"A demora neste caso é objetivamente excessiva e vai muito além de outros casos anteriores em que não foi possível iniciar no prazo de 48 horas", afirma Manuel Soares, a propósito da operação por suspeitas de corrupção na Madeira, que levou no dia 24 de janeiro à detenção do presidente da câmara do Funchal, Pedro Calado, e dos empresários Avelino Farinha e Custódio Correia, tendo o interrogatório começado formalmente apenas uma semana depois.
Em declarações à Lusa, o presidente da ASJP assume desconhecer as razões que atrasaram o início dos interrogatórios dos três detidos neste caso, mas, independentemente das razões, subscreve a posição assumida na quarta-feira pelo Conselho Superior da Magistratura (CSM), que sugeriu mudanças na legislação.
Para Manuel Soares, a questão "é muito preocupante e precisa de ser vista rapidamente com atenção".
"Dizem-me que a organização das escalas de turno no Tribunal [Central] de Instrução [Criminal] não garante que o juiz a quem é distribuído o processo para interrogatórios seja o mesmo que já trabalhou nele em fases prévias. Se for assim, isso implica que o juiz precisa de tempo para se inteirar do que está em causa, o que nos processos mais complexos demora tempo. Se é isso, esse sistema de escalas devia ser alterado", observa.
No entanto, alerta para a possível necessidade de rever o prazo do interrogatório ou o modelo em que os detidos aguardam pela diligência, ao salientar que a privação de liberdade durante tanto tempo - quando a legislação prevê 48 horas - não é correta.
"Se não é possível, na prática, por qualquer razão forte e extraordinária, iniciar o interrogatório de um arguido detido logo nas 48 horas ou num prazo curtíssimo e razoável, então tem de haver maneira de fazer cessar a detenção das pessoas ou eventualmente de as colocar em detenção domiciliária, quando isso for possível. Fazê-las aguardar detidas nas instalações da Polícia Judiciária tantos dias não pode estar certo", conclui.
O interrogatório aos três detidos começou na quarta-feira pelas 19h30, no Campus de Justiça, em Lisboa, tendo os trabalhos sido interrompidos trinta minutos depois, após mais um dia marcado por procedimentos ligados ao processo, na sequência das detenções realizadas há já mais de uma semana. A continuação do interrogatório de Custódio Correia ficou marcada para hoje, a partir das 09:30, de acordo com fonte judicial.
Além do CSM, também a Ordem dos Advogados mostrou preocupação com a "existência de detenção de cidadãos/ãs para serem submetidos a primeiro interrogatório judicial, ficando detidos/as por vários dias sem que o interrogatório seja concluído num prazo razoável e proporcional", sem mencionar diretamente este caso.
Em causa nas investigações ligadas à região autónoma da Madeira estão, sobretudo, matérias ligadas à contratação pública, que levantam suspeitas de corrupção ativa e passiva, participação económica em negócio, prevaricação, recebimento ou oferta indevidos de vantagem, abuso de poderes e tráfico de influência.
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