JVP e quando a sorte mudou

3 meses atrás 58

«Palavras à Sorte» é a rubrica diária dos jornalistas do zerozero durante o Euro 2024. Todos os dias, na Alemanha ou na redação, escrevemos um apontamento pessoal sobre a competição e toas as sensações que ela nos suscita.

Podia-se, por cá, achar que eram os maiores. Podia-se, lá fora, olhar para Paulo Sousa, Rui Costa e sobretudo Luís Figo como os melhores. Mas a Europa não estava a ver, nem bem nem mal. O Euro 2000 é, para mim, o grande marco futebolístico. Mais que o promissor Euro 96, mais que o absolutamente angustiante Mundial 2002. Foi em 2000 que, pela primeira vez, senti que Portugal tinha capacidade para fazer parte da elite, e não da linha média. Claro que os alargamentos de participantes ajudaram, mas foi muito mais do que isso. Vou ao detalhe...

Habituados à calculadora e ao fracasso em fases de apuramento, foi atrás da Roménia, de Hagi, que Portugal se posicionou. Deu para ir ao Europeu da Holanda/Bélgica, só que a sorte não podia, em teoria, ter sido mais madrasta do que a que se verificou no sorte. Além dos romenos, a campeã europeia Alemanha e a poderosíssima Inglaterra, carregada por Owen, Beckham e aquela fulgurante Class of 92 que tão bons resultados tinha com Alex Ferguson no Manchester United.

Seria precisamente contra os ingleses o arranque luso, a parecer condimentar todos os receios de quem não estava habituado a estas lides. Scholes marca com muito público ainda à procura do seu lugar. A reação é boa, com duas oportunidades portuguesas, só voltaria a vir da direita inglesa - aquele perfecionismo de cruzamento de Beckham... - o amargo sabor.

Tinha tudo para nem dar para sonhar. O fabuloso pontapé de Figo podia ter sido uma exceção naquele jogo aparentemente só para sabedores ingleses, só que, ainda na primeira parte, surge o momento que tudo mudou. Mudou o emocional do jogo, mudou a sensação do azar do sorte (passou a ser para os outros), mudou o destino de Portugal na participação - para muitos, a melhor seleção daquele verão de 2000. E mudou o futebol português, também traduzido no pequenino (João Vieira Pinto) que se agigantou e, sem ter de se superar em altura (nunca a Portugal se reconheceu superioridade física), superou-se em sabedoria e agilidade na antecipação ao encorpado Sol Campbell.

Não sei exatamente em que ponta do sofá estava sentado, mas sei precisamente tudo o que em mim mexeu aquele golo e aquele jogo. O mais especial de todos os que vi em Campeonatos da Europa. Permitiu-me, qual livro de terapia emocional, acreditar incomparavelmente mais nos meus. Tanto que seria atrás daquele sofá que choraria, incrédulo, perante a França de Zidane. Ou, mais tarde, na escola, quando assisti atónito a todas as peripécias do Mundial asiático, o qual achava que seria ganho por Portugal.

Quando chegou o Euro 2004, mesmo com dois anos de amigáveis, vários maus resultados e muita desconfiança no sucesso das ideias de Scolari, já não foi tão surpreendente a caminhada (quase) triunfal. O Cabo das Tormentas tinha sido dobrado quatro anos antes, com o ponto alto a ser um salto baixo, capaz de inverter a sorte lusitana. Não foi um golpe de sorte, mas mudou a sorte com que se encarou o futuro a partir daí.

Hoje, na Alemanha, e já bem depois de Paris, até podemos ver, no papel, várias outras seleções com o mesmo nível, mas não se ousará distanciar Portugal dos que podem ganhar o Europeu. Por agora, ficarei no sofá, a aguardar o avião dos oitavos de final para ir para a zona de decisão.

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