Guião do Portugal - França contempla drama, revolta e um plot twist perfeito

3 meses atrás 68

Marselha, Bruxelas, Munique e Paris. Segue-se Hamburgo, a «pérola junto ao rio Elba». Este podia ser um roteiro turístico apelativo, mas é o guião de um thriller desportivo com 40 anos de enredo, marcados por episódios dramáticos e um plot twist sonhado há demasiado tempo.

Esta sexta-feira, Portugal volta a ter um jogo em que o orgulho é distinto; é com a França, nos quartos de final do Campeonato da Europa de 2024. Um país que está tão intimamente ligado à história lusa que as emoções se misturam e a palavra «especial» não se diz em vão.  

90 minutos raramente chegam 

Há pouca «normalidade» nos duelos entre portugueses e franceses ao longo das décadas, sobretudo quando o palco e o momento são de importância maior. Em três dos quatros jogos a eliminar entre Portugal e França, os 90 minutos regulamentares não bastaram; foi preciso drama extra. 

Este é um filme sobre dramatismo puro, memórias e traumas intemporais. 

Vélodrome, 23 de junho de 1984

O primeiro é ainda hoje um clássico difícil de ignorar. Depois do sonho amargo de 1966, em Inglaterra, Portugal voltava a uma fase final de um grande torneio após um longo período de irrelevância futebolística.  

O caminho voltaria a levar a seleção nacional até às meias-finais e ao drama de Marselha, onde dois golos de Rui Jordão carregaram de esperança a alma lusitana. Depois de 90 minutos e um empate (1-1), Jean-François Domergue e Michel Platini, com um golo aos 119 minutos, acabaram por derrubar o sonho português (3-2). Estava escrito o primeiro ato. 

Bruxelas, 28 de junho de 2000

© Getty / OLIVIER MORIN

Dezasseis anos depois, o trauma de 84 estava ainda bem presente na memória coletiva do povo português. Jogava-se o Euro 2000 e a seleção orientada por Humberto Coelho encantava pela qualidade e injetava uma confiança pouco comum a um país habituado a não acreditar. 

A caminhada estava a ser perfeita – ainda hoje a única fase de grupos 100 por cento vitoriosa -, mas na mesma meia-final, os mesmos franceses. E mais uma vez, 90 minutos não chegaram. Um golo de Nuno Gomes deu vantagem a Portugal, mas Thierry Henry empatou na segunda parte. Prolongamento, pois claro. 

Em 2000, imperava a regra do «golo de ouro»; um castigo insuportável para quem caísse, impotente perante a última batida do relógio. O resto, é dor lusitana. A mão de Abel Xavier, o desespero de Luís Figo e o penálti de Zidane, convertido aos 117 minutos. Marselha em Bruxelas, 16 anos depois. O trauma crescia. 

Munique, 5 de julho de 2006

© Nick Potts - PA Images / Getty Images

Por esta altura, o historial trazia peso aos duelos. Havia 84 e 2000 e um coração que continuava a sangrar. Portugal vinha do mágico 2004 – com a sua própria história de sofrimento -, mas Luiz Felipe Scolari tinha solidificado a crença que vinha, pelo menos, desde a era Humberto Coelho. E 40 anos depois, a seleção portuguesa voltava a uma meia-final de um Campeonato do Mundo, em 2006.

Pois bem, em Munique chegou o terceiro ato com a França. Com memórias ainda frescas, desta vez a sina ficou decidida no tempo regulamentar. Mas o paralelismo com 2000 é evidente. Um penálti e um golo de Zinedine Zidane, ainda na primeira parte, foi o ato suficiente, mais uma vez, para travar a ambição portuguesa às portas da final.  

Seria preciso a paciência de mais uma década. 

Paris, 10 de julho de 2016

© Global Imagens / Gerardo Santos

O plot twist no thriller que atormentava Portugal desde 1984. O cenário? Poético. Em Paris, o coração pulsante de uma França imbatível, a história quis ajustar contas. Depois de três noites gloriosas para os Les Bleus nos 32 anos anteriores, a vitória suprema dos «oprimidos».  

É escusado explanar os factos dessa noite. A lesão de Cristiano Ronaldo, os deuses da fortuna naquela bola no poste de Gignac e o remate de Éder, ao minuto 109. Tudo isto é tatuagem coletiva, uma parte da identidade nacional. Ao terceiro prolongamento, Portugal puxou a felicidade para si.

Campeões da Europa, mes amis!

E agora?

© Getty / TIBOR ILLYES

Quatro atos, contados ao longo de 40 anos. Os quatro maiores, numa história que ainda contempla o jogo de 2021, em Budapeste, na fase de grupos do Euro 2020 (2-2) e os dois duelos da Liga das Nações, meio ano antes (0-0 e derrota portuguesa por 1-0).  

A contabilidade é, porém, ainda mais vasta do que os sete jogos oficiais. Desde 1926, Portugal e França encontraram-se em 28 ocasiões, 21 das quais em encontros de caráter particular. O saldo é claro: 19 triunfos gauleses contra apenas seis de Portugal.  

Fica, então, a questão dos tempos modernos: terá 2016 mudado a perceção dos duelos com a França? Esta sexta-feira, que fantasmas entrarão em campo? Os de Marselha, Bruxelas ou Munique? Ou o ato libertador de Paris? Hamburgo ditará a resposta. 

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