foi mais lento?

PM - Quando somos miúdos, não temos bem noção se somos melhores ou piores que os outros. Pelo menos, eu não tinha. Depois, passados três, quatro anos de Oliveirense, surgiu o interesse de Benfica, Sporting, FC Porto... Acabei por fazer essas captações; fui eu e o Diogo Casimiro, que agora até está na UD Oliveirense. Éramos colegas de equipa e, na altura, optámos pelo FC Porto... Quer dizer, os nossos pais optaram pelo FC Porto, porque era mais perto e não queriam que fossemos para longe (risos).

ZZ - Já nos disse que, em criança, só queria jogar e divertir-se, mas, no momento em que está a fazer captações nos grandes, manteve essa mentalidade ou começou a traçar objetivos para o futuro?

PM - Sinceramente, era mais pela diversão, pelo gosto. Não pensava no futuro, se ia ser jogador ou não. Era criança e só me queria divertir, na altura.

ZZ - Depois, lá está, os pais «obrigaram» a jogar no FC Porto e esteve lá dos 11 aos 17 anos. No geral, o balanço foi positivo?

Noutra fase, desta feita de azul e branco

PM - Sim, muito positivo. Viajei quase pelo mundo todo por causa do FC Porto; fizemos muitos torneios, muitas competições. Além disso, muitos dos amigos que tenho hoje em dia, conheci-os no FC Porto.

ZZ - Pois, dos 11 aos 17 é uma idade muito propícia a criar amizades...

PM - Exato. As amizades mais fortes que criei foi mesmo nessa idade e ainda as mantenho. Dou-me, por exemplo, muito bem com o Rui Pires, que foi agora para Singapura. Joguei, também, com a geração toda de 99: Diogo Costa, Diogo Dalot, Diogo Queirós...  Dos que fiquei mais amigo e mantenho melhor relação, aquele que está melhor é, provavelmente, o Rui Pires.

ZZ - Portanto, com bons amigos e no topo da formação em Portugal.

PM - Sim... Quer queiram, quer não, os miúdos sentem sempre que são melhores que os outros por jogarem no FC Porto. Só quando jogávamos contra o Sporting, o Benfica ou nos torneios internacionais é que sentíamos que estávamos de igual para igual. É diferente fazer a formação num clube grande...

ZZ - Parece que  o céu está mais perto.

PM - Exatamente.

ZZ - Do FC Porto vai para o FC Paços de Ferreira. Conforme os nossos dados, foi muito utilizado nos juniores e estreou-se pela equipa principal, ainda que bastante jovem. Para si, apesar de ter saído de um grande, o sonho de ser um jogador de topo ainda devia estar bem vivo, não?

Na altura em que «o sonho esteve mais vivo»

PM - Foi a altura que o sonho esteve mais vivo. No Paços, o meu primeiro ano de júnior corre-me perfeitamente e aproximei-me do plantel sénior - na segunda metade da temporada treinei sempre com a equipa principal. Até partilhava quarto com o Diogo Jota; ele era primeiro ano de sénior e tinha feito a transição de junior para sénior - a que eu ia fazer. Ali, como estava tão perto, foi quando acreditei mais que podia lá chegar... Se chegasse à Primeira Liga com o Paços, jovem como era, tinha mais portas abertas.

ZZ - Então a saída de um grande não foi o fim do mundo e acabou por ser positiva.

PM - Sim, porque aquela época no FC Paços de Ferreira correu mesmo muito bem.

«Deixei de acreditar em mim próprio»

ZZ - Você apontou a falta de motivação e de objetivos como um dos motivos para terminar a carreira. Quando é que essas sensações começaram a emergir?

PM - Foi mais para a frente. Acabei a formação, subi a sénior, treinei na equipa principal [do FC Paços de Ferreira], mas era: "Treinas aqui e, se não fores convocado, vais jogar para a B". Na minha opinião, esse foi um ano perdido. Foi o primeiro ano de muitas equipas B e jogavam na Elite do Porto; uma competição que, a meu ver, não era boa, não beneficiava e não fazia evoluir.

Depois, tenho o meu primeiro choque de realidade no SC Coimbrões. Tive tão perto da equipa principal do FC Paços de Ferreira e, de repente, caio em Coimbrões... Mas adaptei-me perfeitamente e fiz uma época bastante positiva. Fui para o FC Felgueiras 1932 e fiz outra boa época. Sentia-me motivado; ainda era muito novo e sentia: "Se eu andar aqui a trabalhar, vou voltar". 

Acabei por voltar, só que, no meu quarto ano de sénior [no FC Paços de Ferreira], fizemos uma época perfeita, com um quinto lugar, mas acabei por não ter o meu espaço. É o que é. Voltei a descer à Liga 3, voltou-me a correr bem, mas acho que tem tudo a ver com a idade... Sabemos que, por volta dos 25 anos, se não conseguirmos chegar a um bom patamar, começa a tornar-se difícil. Quando digo "falta de motivação" é porque deixei de acreditar em mim próprio.

ZZ - Apontou a marca dos 25 anos; foi algo relativamente recente, portanto.

Mais recentemente, quando venceu a Liga 3 pelo Torreense @Arquivo Pessoal

PM - Sim, mas, mais que isso, foi algo gradual. Na UD Oliveirense, acabou a época e praticamente ninguém me ligou, porque quase não joguei. Voltei para a Liga 3, para longe do Porto e da família e não correu propriamente bem. Depois, o acumular de não conseguir chegar onde tanto desejava e expectava quando tinha 20 anos, fez com que tomasse esta decisão.

ZZ - O facto de ter passado por um grande na formação e por, nos últimos anos, estar mais afastado dessas andanças pode ter sido um motivo para aumentar essa frustração ou falta de motivação? Ou, mesmo que tivesse feito a carreira toda por clubes com menos recursos, o sentimento presente seria o mesmo?

PM - Não sei, acho que não tem muito a ver com a formação. Acho que tem a ver apenas com o facto de ter estado «perto de lá chegar» com 18/19 anos e, depois, nos cinco/seis anos seguintes, nunca ter conseguido. 

«Se é para estar a meio gás, prefiro estar a 100 por cento na família»

ZZ - Certo; no início desta época, mudou-se para o São João de Ver e, pouco depois, terminou a carreira. O que é que o levou a colocar um ponto final num momento em que estava prestes a ter um novo começo?

PM - Quando terminou a época passada, a minha vida pessoal deu uma grande volta, por causa do falecimento do meu pai. Eu e o meu irmão quisemos assumir o negócio que o meu pai tinha aqui no Porto, de lavandarias. Tendo um trabalho, pensei: "No São João de Ver, vou estar perto de casa, consigo conciliar as duas coisas, por isso vou continuar [a jogar futebol]". Contudo, depois de três semanas, falei com os dirigentes. Já não me sentia motivado. Tinha a sensação: "Estou aqui a jogar só por jogar, porque não tenho o objetivo de chegar a nenhum lado". Neste momento, a prioridade foi o que o meu pai me deixou. Por isso, se é para estar a meio gás... Prefiro estar a 100 por cento na família.

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ZZ - E a reação do São João de Ver? Acredito que tenham percebido a situação.

PM - Sim. Eles já estavam a par de toda a situação, desde o início. Ou seja, antes de ir para lá, já sabiam que eu não tinha a certeza se ia continuar a jogar ou não. Como me deram boas condições, decidi tentar, mas depois expliquei-lhes a minha decisão e foram impecáveis comigo.

ZZ - Aquela criança que se mudou da UD Oliveirense para o FC Porto ficaria orgulhosa e contente com a carreira que acabou por ter?

PM - Sinceramente... acho que não ficava muito contente, sobretudo a nível profissional. Ainda assim, a nível pessoal e social, acho que sempre fui um rapaz - e depois um homem - à minha imagem, sempre correto com todos os que partilhei balneário e experiências de vida... Até porque o futebol é uma experiência de vida.

ZZ - Mesmo não ficando assim muito contente, já nos disse que muito do que é hoje é por causa do futebol. O que levou de bom desta carreira?

PM - Em primeiro lugar, as amizades que criei. Para mim, são... o mais importante, sem sombra de dúvidas. Depois, apesar de não ter atingido o que esperava, tive momentos muito bons: ganhei a Liga 3, estreei-me na Primeira Liga, partilhei balneário com grandes jogadores.

ZZ - Cumpriu os sonhos de muitos jogadores jovens: vencer troféus, jogar na Primeira Liga...

PM - Claro, não é, de todo, uma carreira que me deixa frustrado totalmente. Fiz coisas boas e tive êxito em alguns momentos, mas não alcancei os grandes desejos que todos sonhamos quando somos pequenos.

ZZ - Noutra vida, repetia tudo ou alterava algo neste percurso?

PM - Alterava algumas coisas. O futebol é feito de decisões e, com o tempo, sei que algumas das que tomei não foram as melhores. Nem me refiro só a escolhas de clubes, mas sim coisas que fiz e não deveria ter feito ou o contrário... Não fazia exatamente tudo igual.

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