HÓQUEI PATINS | Paulo Freitas em entrevista: as ideias, as praxes e os objetivos

6 meses atrás 58

Está Tudo Hóquei - O Podcast: falamos com os jogadores, treinadores e olhamos de uma forma própria para a modalidade. Vamos olhar para os jogos que se avizinham, falar com os protagonistas e ouvir as histórias.

O episódio desta semana do podcast do zerozero Está Tudo Hóquei saiu do estúdio e viajou até ao Luso. Trouxemos as câmaras e fizemos o pequeno passeio que os jogadores da seleção nacional habitualmente fazem quando estão em estágio. Ao nosso lado esteve o selecionador nacional, Paulo Freitas.

Neste episódio quisemos revelar o lado escondido do público em geral do treinador de 55 anos que já ganhou praticamente tudo na carreira. Vasculhámos algumas memórias, falámos da família, mas também do jogo. No regresso do pavilhão, como tantas vezes os jogadores vão assistir, tivemos uma reunião tática... A sessão de vídeo sobre o adversário fica para mais tarde, quem sabe.

zerozero: Paulo Freitas estamos às portas do Grande Hotel do Luso, local que lhe traz boas memórias, pois foi campeão da Europa com o Sporting nesta localidade e esteve instalado neste hotel. É homem de superstições? Já pediu à federação para ficar no mesmo quarto?

Paulo Freitas: Não pedi, sinceramente não pedi e tão pouco sei dizer qual foi o quarto. Sei a zona do hotel em que fiquei, mas não sei dizer qual foi o quarto. Não tenho esse tipo de superstição.

zz: Não há uma única?

PF: Eu acredito muito no trabalho, no compromisso do grupo para chegar aos objetivos da equipa. Sinceramente, não tenho grande coisa de superstições. No entanto, há uma altura do aquecimento da equipa em que recolho ao balneário, fecho a porta, estou ali dois minutos sozinho, muitas vezes a olhar para a camisola dos atletas. Às vezes dou por mim a olhar para determinada camisola e a desejar o que aquele jogador me pode trazer...

zz: É uma espécie de reza...

PF: São dois minutos... Não, não é uma reza. Talvez, noutros tempos tenha tido algumas superstições, mas fui perdendo isso...

zz: Porque houve algum dia em que as coisas não aconteceram, como tinham acontecido anteriormente...

PF: Também... Por isso é que digo que não me lembro sequer do quarto.

zz: Esta localidade é muito especial para o hóquei patins, para ti também, mas ainda mais atrás, quando o pai Paulo Freitas vinha cá trazer os filhos, Pedro e Tiago, para os centros de treino de Portugal.

PF: Sim, verdade. Eu vinha aqui trazer os rapazes, vinha aqui apenas como espectador, nunca para ver os treinos, era só mesmo para os deixar. Agora é com um olhar diferente.

zz: Eles dizem-lhe alguma coisa? Sobre o seu estilo de jogo? Sobre o que deve fazer? Sobre os novos jogadores?

PF: Eles são parte integrante da modalidade, têm as opiniões deles, são dois rapazes completamente diferente. Gosto dos dois da mesma forma, mas são completamente diferentes: um muito expansivo, o outro mais reservado...

zz: O que beberam de si como guarda-redes?

PF: O Pedro acho que muita coisa, pois é mais velho, ainda me viu nas balizas e acompanhou alguma coisa. O Tiago muito pouca coisa. O Tiago é mais impulsivo, mais explosivo, enquanto o Pedro tem outra forma de agir. Por muito que por dentro ele esteja a remoer, é a tranquilidade em pessoa. Mas acima das personalidades, vivem o hóquei patins intensamente, gostam muito da modalidade, entregam-se muito e querem muito continuar a fazer carreira no hóquei.

zz: O Luso é um local muito pacato e dá esta tranquilidade ao próprio treino e jogo. Quando esteve cá com o Sporting, as deslocações eram diferentes, tinham de ir de autocarro para o jogo, apesar desta curta distãncia. Mas, em tempos de seleções, a comitiva vai para o pavilhão a pé. O que dá aos jogadores este momento?

PF: É um local que nos deixa reservados, conseguimos estar em total foco com o que queremos fazer e desenvolver. Até este momento de vir a pé do hotel para o pavilhão é importante, pois são pequenos momentos que nos permitem ter algumas dinâmicas de grupo...

zz: Já pensou em fazer algum tipo de geocaching nas ruas?

PF: (Risos) Seria engraçado... Mas é um trajeto que também nos permite fazer sozinho. Porque os atletas podem querer ter os seus momentos, muitos deles são pais e querem aproveitar estes períodos para pensar na família... Somos todos diferentes e estes períodos são muito pessoais. Se houver atletas a querer vir sozinho para o pavilhão, vem sozinho, se quiser vir em grupo, vem em grupo e com isso haverá espaço para brincadeira, para lazer e potenciar o grupo. É uma vila que nos dá a possibilidade de criar aqui um bom trabalho.

zz: Os jogadores falam recorrente das praxes que fazem aos jogadores novos. Neste grupo há o Xavier Cardoso e o Gonçalo Pinto, mas também há uma equipa técnica. Acha que eles vão fazer algum tipo de praxe ao treinador?

PF: No que diz respeito aos atletas, estão à vontade para fazer. Relativamente à equipa técnica, acho que vão ser um bocadinho mais comedidos. Acredito que possam tentar alguma coisa, mas sinceramente, acho que já não tenho idade para rapar o cabelo... Vamos deixar fluir, acima de tudo isso. Vou ficar expectante...

zz: Os jogadores depois de saberem disto, podem programar alguma coisa. Se calhar nunca pensaram que podiam fazer alguma praxe ao treinador...

PF: Então agradeço que tenham algum cuidado... As opções podem ser sempre alteradas... (risos)

zz: Foi evoluindo como treinador e pessoa ao longo dos últimos: como é o Paulo Freitas de agora?

PF: Há momentos para tudo. As pessoas sabem que eu sou muito exigente, reconheço isso, e talvez devesse, por vezes, não ser tanto. Sou muito exigente com o compromisso, com o detalhe, gosto que a equipa toda saiba o que tem de fazer. Fora da pista, não sou diferente da generalidade das pessoas.

Paulo Freitas, durante a gravação da entrevista com o zerozero, no Luso @Gonçalo Pinto - zerozero

zz: Menos brincalhão agora?

PF: Gosto de boa disposição, gosto de criar bom ambiente, gosto de, às vezes, meter-me nas brincadeiras dos atletas, sujeitando-me a ouvir coisas que depois me levam a pensar que já não posso estar ali. Por vezes, há momentos em que se mistura algum desconforto que veio da pista, mas isso também ajuda a perceber o grupo e as ideias dos jogadores. Sou uma pessoa bem disposta, sou uma pessoa de grupo. A individualidade de qualquer pessoa, jogador ou equipa técnica, nunca vai ser prioridade. Tem de ser sempre o coletivo.

zz: No Sporting levou os seus jogadores a jogar em Paintball e uma recruta, no OC Barcelos também fez um treino de tropa. O que se pode esperar na seleção nacional?

PF: Recordo-me que no Sporting o staff não pôde estar presente. Começou numa sexta-feira e terminou de sábado para domingo, o nosso staff só foi ter com os jogadores no sábado e quando chegámos lembro-me de ver algum desespero dos atletas a descerem de uma ladeira e virem na minha direção a questionar o que tínhamos feito. Mas foi criado ali uma dinâmica brutal, com grandes ensinamentos. Houve momentos de tensão, nesse encontro... Não é fácil acordares às três da manhã, com disparos dentro de uma caserna, todo o grupo de trabalho ir para dentro de uma piscina, ao frio - eles estavam todos juntos, agarrados uns aos outros, por causa do frio -, com uma pessoa no exterior a declamar poesia. Foram momentos que permitiram ao longo da época atingirmos a superação.

zz: E para fazer com este grupo?

PF: Temos algumas coisas pensadas, mas tudo a seu tempo. Vai ser colocado na preparação para o Mundial, estamos a planear tudo e esse aspeto também é importante: criar dinâmicas de grupo, haver as dependências grupais.

zz: Se pudesse ir ao baú de memórias pegar em alguma coisa para trazer para este momento, o que trazia?

PF: Não estava à espera dessa pergunta... Ia buscar que veio a perder-se, mas eu sei que continua a existir em grande dose: a grande paixão e o grande carinho que o povo português tem pelo hóquei patins. Isto é fundamental para todos percebermos, aqui no nosso grupo de trabalho, do privilégio que é estar aqui e da nossa responsabilidade em trazer alegrias para o povo português.

Paulo Freitas é o novo selecionador nacional de Portugal @Gonçalo Pinto - zerozero

zz: Foi uma resposta política, mas parece-me uma boa resposta. Agora vamos olhar para a parte tática. A primeira pergunta é direcionada para ideia concebida de ser um treinador defensivo...

PF: Temos sempre de perceber o que é mais importante para atingir determinado objetivo. Se me perguntarem o que eu gosto, pode não ser o mesmo da ideia que tenho de passar atingir as nossas metas. O mais importante é sempre ganhar. Para ganharmos o que precisamos? Essa sempre é a pergunta. Para ganharmos podemos não precisar do que eu gosto, relativamente ao jogo que temos de colocar em pista, a verticalidade, a forma rápida como temos de abordar a baliza adversária, a forma constante como temos de pressionar o adversário... Isso, provavelmente, vai fazer com que tenhamos de ter outro tipo de postura para estarmos mais próximos de atingir o sucesso. Essa ideia foi criada ao longo dos tempos, depois de verem o comportamento dos meus atletas na pista, mas o facto é que as coisas resultaram. Parafraseando alguém, que já disse isto: Qual é a melhor tática? É aquela que resulta e a que resulta é que conquista e ganha de forma sustentada. Temos de ter um compromisso com a vitória e o êxito, com a nossa vitória e o nosso êxito, por isso temos todos de deixar cair o eu, a começar por mim, que sou o treinador.

zz: Pegando no quadro tático, imagine-se no primeiro dia de trabalho e na primeira conversa com os seus jogadores: qual vai ser a estrutura que vai colocar no quadro?

PF: Há algumas ideias muito claras. A primeira é que ninguém está fora do processo defensivo. Toda a gente tem de estar comprometida com este momento do jogo, seja quando estamos a defender em 4x4, seja no momento da perda da bola no ataque, onde todos temos de estar sintonizados, para evitar que a equipa adversária possa criar situações de profundidade e criem, apenas, situações de lateralidade. A partir do momento em que isto acontece, os atletas têm de saber que esta é a primeira vitória.

zz: O que nos está a querer dizer, é que saída pelos corredores é algo que não quer que aconteça, numa primeira fase.

PF: Temos de ser agressivos na ocupação do espaço e não pensar em atacar a bola. Quando perdemos a bola, temos de atacar os espaços, para conter a equipa adversária, com o claro objetivo de os trazer para a nossa meia pista defensiva. Acontecendo isso, é sinal que as coisas estão a correr bem e vamos trazer um adversário para uma zona onde entendemos que somos fortes. Queremos colocar dificuldades na organização ofensiva da outra equipa, para recuperar a posse de bola e tentar fazer o que não queremos que os adversários nos façam: sair rápido, para tentar encontrar alguma descompensação na equipa adversária.

qTemos de ser agressivos na ocupação do espaço e não pensar em atacar a bola

Paulo Freitas, selecionador nacional de Portugal

zz: Essa vai ser a primeira ideia. Qual é a ideia no aspeto ofensivo organizado?

PF: Não vou esconder que temos de nos adaptar aos adversários.

zz: Mas a história diz-nos que as suas equipas, dificilmente, deixam de ter dois homens atrás. Há outros treinadores que procuram outro tipo de rotação. Quando está a mandar no jogo, que ideia quer que Portugal coloque em prática?

PF: Temos de ser uma equipa equilibrada. Intensa, dinâmica, a colocar a bola a andar rapidamente, não podemos ter atletas a passar e a ficar parados, têm de procurar os desequilíbrios, para haver lances de 1x1. Portanto, temos de procurar esse tipo de lances, sem esquecer o que referi antes, que passa por saber ocupar os espaços, para quando perdermos a bola, de forma conter a transição ofensiva dos adversários. Esse é um elemento muito importante no jogo, atualmente. Se em alguns casos podemos estar mais tranquilos, porque a definição pode não ser a melhor, noutros casos é oposto, por isso temos de ter muitas cautelas, para não ficarmos intranquilos.

zz: De forma prática, num ataque organizado, como quer ver Portugal a jogar?

PF: Todos os jogadores devem saber os lugares a ocupar, por vezes numa ação a três, o quarto elemento tem de ter a capacidade de saber onde deve estar, para o adversário não fugir da marcação e ajudar os seus colegas no capítulo defensivo. As ações a dois funcionam da mesma maneira. Temos de pensar numa construção coletiva, para depois potenciar as individualidades.

zz: Saber criar perigo.

PF: Exato. Imagina: estamos a atacar com quatro jogadores, a bola pode entrar na parte de trás da baliza adversária e a partir desse momento é necessário os homens de trás saberem o trabalho que devem fazer, nomeadamente prender os adversários na sua marcação, para potenciar as ações dos jogadores que estão mais perto da baliza. Esses jogadores devem trabalhar bem entre eles, para o colega mais recuado, do lado oposto, possa surgir mais perto da área. Aí ganharemos mais uma opção ofensiva e simultaneamente o jogador que subiu no terreno, levou um adversário e fez com a zona de baliza, onde estão os atacantes, não ficassem tão congestionado com adversários. Isto, partindo da leitura que o adversário tem uma marcação individual.

zz: O que difere uma marcação à zona?

PF: A marcação zonal foi desaparecendo, talvez porque o atleta não está tão predisposto a isso, o jogo ficou mais rápido. Agora, necessariamente, este tipo de marcação é muito diferente da marcação homem-a-homem.

Paulo Freitas
7 títulos oficiais

zz: Pensa nisso para algum momento?

PF: Sim, claro que sim. Acima de tudo, temos de estar preparados para tudo o que nos aconteça durante o jogo.

zz: Inclusive um 5x4 durante o jogo?

PF: Sim. Tenho de estar preparado para isso. Se me pergunta, se acredito nisso? Isso, é outra questão. Ainda por cima com um resultado equilibrado? Tiro o chapéu a quem o fizer... E acrescento, em jeito de brincadeira, até agradecia que o fizessem... Mas das questões táticas, nós temos de ter todo o jogo preparado. Temos de saber como saber defender a situação de 1x2, onde devem se posicionar, quer a primeira, quer a segunda ajuda a chegar. Temos de saber como vamos defender o 2x3, que espaço vamos ocupar, para não haver problemas. Temos de saber quais os momentos de pressão... Temos de ter tudo preparado a este ponto...

zz: É a tal sorte que dá muito trabalho.

PF: Exatamente. Assim como temos de estar preparados para a situação de under play. Saber quais são os jogadores que devem estar em pista, em determinado momento. Nós não vamos meter nada no jogo que não tenhamos trabalhado nos treinos.

Portugal

Paulo Freitas

NomeJoão Paulo Freitas

Nascimento/Idade1968-06-03(55 anos)

Nacionalidade

Portugal

Portugal

FunçãoTreinador

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