Húbris

7 meses atrás 55

No último ano verificou-se em Portugal uma alteração sísmica das condições jurídicas em que os profissionais organizados em ordens podem exercer a sua atividade. Trata-se de um universo de praticamente meio milhão de votantes. Advogados, médicos, engenheiros, arquitetos, economistas, num total de 20 profissões ditas liberais, estão, desde a aprovação da Lei 12/2023, de 28 de março, sujeitos a um conjunto de normas e restrições cuja formulação desafia a credulidade dos mais benevolentes.

Não é que as ordens profissionais não precisassem de novas regras e de uma limitação adequada dos poderes de autorregulação, particularmente no domínio disciplinar e do acesso às respetivas profissões. Na Ordem dos Advogados, que é a instituição deste tipo que melhor conheço, estão pendentes milhares de processos disciplinares, e a formação parece controlada por redes de interesses pouco recomendáveis. Impunha-se, pois, uma reforma. Isso era uma coisa. Outra, bem diferente, é aquilo que o Partido Socialista fez.

O PS, seguro da sua maioria absoluta, aprovou sem rebuço a lei-quadro acima referida e, já este ano, os subsequentes diplomas que alteram os estatutos das ordens, ignorando desta forma os vetos presidenciais e até as chamadas de atenção de organizações internacionais, como sucedeu, no caso dos advogados, com o Conselho das Ordens dos Advogados Europeias (CCBE). É a velha húbris: quero, posso e mando.

Os socialistas justificaram o conteúdo da legislação com as exigências de Bruxelas, designadamente para efeitos de desembolsos das verbas do PRR. Isso era em parte verdade. Mas nada nos documentos da Comissão Europeia, da OCDE ou da nossa Autoridade da Concorrência previa, por exemplo, uma autoridade de supervisão constituída em 60% por individualidades estranhas à ordem em causa. E menos ainda previa a extensa lista de poderes de tal autoridade de supervisão em matéria disciplinar, de organização do estágio, da remuneração dos titulares dos órgãos da Ordem, etc.

O PS revelou através desta legislação maximalista até onde vai a sua sede de controlo dos profissionais liberais e a patente incapacidade para resistir às teses hiperliberais do mercado. A ideologia do mercado livre foi sempre um instrumento para promover novos interesses, mesmo que seja à custa do declínio social e institucional das comunidades afetadas. O PSD votou contra esta legislação. Mas também o Chega e o PCP o fizeram. Muitos dos 450.000 profissionais por ela afetados não se esquecerão disso no próximo dia 10 de março.

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