Gabão. Ano após golpe de Estado, líder consolida-se sucessor de si mesmo

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"Se fomos capazes de fazer certas coisas em 10 meses, isso significa que podemos fazer muito em sete anos", afirmou recentemente o homem que depôs Ali Bongo Ondimba em 30 de agosto de 2023, imediatamente depois do anúncio oficial das presidenciais no país, que atribuíam ao filho de Omar Bongo o terceiro mandato presidencial consecutivo após a morte, em 2009, do pai, que esteve 42 anos no poder.

"Há uma grande probabilidade de ele se manter no poder com o seu 'selectorado', porque tem um apoio externo reforçado e ninguém abaixo dele pode afastá-lo do poder neste momento", afirmou à Lusa Douglas Yates, professor de Ciência Política na American Graduate School in Paris (AGS), com vários trabalhos publicados sobre o Gabão.

O Gabão prepara-se para festejar com pompa e circunstância esta sexta-feira o primeiro aniversário da queda da dinastia Bongo, e celebrar o líder do golpe de Estado como o seu principal herói.

A 30 de agosto de 2023, uma junta militar - que se denominaria dias depois "Comité de Transição e de Restauração das Instituições" (CTRI) - proclamou na televisão o "fim do regime de Bongo", denunciando uma eleição fraudulenta.

Desde então, o presidente deposto permanece na sua residência em Libreville, "livre de sair do país" segundo as autoridades, "privado de liberdade e de contactos com o exterior" segundo os seus advogados.

Acusados de terem usurpado o poder e pilhado o país, a mulher de Ali Bongo, Sylvia, 61 anos, e o seu filho Noureddine, 32 anos, aguardam julgamento na prisão central de Libreville, em condições denunciadas pelos seus advogados.

Sem se pronunciar sobre o destino da família Bongo, o novo governo diz-se concentrado na transição política e na recuperação económica de um país que é simultaneamente rico, especialmente devido ao petróleo, e subdesenvolvido, atormentado por décadas de má governação e corrupção.

Dois meses após a tomada de posse, Oligui Nguema, fixou um calendário de transição de dois anos, que permitiu que o Gabão regressasse à Comunidade Económica dos Estados da África Central (CEEAC).

Como uma das etapas para a realização de eleições "livres e transparentes", o CTRI organizou em abril um "diálogo nacional inclusivo", do qual resultou um milhar de propostas, apresentadas por quase sete centenas de participantes, todos nomeados pelo Presidente da transição.

A introdução de um sistema presidencial sem primeiro-ministro e a suspensão temporária do Partido Democrático Gabonês (PDG, o partido da dinastia Bongo, que mantém muitos membros na cúpula do Estado) figuram entre as propostas.

Apresentada como uma síntese do diálogo nacional, uma nova Constituição deverá ser publicada nos próximos dias e depois votada pelo Parlamento - transformado em Assembleia Constituinte -- para ser finalmente submetida a referendo até final de 2024.

As eleições deverão decorrer, como prometido pelo CTRI, em agosto de 2025, sendo que o processo de diálogo nacional não só não retirou ao líder do golpe de Estado a possibilidade de se candidatar, como uma campanha nesse sentido vai ocupando espaço.

O CTRI exibe em cartazes gigantescos, expostos na capital, Libreville, esforços para "melhorar as condições de vida" e reclama ter introduzido a gratuitidade das propinas, programas de emprego para os jovens - a taxa de desemprego dos menores de 25 anos aproxima-se dos 40% -, a reabilitação de mais de 600 quilómetros de estradas, o relançamento dos serviços aéreos domésticos, etc.

Nada disto impressiona particularmente Douglas Yates. "O que é que ele [Oligui Nguema] fez desde que chegou ao poder?", perguntou na conversa com a Lusa, para em seguida responder: "Encomendou um novo jato privado para o Presidente".

"Ele está envolvido na habitual grande corrupção, à semelhança do que fizeram os anteriores governantes civis, só que ele não é um governante civil", acrescentou o investigador.

As dificuldades quotidianas no Gabão persistem: cortes regulares de água e eletricidade, custo de vida elevado, problemas de abastecimento.

Habituado a viver do petróleo, da madeira e do manganês, o Gabão não transforma quase nada e importa quase tudo, incluindo fruta e legumes, não obstante as terras férteis e chuvas abundantes.

Um em cada três habitantes do terceiro país mais rico de África em PIB 'per capita' vive abaixo do limiar da pobreza, com menos de dois euros por dia, segundo o Banco Mundial.

O processo de transição encontra-se a meio do caminho, "a meio da ponte", como diz Iates.

"Quando chegarmos ao fim, teremos Oligui Nguema com as suas duas primeiras damas, e com os membros da sua família alargada, que inclui membros do clã Bongo, bem como antigos barões do regime, o chamado 'selectorato' -- de acordo com o 'Manual dos Ditadores' -- e ele será presidente, os membros do 'selectorado' terão feito a travessia em segurança com ele e quando chegarmos ao outro lado da ponte 'plus ça change, plus c'est la même chose' [quanto mais as coisas mudam, mais são a mesma coisa]", vaticinou o investigador.

"E assim, no final da transição, quem vai governar o Gabão? Bem, as pessoas que o possuem", concluiu Douglas Yates.

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