Graça guardou Linha do Norte durante 34 anos e a sua Aguda "nunca devia ter ficado assim"

1 mes atrás 63

"Quase toda a gente tem carro, mas há muita gente que não tem alternativa, e o posto de saúde é do lado de baixo, os bombeiros são do lado de baixo, isto nunca devia ter ficado assim, mas quem sou eu"?

É Maria da Graça Teixeira, a última guarda da passagem de nível da Aguda, função que ocupou residindo à beira da linha de 1969 a 2003, e hoje substituída por uma muito contestada passagem superior pouco enquadrada com a arquitetura e o urbanismo da zona residencial e balnear.

"Fui eu que fechei a passagem antiga pela última vez, no dia 26 de março de 2003. Acho que sou a pessoa indicada para dizer alguma coisa", asseverou à Lusa no apeadeiro da Aguda, num dia cinzento condizente com as duas torres de elevador e da passagem pedonal superior instalados no local pela Infraestruturas de Portugal (IP), já apelidados de "mamarrachos", "escarros arquitetónicos" ou "Muros de Berlim".

Vários moradores da Aguda contaram à Lusa que os elevadores têm estado avariados e sido alvo de atos de vandalismo, o que condiciona fortemente a mobilidade na localidade, sobretudo para os mais velhos e com limitações.

"Se o elevador estiver avariado, se estiver vento, chuva, as pessoas com carrinho de rodas, deficiências, canadianas, bebezinhos... ninguém pode passar", lamenta Graça Teixeira.

Se "há coisas em que é mais seguro" e Graça dá razão ao argumento para a supressão de passagens de nível - algo muito caro a alguém que viu a vida da madrasta ser tragicamente levada por um comboio ali mesmo - o mesmo não se pode dizer sobre o atual sentimento de segurança, que "desapareceu muito" com a nova infraestrutura.

"Ainda agora vim ali para cima, estava um senhor para entrar [no elevador] e eu fiquei ali à espera a ver se via mais alguém, porque senão estamos sujeitas a chegar lá e a entrar uma pessoa de má intenção. Preferi esperar que outra senhora viesse comigo, senão não ia no elevador", conta, receosa.

Independentemente dos prós e contras, "o pessoal não ficou satisfeito com esta situação, não".

Fernanda Sá, 59 anos, proprietária do mercado local Mercearia Frutaria da Aguda, critica "quem está dentro de um escritório e não sabe que as terras, aldeias e praias precisam de verdade".

"Nós tínhamos uma mobilidade muito melhor que esta de escadas. As pessoas não têm respeito por nada que não seja delas", e numa referência aos bloqueios nos elevadores, "é carregar, carregar, carregar, e se demora mais que cinco segundos, já está tudo avariado".

Com a nova barreira urbanística que pronunciou a já existente da linha férrea, Fernanda diz que a comunidade ficou dividida "entre a Aguda de Baixo e a Aguda de Cima", fazendo com que as pessoas mais velhas, "quando têm de ir ao posto médico, têm que chamar um táxi para ajudar, ou pedir ao vizinho que tem carro para levar".

As dificuldades fizeram-se notar de forma especial no último fim de semana, durante as populares festas da Nossa Senhora da Nazaré, em que o elevador "bloqueou" e as pessoas "entraram em pânico", obrigando à intervenção de bombeiros e polícia.

Nuno Duarte, de 58 anos, contou também à Lusa que um túnel pedonal mais a norte, em Mira, também já `meteu água`.

"Ainda não choveu e já tem entrado água numa altura a cobrir o pé, mais ou menos, e já não é a primeira vez", contou. No local, a Lusa constatou que estavam a decorrer intervenções nas instalações hidráulicas, sentindo-se um cheiro a esgoto no ar.

Foi precisamente por causa dos lençóis freáticos que a IP optou por construir passagens superiores e não inferiores na Aguda e Granja, mas em 2022, perante a indignação popular, ficou protocolado entre a IP e a Câmara de Gaia o estudo de alternativas.

O estudo foi adjudicado à empresa Profico, e a Lusa já questionou a IP sobre quanto tempo demorará a sua execução, bem como acerca dos túneis alagados e das avarias e vandalismo nos elevadores, e aguarda resposta.

Fernanda tem "esperança" numa solução alternativa à da atual passagem superior, insistindo para que "haja alguém com um bocadinho de responsabilidade que saia do escritório", sendo que perante o desespero, os moradores até já têm ideias.

"Nós temos aqui duas passagens de águas que estão tapadas agora pelas paredes do comboio, em que bastava eles virem fazer um estudo topográfico, rebaixavam um metro, davam um de entrada e outro de saída, sem estragar paisagisticamente nada", atira a comerciante.

Já Nuno Duarte fala em "dois tuneizinhos mais para sul", sugerindo que "podiam ter encanado a água, escavado ali um bocadinho enquanto andavam a fazer isto, ficavam ali passagens para peões e num deles até dava para passarem bicicletas".

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