Um democrata dos pés à cabeça, de esquerda ou de direita, pode ter muitas dúvidas sobre a elite do Partido Democrata. Pode duvidar da sua capacidade política, da sua visão estadista, na versão americana, obviamente muito pouco socialista. Também pode achar que, no caso de Kamala, há ali uma agenda esquerdista, ‘woke’, como gostam de dizer alguns intelectuais, o que, diga-se, pelo que se viu até agora, não é verdade. Pode não gostar das piadas brejeiras de Obama, das mentirolas de Bill Clinton ou da nata de Hollywood, dos bairros chiques e liberais de Nova Iorque, que financia Kamala. O tal democrata, dos pés à cabeça, pode ter essas dúvidas todas ou tão-só embirrar com essa malta armada em boa. Parece que são dúvidas de Hugo Soares, líder parlamentar do PSD. Mas comparar Kamala com Trump, pôr na esfera da relatividade o voto entre este e aquela, não é apenas uma declaração de escassa inteligência política. Lança a sombra de uma imensa dúvida sobre o apego de Soares a valores que são pilares da democracia: a verdade, a igualdade entre pessoas, a recusa da violência e da polarização, a crença num mundo de paz, tolerância e liberdade, o exercício do poder sem abusos. Não é uma questão menor: legitima a dúvida sobre o apego de Soares à própria ideia de democracia. É que, caso Soares não tenha ainda percebido, Trump não é um democrata.
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