Fui cobaia e isso resultou num artigo científico

9 meses atrás 189

Quase todos os dias recebo na minha caixa de email notícias sobre a publicação de artigos científicos, que me merecem mais ou menos atenção, conforme o tema e a agenda do dia. Mas hoje quando li o assunto “Cientistas identificam estratégias usadas pelo cérebro para identificar objetos” senti uma comoção, até uma certa vaidade.

Tenho uma ligação a este trabalho que se baseou em ressonâncias magnéticas funcionais feitas a um grupo de voluntários, com o objetivo de estudar a maneira como o cérebro humano forma a imagem de objetos e os reconhece. Em 2019 visitei o Proaction Lab, do Centro de Investigação em Neuropsicologia e Intervenção Cognitivo-Comportamental da Universidade de Coimbra, dirigido por Jorge Almeida, que recebera a primeira bolsa do Conselho Europeu de Investigação atribuída à área da Psicologia, em Portugal, no valor de 1,8 milhões de euros. Este dinheiro permitiu à equipa pagar tempo de ressonância para registar a atividade dos neurónios durante a visualização de imagens e eu poderia integrar o grupo de voluntários que se iria enfiar na máquina a olhar para martelos, berbequins, bolas de basquete e chávenas de café.

A resposta oficial foi um sim, agarrado a um talvez não. Sofro de uma ligeira claustrofobia, já me tinha submetido a uma ressonância, por razões médicas, e estava consciente do desconforto da situação. “Sem compromisso”, descansaram-me. Lá fui até Coimbra onde me encontrei com a melhor das companheiras de trabalho, a nossa fotojornalista residente no Porto, Lucília Monteiro (autora da fotogaleria). Entrei na máquina, auscultadores nos ouvidos, música a tocar, meio palmo de distância entre os olhos e o topo e toca de ir vendo passar objetos. Aguentei dois blocos de vinte minutos, de um ciclo que deveria ser de três. Foi pequeno, muito pequeno o meu contributo. Os 400 voluntários, entre os 18 e os 41 anos, cumpriram três sessões de testes, ao longo de três dias, numa combinação de testes comportamentais e exames ao cérebro.

Quatro anos depois, o trabalho resultou num artigo científico publicado na Communications Biology, do grupo Nature, onde Jorge Almeida e a sua equipa mostram que “quando pensamos em objetos o nosso espaço mental está organizado em dimensões. Essas dimensões ajudam o cérebro a reconhecer e a organizar informação sobre objetos, sendo centrais na organização neuronal do conhecimento, guiando e orientando o nosso comportamento em relação a objetos”, diz o tal comunicado. Ou seja, detalha o investigador, “quando vemos um objeto, muito possivelmente o nosso cérebro processa as imagens e o resultado desse processo poderão ser essas dimensões que depois poderão ser usadas para reconhecer os objetos”. Ou seja, classificamos mentalmente de acordo com o material de que é feito, a forma, função. Vamos assim criando uma espécie de gramática de dimensões que depois nos permite reconhecer objetos.

“Quando percecionamos o que está à nossa volta vamos colocando o que vemos dentro de um espaço mental multidimensional. É desta forma que organizamos a informação no cérebro. Isto significa que, quando reconhecemos um objeto ou o distinguimos de um outro, o que fazemos é navegar neste espaço mental multidimensional e assim distinguir as várias entradas (ou seja, objetos) neste espaço”, explica Jorge Almeida no comunicado. “Esta descoberta permite prever o comportamento humano face a objetos e explicar as respostas neuronais do cérebro a esse comportamento.”  Não posso (ainda) dizer que doei o meu corpo à ciência. Mas aqueles 40 minutos de sofrimento parecem-me agora dos mais nobres da minha vida.

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