Futebol, o parente pobre dos Jogos Olímpicos?: «Vivemos numa bolha»

2 meses atrás 63

Ciclos de quatros anos, sonhos e objetivos de uma vida. Para milhares de atletas, competir nos Jogos Olímpicos é o auge da carreira. O futebol, no entanto, passa praticamente despercebido durante este tão belo evento.

Se no feminino ainda vemos muitas estrelas, no masculino o cenário é bastante mais cinzento. Regras limitadoras e clubes firmes nas suas ambições não permitem a muitos jogadores terem esta especial experiência. FIFA e Comité Olímpico Internacional, numa cooperação difícil, não se escondem na troca de farpas.

Como treinador e jogador, Nelo Vingada e André Martins representaram as cores portuguesas no futebol em diferentes olimpíadas. A dias de Paris 2024, recordam ao zerozero aventuras de características diferentes, mas com o mesmo sentimento de orgulho.

Melhor prestação portuguesa aconteceu em 1996 @Getty / David Cannon

«O contacto com outros atletas foi inexistente»

Após quase 70 anos de ausência, o regresso do futebol luso aos Jogos Olímpicos em 1996 coincidiu com a melhor prestação na história, um quarto lugar. Nelo Vingada liderou essa equipa portuguesa e explicou ao nosso portal os desafios que encontrou para montar esse grupo de jogadores.

«Em 1996, as regras já eram as mesmas em comparação com o cenário atual, mas só podíamos levar 18 jogadores. Acho que foi uma prestação bastante positiva, pois era uma geração que tinha ficado marcada negativamente após a má prestação no Mundial Sub-20 da Austrália, competição em que Portugal chegou como bicampeão», começou-nos por contar.

«Foi desafiante montar aquela equipa. É difícil fazer a opção entre levar atletas mais experientes nas vagas de +Sub-23 ou premiar quem participou na qualificação. A seleção A participou no Euro 1996, competição que acabava a tempo dos jogadores depois participarem nos Jogos Olímpicos.»

«Jorge Costa [n.d.r em recuperação de lesão], Luís Figo, Rui Costa e João Vieira Pinto estiveram na nossa lista e mostraram entusiasmo. Mas a desilusão foi grande pelo contexto da eliminação com a Chéquia e a sobrecarga física ia ser pesada, mesmo com descanso pelo meio. Acredito que um ou dois se tenham arrependido porque não tiveram nova oportunidade de estar nuns Jogos. Tinha sido mais um ponto bonito nas suas brilhantes carreiras.»

qO futebol nunca teve um grande peso no contexto olímpico.

Nelo Vingada

«A Argentina levou o Diego Simeone, o Brasil nomes como Aldair, Rivaldo e Bebeto. Foi uma decisão difícil e custou-me muito deixar de fora o Nuno Afonso, que se juntou mais tarde. Os clubes não metiam restrições como agora e decidimos levar o Rui Bento, o Capucho e o Paulo Alves nas vagas destinadas aos atletas mais velhos. Acrescentaram qualidade e experiência ao grupo, com frescura por não terem estado no Europeu», confessou.

Com estádios espalhados fora de Atlanta, o espírito olímpico foi reduzido para a comitiva portuguesa. Uma logística que obrigou a viagens e uma experiência que o treinador apenas vivenciou mais tarde na carreira.

«Não ficamos na Aldeia Olímpica e nenhum jogo foi em Atlanta (risos). Até tivemos sorte na logística pois fizemos todos os jogos da fase de grupos em Washington, onde ficámos instalados num hotel. Ainda fomos a Miami e terminámos a prova em Sanford, não muito longe da sede do evento.»

«O contacto com atletas de outras modalidades foi inexistente, experiência que só tive em 2014 nos Jogos Asiáticos, na cidade de Incheon [República da Coreia]. Foi pena não termos esse convívio em 1996», admitiu, deixando-nos com a sua visão do futebol neste contexto.

«O futebol nunca teve um grande peso no contexto olímpico. É algo histórico e ligado à origem dos Jogos. Não deixa de ser uma experiência relevante para os jogadores, ainda por cima naquele ano foi um regresso após a participação, por convite, em 1928. Fica o lamento de não termos conseguido a medalha, porém, estivemos a um bom nível», recordou.

«Uma experiência que todos os futebolistas deviam ter»

20 anos mais tarde, a tarefa de Rui Jorge aumentou bastante de dificuldade. O selecionador apenas conseguiu contar com 11 dos 35 atletas pré-convocados para os Jogos Olímpicos de 2016, no Rio de Janeiro. Foi preciso ginástica para fechar o grupo e André Martins preencheu uma das três vagas para atletas acima do escalão Sub-23.

«Não foi muito antes [contactos para a convocatória]. O mister Rui Jorge foi bastante honesto comigo e disse-me que a prioridade eram os jogadores que tinham ajudado na qualificação, naturalmente. Não sendo uma data FIFA, vários colegas não tiveram permissão para ir aos Jogos Olímpicos. A hipótese ficou em aberto e depois acabei por ir», admitiu-nos o médio, cuja oportunidade apareceu num momento importante da carreira.

«Era um momento em que estava sem clube após terminar a ligação ao Sporting. Até acabou por ser importante para mim esse espaço para depois ter a oportunidade no Olympiacos

André Martins foi o jogador mais velho do grupo de 2016 @Getty / Quinn Rooney

Num curto espaço de tempo, a necessidade de montar e trabalhar uma equipa nova. A aventura de Portugal durou até aos quartos de final, com a Alemanha a ser responsável pela eliminação.

«Tivemos cerca de dez dias de preparação em Portugal e ainda um tempo de estágio já no Brasil. A Imprensa falou muito sobre o tema das ausências e, logicamente, as rotinas não eram perfeitas entre nós. Era uma equipa praticamente nova. A verdade é que as coisas não foram assim tão más e estivemos muito bem na fase de grupos», lembrou o jogador de 34 anos.

Ao contrário de 1996, a verdadeira experiência olímpica existiu no Brasil. Aprendizagens e memórias que o ex-Sporting recorda com carinho, raras para um jogado de futebol.

«Na fase de grupos estivemos sempre na Aldeia Olímpica. Uma experiência incrível e que todos os profissionais de futebol deviam ter. Vivemos muitas vezes em bolha no nosso mundo. Privas com atletas de elite de outras modalidades e percebes um pouco a rotina deles. É uma bagagem muito boa. Comportamentos de atletas diferentes dos teus, adaptados aos seus desportos.»

«Cruzar-me com o Rafael Nadal, por exemplo, foi fantástico. Para esse tipo de atletas é mais difícil porque são constantemente abordados para fotografias, etc», recordou.

Para terminar, as dúvidas sobre uma possível forma de facilitar a participação dos futebolistas nos Jogos Olímpicos. 

«Eu percebo o lado dos clubes. Ficas privado de jogadores numa fase de preparação para a época, alguns deles com peso nas equipas. Talvez atrasando os campeonatos fosse mais fácil, mas depois vai cruzar com o problema do grande número de jogos.»

«Não é fácil conciliar isto. Reforço que é uma grande oportunidade e experiência para os jogadores. Foi uma vivência marcante num período de transição da minha carreira», afirmou.

Futsal e Futebol de Praia, sob alçada da FIFA, continuam sem espaço nos Jogos Olímpicos @FIFA

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