Podia ter sido deles, os franceses, que organizavam a prova e que, repletos de craques, começaram por alicerçar vitórias em Payet, antes de Pogba e Griezmann pegarem na batuta. Podia ter sido deles, os alemães, que eram campeões do Mundo e que também tinham um leque impressionante de, ao mesmo tempo, bons jogadores e vencedores natos. Podia ter sido deles, os espanhóis, ainda com muita cultura de vitória e com alguns restos de tiki-taka assente em Iniesta. Podia ter sido de italianos, de belgas, de ingleses ou de croatas, os primeiros encantadores da prova. Mas não. Aquela seria diferente. Seria para premiar a mudança de paradigma de um país habituado às vitórias morais e às mortes na praia. À beira-mar plantados, seria para eles, os portugueses. Com a tecnologia a entrar no futebol pela linha de golo, a maior novidade da competição foi o alargamento a 24 equipas, no formato que teve o Mundial durante várias edições (até 1994), o que permitiu que várias seleções se estreassem numa fase final: Irlanda do Norte, País de Gales, Albânia e Eslováquia (curiosamente, só albaneses não passaram o grupo). Mesmo assim, houve a enorme ausência de uma Holanda em crise e não sobrou espaço para Sérvia, Dinamarca ou Bósnia. Um alargamento que permitiu, é bom recordar, que alguns terceiros classificados se pudessem apurar. Na multicultural e multirracial França, a organização da prova decorreu sem os problemas financeiros de casos anteriores, mas a segurança estava na ordem do dia. Os atentados de 13 de novembro de 2015 em Paris estavam frescos na memória e, por isso, a operação foi apertadíssima para que nada fugisse do controlo das autoridades. Grupos pela lógica No futebol, com prémios bastante chorudos (eis a lista monetária, segundo a qual Portugal ganhou 25,5 milhões de euros), assistiu-se a uma fase de grupos com o equilíbrio a ser nota dominante. Aliás, o facto de nenhuma seleção ter feito nove pontos e de apenas a Ucrânia não ter pontuado é exemplificativo. Payet começou muito bem @Getty / Lars Baron Bale e Coleman no estreante Gales @Getty / Ian Walton Alemanha e Polónia têm, por toda a carga histórica, uma enorme rivalidade, mas, no grupo C, houve uma espécie de pacto de não-agressão no duelo entre ambos (0x0), na segunda jornada. Um empate que acompanhou duas vitórias das duas seleções mais fortes do grupo, perante uma Ucrânia dececionante e uma Irlanda do Norte que, à conta de jogos perdidos pela margem mínima e de um triunfo contra os ucranianos, passou aos oitavos. Uma nação que foi um dos campeões fora de campo, em demonstrações fantásticas de como fazer do futebol uma festa, e que teve como principal referência um jogador... que nem sequer jogou: Will Grigg, avançado do Wigan, teve um dos cânticos marcantes da prova, mas não foi opção em nenhum jogo. Perisic deu a vitória contra a Espanha O grupo E teve a Itália a entrar muito afirmativa, ao ganhar à constelação de estrelas da Bélgica, com uma exibição prometedora dos muito experientes jogadores que Conte escolheu (um recorde em Europeus). De Ibrahimovic espera-se sempre muito, mas o capitão da Suécia foi outro dos que se despediram da respetiva seleção sem brilho. Não marcou e os suecos ficaram em último lugar, vendo os apaixonados irlandeses, com o veterano Robbie Keane, serem terceiros com 4 pontos. Finalmente, o grupo de Portugal, onde a equipa de Fernando Santos foi uma verdadeira deceção. Três jogos, três empates, liderança para outros e apuramento à justa. O selecionador português foi dizendo que só contava voltar para casa após a final, mas os sinais eram bastante preocupantes. Mesmo com Cristiano Ronaldo, o melhor do Mundo na altura, a equipa era sôfrega, inconstante e inconsistente. E nem falamos de um grupo da morte, pelo contrário: Islândia, Hungria e Áustria davam toda a ideia de passeio luso, que não aconteceu. Quando a decisão final chegou, Portugal tentava ainda o primeiro lugar, sabendo que o segundo era, em teoria, pior que o terceiro, já que o emparelhamento de jogos então praticamente definido ditava um trajeto muito mais complicado por esse trajeto e muitos não tiveram dúvidas em afirmar: foi o golo de Traustason, islandês que deu a vitória à sua equipa contra uma Áustria desesperada à procura da vitória, que proporcionou a Portugal um trajeto propício ao título. De segundos para terceiros, os portugueses passavam sem festa e em alerta. Queda de candidatos Quaresma saiu do banco para marcar @Getty / Clive Mason A Polónia, como referido, também passou, nos penáltis contra a Suíça, a Bélgica passeou contra a Hungria (0x4) e a Alemanha fez o mesmo contra a Eslováquia (3x0). Com mais dificuldades, a França, com Pogba a comandar e Griezmann a tratar de escalar a lista dos melhores marcadores (acabou como artilheiro, com seis), deu a volta à República da Irlanda (2x1), tal como o País de Gales, que ganhou à Irlanda do Norte (1x0). No jogo mais aguardado desta fase, a Itália superiorizou-se à Espanha (2x0), depois de ter feito descansar quase todos os titulares no fim da fase de grupos, e confirmou-se como candidata. Islândia deixou marca @Getty / Matthias Hangst Quartos dos golos Nestas alturas decisivas, esperam-se equipas mais fechadas, cautelosas e cansadas, e menos golos, mas não foi isso que se viu. Desde logo, a França enviou para casa os marcantes islandeses (5x2), enquanto o País de Gales ganhou definitivamente a distinção de estreante vencedor, ao eliminar de forma surpreendente a Bélgica (3x1), numa reviravolta que mostrou o melhor de Ramsey e a força de Robson-Kanu. Itália caiu nos penáltis @Getty / Alex Livesey Duelo do Real e dupla final Ronaldo fez o seu terceiro golo, contra Gales @Global Imagens / Gerardo Santos No dia seguinte, Marselha acolhia a que muitos indicavam como final antecipada. Entre a anfitriã França e a campeã do Mundo Alemanha, quem ganhasse provavelmente levava o troféu. Outra vez à boleia de Griezmann, os franceses voltaram a apurar-se para a final, como já tinha acontecido no Euro 84 e no Mundial 98, também em sua casa. Éder, o herói improvável @Global Imagens / Gerardo Santos