Gérard Depardieu. A inevitável queda do "monstro sagrado"

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Alessandro Bianchi - Reuters

A obscenidade das imagens do documentário "A queda do Ogre", divulgado a 7 de dezembro pelo canal France 2, em que o ator francês de 74 anos é filmado a fazer comentários misóginos e insultuosos sobre as mulheres, veio acentuar a queda do ícone do cinema acusado repetidamente de assédio e agressão sexual e reacender o debate social e político sobre sexismo e violência sexual em França.

Desde que o programa de investigação “Complément d’enquête” da televisão nacional francesa recuperou e revelou recentemente imagens perturbadoras, nunca antes divulgadas, que mostram o comportamento do ator Gérard Depardieu sempre que se encontra na presença de mulheres que o caso está a suscitar agitação social e política em França e no estrangeiro. "As mulheres adoram montar a cavalo. Elas têm a vagina que se esfrega na sela. São grandes putas. Se o cavalo galopar, ela tem um orgasmo", disse Gérard Depardieu, observando uma menina de 12 anos a montar a cavalo, em imagens captadas na Coreia do Norte em 2018.

A reportagem do canal France 2 propôs-se “olhar mais de perto para um monstro sagrado” que revela através de comentários chocantes e grunhidos equívocos uma obsessão evidente por sexo, não poupando sequer uma criança de doze anos, e que é agora não só perseguido pela justiça e pelos media como também por uma reputação manchada.

“J’ai une poutre dans le caleçon !”

🔴 #ComplementDenquete a récupéré des images jamais dévoilées de Gérard Depardieu lors d’un voyage en Corée du Nord en 2018.

L'acteur a multiplié les commentaires obscènes à l’encontre des femmes qu’il croise.

▶️ Ce soir à 23h sur France 2 pic.twitter.com/dtOrb2AHF3

— Complément d'enquête (@Cdenquete) December 7, 2023

O impacto das últimas semanas foi tal que o grupo público France Télévisions divulgou na véspera do natal a autenticação oficial das imagens exibidas.

"Não há dúvida nem ambiguidade sobre o facto de que a jovem da imagem é alvo dos comentários de Gérard Depardieu", adiantou o grupo de televisão pública em comunicado de imprensa. As imagens foram autenticadas por um oficial de justiça que fez o visionamento dos rushes (imagens brutas, sem edição)."Atitude que envergonha a França"

Na sequência da emissão do programa, a ministra francesa da Cultura, Rima Abdul-Malak, denunciou uma “atitude que envergonha a França” e considerou que todas as homenagens futuras ao ator serão “problemáticas”, tendo em conta "comentários absolutamente chocantes feitos nesta investigação", em declarações ao canal BFM TV. 

"Uma atitude que pretende ser uma piada e uma provocação, mas que é de facto desrespeitosa e indigna e que envergonha a França, porque ele é um monumento do nosso cinema em todo o mundo", lamentou a ministra.No mês de dezembro no canal France 5, Rima Abdul-Malak avançou que seria instaurado um “processo disciplinar” contra o ator francês pela Grande Chancelaria da Legião de Honra para analisar a retirada da mais alta condecoração francesa que lhe foi concedida em 1996. No sábado, 16 de dezembro, Gérard Depardieu anunciou que colocaria a sua Legião de Honra “à disposição” da ministra francesa da Cultura.

Do outro lado do Atlântico, no Canadá, a Ordem Nacional do Québec decidiu expulsar o ator devido aos “comentários escandalosos feitos diante das câmaras que chocaram a opinião pública internacional, e com razão. O seu comportamento mancha a reputação dos membros da Ordem”, anunciou o primeiro-ministro canadiano da província francófona, François Legault, num comunicado de imprensa.

“Caça ao homem” contra Depardieu
Apesar de poucas vozes se terem levantado em defesa de Depardieu, o presidente francês Emmanuel Macron distanciou-se da decisão do seu Governo de considerar a destituição da Legião de Honra ao ator,
na sequência da divulgação de imagens obscenas e sexistas e das acusações de assédio e abuso sexual de que é alvo, alegando que isso equivaleria a um julgamento mediático e não constitucional. "Há uma coisa em que nunca me vão ver, que é a caça ao homem. Detesto isso", afirmou o presidente francês, na quarta-feira.

No programa “C à vous” do canal televisivo France 5 Emmanuel Macron denunciou o que considera ser uma “caça ao homem” contra Gérard Depardieu e repreendeu a sua ministra da Cultura, Rima Abdul-Malak, por ter dado “um passo em frente” ao mencionar a possibilidade da retirada da Legião de Honra. Uma vez que considerou a Legião de Honra é uma condecoração “que não serve para dar lições”. "Não é com base numa reportagem ou nisto ou naquilo que retiramos a Legião de Honra a um artista, porque então teríamos retirado a Legião de Honra a muitos artistas", sublinhou Macron.

Numa posição oposta à ministra da Cultura, Macron confessou ser “um grande admirador de Gérard Depardieu (...) um grande ator" que “deu a conhecer a França, os nossos grandes autores, as nossas grandes personagens em todo mundo (…) faz com que a França se orgulhe”.

Esta posição está a ser fortemente criticada, tanto pelas feministas francesas que denunciaram a indulgência do presidente francês e um recuo na luta contra a violência contra as mulheres. "Estamos claramente numa cultura da violação, num discurso que pretende inverter a culpa: Gérard Depardieu já não é o caçador, o predador, são as mulheres que caçam os homens, que os têm como alvo", reagiu Anne-Cécile Mailfert, presidente da Fondation des femmes, em declarações à agência France Presse (AFP).

Como por personalidades da política francesa, como o antigo presidente François Hollande, que disse que o que se “esperava” de Emmanuel Macron era que "falasse das mulheres (atacadas e humilhadas) e não dissesse apenas que era um grande ator", numa entrevista à radio France Inter. "Não, não estamos orgulhosos de Gérard Depardieu", sublinhou Hollande.

Acusado de violação e agressão sexual

O ícone do cinema francês, conhecido por interpretar papéis como o inspetor Maigret (2022) e Cyrano de Bergerac (1990), nega as 13 acusações de violação e agressão sexual de que foi acusado por colegas mulheres, todas elas profissionais de cinema, em abril de 2023, numa grande investigação do site Mediapart. Depardieu considera estar a ser alvo de "linchamento". “Finalmente quero dizer-vos a verdade. Eu nunca, nunca abusei de uma mulher”, escreveu Gérard Depardieu, numa carta aberta publicada no jornal Le Figaro, em outubro.

O site de investigação Mediapart decidiu avançar com uma investigação, depois de o ator ter sido formalmente acusado, em dezembro de 2020, de ter violado e agredido sexualmente a jovem atriz Charlotte Arnould no verão de 2018. 

Também em setembro deste ano, a atriz Hélène Darras denunciou o ator por uma agressão sexual que terá ocorrido em 2007 e mais recentemente a jornalista e escritora espanhola Ruth Baza apresentou uma denúncia contra o ator francês por violação, alegadamente ocorrida durante uma entrevista em 1995.

Na sequência da difusão da reportagem “A queda do Ogre”, no início deste mês, a família do ator denunciou uma “conspiração sem precedentes” contra Gérard Depardieu, numa carta publicada pelo Le Journal du Dimanche (JDD). “Utilizar as provocações verbais de Gérard para apoiar outras acusações é extremamente desonesto” considerou a família. 

Na véspera da difusão da reportagem, a 6 de dezembro, a atriz francesa Emmanuelle Debever, uma das primeiras mulheres a ter acusado Gérard Depardieu de abusos sexuais, morreu em Paris com 60 anos. O caso está a ser investigado pelas autoridades francesas.

O ator franco-russo, de 74 anos, que segundo denunciou a investigação do canal France 2 "tem sido protegido pela sua aura e pela sua omnipotência na 7ª Arte” está atualmente nas mãos da justiça francesa nos processos das atrizes Charlotte Arnaud e Hélène Darras.

c/agências

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