Há cada vez mais lixo espacial e menos espaço no Espaço

2 meses atrás 70

A primeira conscientização do problema surgiu no início dos anos 1960, com base em pesquisas iniciais realizadas nos Estados Unidos da América. Mas demorou algum tempo para abarcar toda a comunidade internacional.

Só em meados da década de 1970, através de conferências organizadas pela Federação Internacional de Astronáutica é que começou a surgir a consciência do lixo que as viagens espaciais, bem como o envio de satélites, deixavam pelo espaço.

Donald Kessler, em 1978, foi o primeiro a alertar para as consequências da geração de lixo espacial, devido a colisões e explosões em órbita. Problemas que levariam a um aumento exponencial na quantidade de objetos artificiais no espaço, criando uma reação em cadeia que tornaria os voos espaciais perigosos demais para serem realizados.E não podia estar mais correto.

A primeira conferência dedicada aos detritos espaciais foi realizada em 1982, organizada pela Administração Nacional da Aeronáutica e Espaço (NASA), seguida pelo primeiro workshop sobre a reentrada de detritos espaciais, em 1983, organizado pela Agência Espacial Europeia (ESA), em resposta reentradas na atmosfera terrestre da primeira estação espacial norte-americana Skylab (1979) e do satélite espião russo Cosmos-1402, em 1983.

Toda a informação técnica sobre detritos espaciais, desde as reentradas até às fragmentações em órbita, bem como testes de impacto, foi reunida por várias entidades ligadas a esta área durante grande parte das décadas de 1970 e 1980. No entanto, a dimensão global da questão exigia a transferência de conhecimento bilateral, o que começou por iniciativa da NASA.

Essas trocas entre especialistas resultaram em reuniões multilaterais e levaram à criação do Comité de Coordenação Interagências de Detritos Espaciais (IADC), em 1993, fundado pela ESA (Europa), NASA (EUA), NASDA (agora JAXA, Japão) e RSA (agora Roscosmos, Federação Russa).

Com o decorrer do tempo, mais nove agências se juntaram ao IADC desde então: ASI (Itália), CNES (França), CNSA (China), CSA (Canadá), DLR (Alemanha), KARI (Coreia do Sul), ISRO (Índia), NSAU (Ucrânia) e UKSA (Reino Unido).

O IADC foi fundado como um fórum para troca técnica e coordenação em questões de detritos espaciais e hoje pode ser considerado o principal órgão técnico internacional no campo de detritos espaciais.

Os detritos espaciais também têm sido um item recorrente na agenda do Subcomité Científico e Técnico do Comité das Nações Unidas para o Uso Pacífico do Espaço Exterior (UNCOPUOS) desde 1994.

Qual é o tamanho do lixo espacial?

A resposta a esta pergunta é variada, pois os detritos podem ser tão pequenos quanto minúsculos fragmentos de tinta ou pedaços de metal, que se desprenderam dos veiculos espaciais. Mas também existem os grandes detritos, que podem ir desde restos de lançadores que vagueam em órbita a satélites inteiros já inoperacionais. O lixo mais comum em órbita é pouco maior que um centímetro, mas são verdadeiras balas que viajam a mais de 28 mil km/h no espaço, podendo destruir satélites ou atingir por exemplo futuros habitats humanos.

A ameaça dos detritos espaciais para o futuro dos voos espaciais, combinada com a adoção quase universal da Convenção de Responsabilidade, criou a necessidade de um conjunto de medidas internacionalmente aceitas de mitigação de detritos espaciais.

Um passo importante foi dado em 2002, quando o IADC publicou as Diretrizes de Mitigação de Detritos Espaciais do IADC e as apresentou ao Subcomitê Científico e Técnico do UNCOPUOS.

Este documento tem servido desde então como base para documentos de política não vinculantes, legislação nacional e como ponto de partida para a derivação de padrões técnicos, bem como um conjunto consistente de medidas fundamentais para enfrentar o problema.

No entanto, a padronização das medidas de mitigação é importante para alcançar uma compreensão comum das tarefas necessárias, levando a processos transparentes e comparáveis.

Para abordar as questões colocadas pelos detritos espaciais nas atividades de voo espacial, o UNCOPUOS tomou a iniciativa de criar um conjunto de diretrizes internacionalmente acordadas para a sustentabilidade a longo prazo das atividades no espaço exterior.

Estas diretrizes contêm recomendações sobre os marcos políticos e regulatórios para as atividades espaciais, a segurança das operações espaciais, regras de engajamento para a cooperação internacional, capacitação e conscientização, pesquisa e desenvolvimento científicos e técnicos.


Exploração espacial com regras, mas nem todos as cumprem

A designada “última fronteira” está cada vez mais acessível e apetecível. Desde a entrada dos privados nesta área, são muitos os que querem chegar ao espaço. Mas se há países que ainda conseguem exigir a prática determinadas regras no envio e material para o espaço, há outros que a vontade e ambição política fala mais alto, colocando de lado os problemas ambientais resultantes dessas iniciativas.

Entre os vários problemas atualmente existentes temos o envio cada vez maior de pequenos satélites para órbita (constelações), sendo que na última década, o número de objectos em órbita mais que duplicaram, voando sobre nossas cabeças perto de 35 mil objectos. Se referir os milhões de fragmentos resultantes de lançamentos e colisões involuntárias.

E se tivermos em conta que neste momento temos vários país a apostarem nesta área, não respeitando muitas das regras implementadas, o problema do lixo espacial em redor da Terra vai aumentar, colocando em causa, além do material existente em órbita, futuras missões espaciais.

A designada órbita baixa da Terra (low Earth orbit - LEO) é uma zona ao redor da Terra com um período de cerca de 128 minutos, em que os objetos artificiais localizados nesta região realizam, pelo menos 11,25 órbitas por dia. 

A maioria destes objetos artificiais localizam-se nesta região espacial até uma altitude de 800 km da superfície terrestre. Uma altitude que obriga a uma correção permanentemente dos objectos devido a influência da força gravitacional que o planeta Terra exerce sobre estes.

O termo região LEO também é usado para a área do espaço abaixo de uma altitude de 2.000 km (cerca de um terço do raio da Terra). Objetos em órbitas que passam por esta zona, mesmo que tenham um apogeu mais distante ou sejam suborbitais, são cuidadosamente rastreados, pois apresentam risco de colisão com os muitos satélites em LEO.

Nenhum voo espacial tripulado, além das missões lunares do programa Apollo, ocorreram além da LEO. Todas as estações espaciais que existiram até hoje operaram geocentricamente dentro da LEO.

Um dos princípios fundamentais das directrizes, na diminuição de detritos espaciais é remover objetos das regiões protegidas na zona de órbita baixa e órbita geocêntrica, com uma alta taxa de sucesso para aquelas órbitas onde o mecanismo gravitacional natural está ausente (35.786 km).

Na prática, um alvo comum para essa taxa de sucesso é estabelecido em 90 por cento, com base nas condições de tráfego espacial correspondentes à primeira década do milénio e com o objetivo de desacelerar a taxa de criação de detritos espaciais.

Assim, é um primeiro passo valioso em direção à sustentabilidade espacial, mas por si só não reduzirá a quantidade de detritos em órbita, e precisará aumentar para quase 100 por cento num futuro próximo.

Entre 20 e 65 por cento das cargas úteis, excluindo voos espaciais tripulados, que atingiram o fim da vida útil durante a última década, na região protegida de LEO, numa órbita não compatível, cumprem já as medidas de exclusão de detritos espaciais.

Também os corpos dos lançadores que atingiram o fim da vida útil durante a década atual, na região protegida de LEO, tentam cumprir estas medidas, mas que ainda ronda entre os 40 e os 90 por cento, com a tendência de conformidade aumentando linearmente.

Mas estes valores seriam de alguma forma positivos se não houvesse também a colocação de material espacial em GEO.

Aqui e segundo este relatório da Agência espacial Europeia, entre 25 e 55 por cento dos corpos do lançadores e que entregam cargas úteis nesta região protegida de GEO ou perto dela, durante a última década têm estado em conformidade com as medidas de mitigação de detritos espaciais.

Sendo que entre praticamente todas as cargas úteis, que atingiram o fim da vida útil durante a última década nesta região, cumprem as medidas em vigor, com tendência de aumento de forma consistente, mas com exceções notáveis em 2015 e 2022.

Exploração espacial requer regulamentação a nível global

Em maio último, também o presidente da Agência Espacial Portuguesa, Ricardo Conde, defendeu a necessidade de regulamentação a nível global para uma gestão sustentável das atividades espaciais e controlo do lixo espacial.

Em declarações à agência Lusa à margem da conferência internacional organizada em parceria com a Agência das Nações Unidas para os Assuntos Espaciais, o responsável da PTSpace indicou que no início da próxima década haverá mais de 150 mil satélites em órbita.

"Estamos a viver de facto um problema de corrida exponencial, com uma atividade comercial muito intensa, problemas de lixo espacial. Este consenso que é necessário ter sobre este problema torna isto um assunto emergente e é preciso regulamentação a nível global", afirmou.

De acordo com Ricardo Conde, quando se observam detritos ou partes de satélites a reentrar na atmosfera terrestre, é "a parte boa da notícia", já que o grande objetivo é conseguir que "reentre tudo", de forma controlada e mitigando os riscos.

Para evitar acidentes, ou por negligência ou por falta de coordenação a nível internacional, torna-se necessário "regular o acesso ao espaço" e adotar boas práticas para retirar o lixo depois da utilização dos equipamentos.

"Estamos a viver um momento em que é preciso atuar em três frentes; a primeira é monitorizar, é mitigar o lixo espacial, para evitar as colisões, a segunda é implementar práticas para que aquilo que se coloque lá em cima se retire passado o tempo de vida", explicou.

E a aventura espacial ainda agora está a dar os primeiro passos.
Ler artigo completo