Gilberto Silva: o drama de defender Ben Arfa e um ordenado em sacos de supermercado

2 meses atrás 59

*com Vítor Hugo Monteiro

Lealdade… uma palavra tão nobre quanto ações de quem a valoriza e põe em prática. 

O futebol, esta modalidade igualmente portentosa e assombrosa, apresenta um historial muito próprio no que toca a estas demonstrações de amor ao símbolo. Francesco Totti, Gary Neville, Paolo Maldini, Paul Scholes, Xavi Hernández e Javier Zanetti são, já conhecidos, exemplos de que é possível entregar o nosso coração a uma camisola.

Em Portugal, também existem casos destes. Gilberto Silva, ícone do SC Covilhã, também tem somado momentos especiais. Nascido em Guimarães, a 294.5 km das beiras, o médio deixou uma enorme marca nos serranos. 12 épocas e 440 jogos com a camisola dos leões da serra ao peito, lançam o nosso entrevistado para o hall of fame do clube. Além de ser o atleta com mais jogos pelo SC Covilhã, é, também, o que tem mais partidas na Segunda Liga.

[Veja a primeira parte da entrevista aqui]

Parte II - Ai destino, ai destino...

Zerozero (ZZ): Deu os primeiros passos no Os Sandineses, clube da sua terra, mas rapidamente passou para o Boavista. Como foi morar longe dos pais desde cedo?

Gilberto Silva (GS): Não foi nada fácil. Era um miúdo da terrinha. É complicado sair de casa aos 11/12 anos, principalmente para um sítio que não conhecemos. Por outro lado, foi um voto de confiança e responsabilidade que os meus pais colocaram em mim. Fui aprender num grande clube como é o Boavista, mas foi complicado deixar tudo.

ZZ: São várias as épocas de formação pelo clube do Bessa e, pelo meio, há um Campeonato da Europa de Sub-17, onde participa. Na meia-final, defronta a França com nomes como Hatem Ben Arfa, Samir Nasri, Jerémy Menéz e Karim Benzema. Como foi a experiência?

GS: Foi completamente impressionante ver a qualidade que eles tinham com aquela idade e mais tarde vieram confirmar. O jogo deles passava mais pelo Nasri e Ben Arfa, era uns foras de série. Eu nessa seleção joguei a lateral direito e apanhei o Ben Arfa a extremo-esquerdo. Cruzámo-nos muitas vezes e foi demais. Eram muito irreverentes e partiam a loiça toda. 

ZZ: Apesar disso, a seleção portuguesa também tinha qualidade. Quem acha que podia ter dado mais na carreira?

GS: O Rui Gomes, que jogou comigo no Boavista. Tinha uma enorme qualidade. Podia, sem dúvida, ter tido uma carreira brilhante. A nível de qualidade conseguia aproximar-se bastante ao Samir Nasri, até por ocuparem a mesma posição. Destacava-se bastante.

ZZ: Voltando à sua passagem para sénior, acaba por ir emprestado para o Penalva do Castelo (III Divisão) e volta para o Boavista para se estrear na I Liga. Como foi o processo?

GS: Na época em que saio emprestado para o Penalva, faço a pré-época com a equipa principal do Boavista, na altura às ordens do mister Jesualdo Ferreira. Acharam por bem me emprestar e reagi com naturalidade, percebi o plano. O mister Carlos Agostinho ofereceu me um lugar no Penalva do Castelo e fui.  A estreia pelo Boavista foi um sonho concretizado. Garantimos a manutenção no campo, mas administrativamente o clube acabou por cair. Não foi fácil para um jovem que queria dar passos seguros na carreira. Apesar destes problemas todos, não nos faltavam com nada. Éramos um grupo muito forte, mesmo com mentalidade à Boavista.

ZZ: E como um mal não chegava, o Boavista volta a sofrer uma hecatombe. Desce para a (extinta) II Divisão B agora desportivamente, o após uma derrota frente ao SC Covilhã que, futuramente, representaria. Nota curiosa: do outro lado estava Paulo Campos, jogador que acabou por ser capitão dos axadrezados.

GS: Ao ver o meu trajeto foi uma das coisas que me apercebi. É um sentimento estranho... o futebol tem destas coisas, nunca sabemos o amanhã. Foi uma temporada muito complicada, principalmente porque chegaram muitos estrangeiros que não faziam ideia do quão grande era e é o Boavista. Essa grandeza tem-se visto nestes anos. A massa associativa fazem valor o nome: são umas autênticas panteras, nada os quebra, é sempre até ao fim. 2008/2009 foi muito complicado, faltou imensa maturidade no plantel. Nesse ano, a pedido do treinador, até a lateral esquerdo joguei. 

Gilberto Silva frente a Ángel Di María @Arquivo pessoal

ZZ: Com esta descida, vai duas épocas para o Chipre. Como era o campeonato na altura?

GS: Mal o Boavista desceu a primeira vez, pude logo ir. Na altura não quis mudar-me porque queria muito auxiliar o clube naquele momento difícil. Era uma excelente proposta, mas o Boavista significava muito para mim e optei por ficar. Com a queda para a II Divisão B ficou tudo muito indefinido e tive mesmo de sair. Ingressei num clube que acabara de subir ao primeiro escalão e apostava muito na manutenção. O campeonato, na altura, tornava-se ainda um pouco do que é hoje. Já existia o APOEL, que dominava tudo. Agora já não é assim e aquilo evoluiu muito.

ZZ: Trouxe histórias engraçadas na bagagem?

GS: Lembro-me de uma no momento. Recebi o meu primeiro ordenado no Chipre em sacos de supermercado. Ninguém podia tirar a mais, estava tudo contadinho ao pormenor. O presidente era uma pessoa com uma personalidade e comportamentos bastante singulares.

ZZ: Concluídas essas duas temporadas, sai para o GD Oliveira de Frades, clube que representou antes de chegar ao SC Covilhã. Como se dá esta passagem?

GS: Vim embora do Chipre porque tive uma lesão muito grave no menisco e eles não contavam mais comigo. Foi uma fase dificílima da minha carreira, estive ano e meio sem jogar depois. Bati à porta de várias equipas e não tive oportunidade. Pensei em tudo e mais alguma coisa, até em desistir. Fui tirar um curso de nutrição à procura de um plano b. Só pensava que me tinha que fazer à vida. Um dia, por coisas do universo, o treinador que me orientou (Carlos Agostinho) no Penalva do Castelo convidou-me para me juntar a ele no Oliveira de Frades e fui.

ZZ: Como foi voltar para uma realidade destas?

GS: Olhei para isto como uma oportunidade para agarrar. Avisaram que não me podiam pagar muito e aceitei por ir. Paguei o meu certificado internacional para me inscreverem. Ficava lá com alimentação e sítio para dormir. Estive no Oliveira de Frades quatro meses e correu muito bem.

ZZ: Com mais de década feita no SC Covilhã voltou, por fim, ao Os Sandineses. Porque tomou esta decisão?

GS: Sou daqui de Guimarães e senti que as pessoas me queriam cá. Entra aqui, também, a minha ligação a esta instituição no passado. Sinto que nunca fiz nada por eles, devido a ter saído muito jovem. Estas coisas do futebol levam nos a voltar. Esta é a casa onde tudo começou.

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