Inocência Esfaqueada: Estamos a criar uma geração de vítimas e agressores?

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O Silêncio Ensurdecedor da Sociedade Portuguesa

Um aluno de 12 anos esfaqueia seis colegas numa escola da Azambuja. O choque inicial dá lugar a uma pergunta incómoda: como chegámos a este ponto? Este incidente não é um caso isolado, mas sim o reflexo de uma epidemia silenciosa que assola as nossas escolas.

O Pesadelo que se Tornou Realidade

Na terça-feira, 17 de setembro de 2024, a Escola Básica 1, 2 e 3 de Azambuja viveu momentos de terror. Um aluno de 12 anos, armado com uma faca, feriu seis colegas. Uma menina ficou em estado grave. O agressor foi detido, mas por ser menor de 16 anos, não responderá criminalmente. Este episódio chocante é apenas a ponta do iceberg de um problema muito maior.

 A Realidade Assustadora dos Números

Um estudo recente da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro revela dados alarmantes: 68% dos adolescentes portugueses entre 12 e 18 anos foram vítimas de comportamentos agressivos na escola. A violência psicológica lidera com 92% dos casos, seguida pela violência física com 82%. Mais perturbador ainda, 64% dos jovens admitiram já ter praticado algum ato violento contra um colega. Estamos a criar uma geração de vítimas e agressores?

 O Aumento Preocupante da Violência

No ano letivo 2022/2023, a PSP registou 3.824 ocorrências em escolas, um aumento de 9% em relação ao ano anterior. Os crimes que mais aumentaram foram ofensas corporais, injúrias e ameaças. A violência não discrimina: afeta todos os anos escolares e ambos os sexos. Rapazes tendem a sofrer mais agressão física, enquanto raparigas são mais afetadas por violência psicológica e sexual.

 As Razões do Aumento da Violência

O aumento da violência nas escolas portuguesas pode ser atribuído a vários fatores:

Desigualdades sociais crescentes: A crise económica tem exacerbado as diferenças socioeconómicas, criando tensões que se manifestam no ambiente escolar. Exposição à violência nos media: A constante exposição a conteúdos violentos em jogos, filmes e redes sociais pode dessensibilizar os jovens. Falta de recursos nas escolas: Muitas escolas carecem de profissionais especializados, como psicólogos e assistentes sociais, para lidar com problemas comportamentais. Pressão académica: O aumento da competitividade e das expectativas académicas pode gerar stress e comportamentos agressivos. Bullying cibernético: Com o aumento do uso de tecnologia, o bullying expandiu-se para o espaço digital, tornando-se mais difícil de controlar. A visão polarizada e radical promovida pelas redes sociais, tudo cada vez mais se resume a sim ou não, preto ou branco, com uma luta desenfreada pela defesa de um ponto de vista ou do seu oposto.

 As Consequências Devastadoras

Para as vítimas de bullying a escola torna-se um ambiente de medo, insegurança e humilhação. A “microviolência” diária pode ter efeitos mais devastadores que um único ato grave de violência. Há uma relação clara entre violência e insucesso escolar em muitas escolas. Estamos a comprometer não apenas a segurança, mas também o futuro educacional das nossas crianças.

 Efeitos a Longo Prazo da Violência Escolar

Os efeitos da violência escolar podem perdurar muito além dos anos de estudo:

Saúde mental: Vítimas de bullying têm maior risco de desenvolver depressão, ansiedade e baixa autoestima na vida adulta.

Desempenho académico e profissional: O trauma pode afetar o rendimento escolar e, posteriormente, as oportunidades de carreira.

Relações interpessoais: Dificuldades em formar e manter relacionamentos saudáveis na vida adulta.

Comportamento antissocial: Agressores têm maior probabilidade de se envolver em comportamentos criminosos no futuro.

Ciclo de violência: Vítimas podem tornar-se agressores, perpetuando o ciclo de violência.

 A Resposta Inadequada da Sociedade

Apesar da gravidade do problema, a resposta tem sido insuficiente. O programa TEIP (Territórios Educativos de Intervenção Prioritária) e o Programa Escola Segura são iniciativas importantes, mas claramente não estão a resolver o problema na sua totalidade. Especialistas destacam a necessidade urgente de programas de prevenção e intervenção não só com alunos, mas também com pais/encarregados de educação e profissionais escolares.

 O Papel da Tecnologia: Solução ou Parte do Problema?

Perante este cenário de violência, surge outro debate: o uso de telemóveis nas escolas. O Governo português recomendou recentemente a proibição do uso e entrada de telemóveis nas escolas para alunos do 1º e 2º ciclos. Esta medida visa criar um ambiente escolar mais favorável à aprendizagem e ao desenvolvimento saudável dos alunos.

Impacto da Proibição de Telemóveis no Bem-estar dos Alunos

A proibição de telemóveis nas escolas pode ter impactos significativos:

Positivos:

– Redução de distrações durante as aulas

– Diminuição do cyberbullying no ambiente escolar

– Melhoria nas interações sociais cara-a-cara

– Redução da ansiedade relacionada com as redes sociais

Negativos:

– Possível aumento da ansiedade em alunos dependentes de contacto com os pais

– Dificuldades em situações de emergência

– Perda de oportunidades de aprendizagem digital

– Potencial aumento de conflitos entre alunos e professores sobre a aplicação da regra

 Medidas Específicas para Reduzir a Violência nas Escolas

As escolas podem implementar várias medidas para combater a violência:

Programas de mediação entre pares: Treinar alunos para mediar conflitos entre colegas. Formação em inteligência emocional: Ensinar habilidades de gestão de emoções e resolução de conflitos. Vigilância aumentada: Implementar sistemas de câmaras de vigilância e aumentar a presença de funcionários em áreas propensas a conflitos. Políticas de tolerância zero: Estabelecer consequências claras e consistentes para comportamentos violentos. Envolvimento parental: Criar programas que envolvam ativamente os pais na vida escolar dos filhos. Apoio psicológico: Disponibilizar serviços de aconselhamento para alunos em risco. Atividades extracurriculares: Promover atividades que fomentem o trabalho em equipa e a empatia.

 Violência Psicológica vs. Violência Física nas Escolas

A violência psicológica e física diferem em vários aspectos:

Violência Psicológica:

– Mais subtil e difícil de detetar

– Inclui insultos, exclusão social, humilhação e ameaças

– Pode ter efeitos duradouros na autoestima e saúde mental

– Frequentemente subestimada por adultos

Violência Física:

– Mais visível e imediatamente reconhecível

– Envolve agressões corporais

– Pode deixar marcas físicas, facilitando a intervenção

– Geralmente leva a consequências disciplinares mais imediatas

Ambas as formas de violência são prejudiciais e requerem intervenção, mas a violência psicológica muitas vezes passa despercebida, tornando-a particularmente insidiosa. A violência escolar em Portugal é um problema complexo e multifacetado que requer atenção contínua, investigação aprofundada e intervenções abrangentes envolvendo toda a comunidade escolar. Precisamos de:

1-Programas de prevenção eficazes que abordem as raízes da violência.

2-Maior envolvimento dos pais e da comunidade na vida escolar.

3-Formação adequada para professores e funcionários lidarem com situações de conflito.

4-Um debate sério sobre o papel da tecnologia na educação e na socialização dos jovens.

O incidente na Azambuja deve ser um alerta para toda a sociedade. Não podemos continuar a ignorar este problema. Cada criança merece um ambiente escolar seguro e acolhedor. É hora de quebrarmos o silêncio e agirmos. O futuro das nossas crianças – e da nossa sociedade – depende disso.

“A educação é a arma mais poderosa que você pode usar para mudar o mundo.”

Nelson Mandela

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