Investimento da China na Malásia. Como uma cidade do futuro e paradisíaca passa a cidade fantasma

9 meses atrás 116

How Hwee Young - EPA

Forest City é um ambicioso projeto urbano "futurista" em Johor Bahru, na Malásia, construído em quatro ilhas perto de Singapura. Desde 2016, os quase três mil hectares viram ser construídos dezenas de arranha-céus para albergar quase um milhão de pessoas. Porém, oito anos depois, nem a vista de mar captou clientes e a cidade está pouco mais de um por cento ocupada.

O retrato da cidade de sonho tornada fantasma é traçado por alguns moradores que ainda resistem à desolação local.

Joanne Kaur é uma das poucas residentes da Forest City. Não comprou o apartamento onde vive com o marido no 28.º andar de uma das torres, mas é arrendatária. 

Diz que sente “pena das pessoas que realmente investiram e compraram uma casa aqui. Isto porque, se alguém for ao Google e procurar Forest City, não é o o que se vê aqui, hoje. Este lugar é estranho” descreve Kaur, à BBC.

A história desta cidade do futuro embrulhada em tons de paraíso remonta a 2016.

O projeto, concebido como um espaço de sonho tropical, arrancou com o gigante imobiliário chinês Country Garden. Construído em quatro ilhas artificiais ao longo da costa sul do Estado de Johor, na Malásia, a Forest City, abarca 2.833 hectares. A metrópole foi projetada para mais de 700 mil pessoas.


Forest City | How Hwee Young - EPA

Com vista para Singapura, o empreendimento tinha o foco em cidadãos chineses que desejavam uma casa de luxo numa ilha tropical, com praias contornadas a palmeiras.

No plano de investimento até 2035, a urbe contaria com 100 mil milhões de dólares. Porém, os limites chineses à fuga de capitais para o exterior e a dura restrição fronteiriça pandémica da covid-19 de três anos fizeram com que a procura diminuísse e apenas 280 hectares, ou seja, apenas dez por cento do projeto total foram concluídos.

A acrescentar às dificuldades, o ex-primeiro-ministro da Malásia, Mahathir Mohamad, declarou em 2018 que os estrangeiros não iriam receber vistos para viver em Forest City. Mas os preços de venda estavam fora do alcance da maioria dos malaios comuns e os verdadeiros investidores teriam que ser os chineses.

"Cidade fantasma"

Nazmi Hanafiah tem 30 anos, é engenheiro e há um ano decidiu ir viver para o empreendimento. Seis meses depois abandonou a casa relatando que já conseguia viver no que chamou de “cidade fantasma”. 

“Eu não queria saber do depósito de arrendamento, não me importava com o dinheiro. Eu só precisava de sair dali”, explicou à publicação britânica.

"É demasiado solitário – só eu e os meus pensamentos", vincou. “Para ser honesto, é assustador”, realçou Nazmi. "Eu tinha grandes expectativas para este lugar, mas foi uma experiência muito má. Não há nada para fazer ali”, sublinhou.

A imprensa local continua a exaltar o investimento, mas surgem comentários de compradores junto as publicações a revelarem a frustação: "Isso é muito enganador. A atual Forest City é uma cidade fantasma. Não há pessoas. Está longe da cidade que venderam, tem instalações habitacionais incompletas e é difícil lá chegar sem automóvel".

O centro comercial construído com dimensões significativas está praticamente abandonado. As muitas lojas e restaurantes estão fechados. A praia está deserta e apenas há placas com alertas  contra a natação por causa dos crocodilos | How Hwee Young - EPA

Crise na imobiliária

Depois de anos de empréstimos sem qualquer limitação por parte dos promotores, o Governo chinês resolveu impor restrições rigorosas em 2021. “As casas são para viver, não para especulação”, defendeu o líder chinês Xi Jinping.

Como consequência destas medidas, as grandes empresas ficaram sem dinheiro para concluir os grandes projetos.

Com 186 mil milhões de dólares em passivos totais, a Country Garden não conseguiu pagar 15,4 milhões de dólares de juros sobre as obrigações em dólares, em outubro. De acordo com a Al Jazeera, as dívidas da gigante da construção chinesa forçaram o abandono de dois empreendimentos na Austrália, acabando por serem vendidos inacabádos. No caso, um em Melbourne e outro em Sydney.

Sem acesso novos empréstimos, a Country Garden dificilmente atrairá pessoas para lá viverem e sem "pré-vendas para ajudar a financiar a construção" não se vislumbra conclusão do projeto, sublinha Eveline Danubrata, analista de mercados imobiliários da REDD Intelligence Asia. E assim o surge o ciclo vicioso: "os compradores não investem dinheiro se não tiverem certezas de que no final receberão as chaves do apartamento", remata Danubrata.

O futuro de Forest City e outros projetos de investidores chineses dependem do Governo de Jinping. Nas ultimas semanas houve indicações do Executivo para constituir uma lista de empresas que podem vir a receber apoio financeiro do Governo chinês para contornar a crise imobiliária, e a Country Garden faz parte dos promotores escolhidos.


As ruas permanecem desertas com apenas nove mil pessoas a viver na cidade, projetada para mais de 700 mil | How Hwee Young - EPA

O consultor imobiliário da KGV International, Samuel Tan, explica que a elevada proporção de propriedade estrangeira prejudicou as possibilidades de sucesso de Forest City.

Qualquer projeto em que a maioria seja composta por mais de 40 por cento de estrangeiros está fadado ao fracasso”, argumentou. “[Isso] porque eles não vêm aqui, não ocupam [as propriedades] aqui, não gastam dinheiro aqui”.

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