Fomos "longe demais" a proteger o ambiente?

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Hoje o dia começou com uma daquelas notícias que mostram a velocidade acelerada em que o planeta se encontra na sua "auto-estrada para o inferno climático": o último mês foi o Janeiro mais quente desde que há registos, de acordo com o programa Copérnico (C3S) da União Europeia. Aliás, como escreve a Claudia Carvalho Silva, desde que Junho foi declarado o Junho mais quente, este é o oitavo mês consecutivo que é considerado o mais quente desde que há registos. A média da temperatura global entre Fevereiro de 2023 e Janeiro de 2024 é a mais elevada registada nas contas do Copérnico, estando 1,52 graus Celsius acima da média pré-industrial (1850 a 1900). Pensávamos que seria aos poucos, certo?

Enquanto acompanhamos em tempo real as mudanças causadas pelas alterações climáticas, a política parece não apenas não acompanhar, como ir em sentido contrário. Na contra-mão do ímpeto criado pela ciência climática no sentido de nos alertar para agir com urgência a nível global (obrigada, IPCC), a nível europeu vemos cada vez mais partidos a assumir posições contra a acção climática.

Não é propriamente novidade: apesar dos avanços conquistados nos últimos anos, como a Lei Europeia do Clima, é também verdade que os debates que se travam no Parlamento Europeu (onde é possível escrutinar mais de perto) nunca foram pacíficos, resultando muitas vezes em diplomas esvaziados do seu potencial inicial e longe das soluções propostas com base científica. 

Mas o cenário mudou de tom. Depois de vários anos de avanços na legislação para conter as emissões de gases com efeito de estufa, acalmada a erupção de protestos climáticos que coincidiram com as últimas eleições europeias, o peso da guerra e a inflação tornaram mais difícil o avanço de políticas que implicam a transformação necessária. Nos debates sobre clima e ambiente, a direita já não fala apenas a favor das empresas e "da economia", como é habitual — caiu o pudor de se falar especificamente contra a acção ambiental e climática. Nos últimos meses, com o aproximar das eleições europeias, a arena política tornou-se um campo de batalha, no qual a lei do restauro da natureza esteve perto de ser a primeira vítima.

Em final de mandato, também a Comissão Europeia perdeu o fulgor inicial da proposta do Pacto Ecológico Europeu, o enorme pacote apresentado no final de 2019. Continuamos na liderança global em matéria de ambição climática — veja-se a comunicação da Comissão, que esta terça-feira recomendou uma meta de redução de 90% das emissões de gases com efeito de estufa até 2040

Mas a verdade é que ainda não conseguimos tocar em determinadas matérias, em particular as que mexem com o solo. "Não devemos misturar ambiente e clima", dizia esta semana à Reuters o eurodeputado Peter Liese, porta-voz do grupo do Partido Popular Europeu na comissão de Ambiente. Com a Comissão a deixar cair a proposta para a revisão do regulamento sobre uso sustentável de pesticidas, deu-se a machadada simbólica na estratégia "Do Prado ao Prato", um dos "papões" de que muito se falou nos últimos meses, mas que em bom rigor ainda não saiu, de facto, do papel. 

Nas últimas semanas vimos protestos de agricultores por toda a Europa. No PÚBLICO, olhámos para os diferentes argumentos esgrimidos pelos agricultores para encontrar possíveis respostas e soluções para os seus problemas. As regras ambientais são apenas uma parte de uma teia de burocracia que cobre actualmente os agricultores europeus, pressionados por uma concorrência que consideram desleal, sem lhe ser garantida a devida remuneração. A Maria João Guimarães olhou para os protestos em outros países e trouxe um esclarecimento: "O grito dos agricultores não é de extrema-direita". Não deixemos a acção climática e a protecção do ambiente tornarem-se numa guerra partidária, muito menos cultural.

Em entrevista ao Azul, a investigadora Fredi Otto, uma verdadeira rockstar da ciência climática da actualidade, dizia que ainda está nas nossas mãos reagir às alterações que estão a transformar o nosso planeta, garantindo uma transição que seja justa para todas as pessoas. Precisamos é de ser mais eficazes a encontrar narrativas que mostrem que é possível um mundo diferente — e melhor. 

E não, não será possível separar ambiente e clima se queremos manter a qualidade de vida a que nos habituamos na União Europeia. As populações mais vulneráveis ao impacto das alterações em curso e as gerações futuras não merecem que não saibamos pôr ao serviço da política — ao nosso serviço — todo o conhecimento científico e todas as soluções que conhecemos para possíveis caminhos para um mundo melhor.

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