Kamala e Trump. O que esperar das propostas dos candidatos?

3 horas atrás 21

Numa sociedade fraturada como consequência da galopante polarização, as ideias concretas são, regra geral, relegadas para segundo plano. O que propõem realmente os candidatos?

AFP

Dentro de uma semana, os eleitores americanos serão chamados às urnas para escolher o rumo a ser tomado pela principal potência mundial nos próximos quatro anos.

As diferenças entre os dois candidatos, Donald Trump, do Partido Republicano, e Kamala Harris do Partido Democrata, são por demais evidentes, e o resultado que sairá das urnas no próximo dia 5 de novembro alterará não só a política interna como também poderá ditar uma mudança nas relações dos EUA com o mundo num período de desafios múltiplos. Classificar estas eleições como as mais importantes da história do país pode soar alarmista, mas a verdade é que tanto os Estados Unidos quanto o mundo ocidental atravessam um momento decisivo, e recairá um papel de importância acrescida sobre o próximo líder da Casa Branca.

Dentro dos próprios partidos, os candidatos apresentam linhas de ação diferentes: a candidatura de Kamala consuma uma viragem à esquerda dos democratas, e Trump representa uma nova direita americana – o que ficou confirmado com a escolha de J. D. Vance para a vice-Presidência –, onde o pós-liberalismo vem substituir a doutrina liberal que caracterizou o GOP (Grand Old Party, como é conhecido o Partido Republicano) desde que Ronald Reagan assumiu as rédeas do país em 1981.

A ‘guerra’ entre extrema-esquerda e extrema-direita

Numa sociedade que dá cada vez mais sinais de fratura, consequência de uma polarização galopante, as propostas concretas ficam, muitas vezes, na sombra de ataques pessoais e políticos, com um debate público embriagado pela dicotomia extrema-esquerda/extrema-direita. Mas quais são realmente as propostas de ambas as equipas e que impacto terão nos tecidos económico e social americanos?

Tendo assumido a nomeação democrata de uma forma pouco ortodoxa após a desistência de Joe Biden – cuja incapacidade física e cognitiva, evidente há cerca de dois anos o fizeram cair em desgraça na cúpula do Partido Democrata –, não tendo passado pelo processo natural das primárias, Kamala Harris ficou encarregue de uma campanha que estava, à partida, derrotada. A performance desastrosa do atual Presidente no debate frente a Trump e a tentativa de assassinato ao ex-Presidente obrigaram os democratas a procurar uma solução de urgência, e a nova esperança de uma primeira Presidente revitalizou a campanha.

Contudo, e após o boom nas sondagens na sequência do Congresso do Partido Democrata, a situação estabilizou e Harris tem apresentado dificuldades em clarificar se a sua eventual Presidência será uma continuação da atual administração ou se marcará um ponto de rutura.

A demora em apresentar propostas concretas e as escassas presenças perante os órgãos de comunicação social fizeram aumentar as dúvidas quanto à qualidade da candidatura.

No website da candidatura Harris-Walz, podem já ler-se as linhas principais do programa político desenhado pelos democratas: redução de impostos para as famílias de classe média, foco na redução dos preços da Habitação e no estímulo de pequenas empresas e empresários, enfrentar “agentes maus” e reduzir preços, fortalecer o sistema de saúde e de educação e redução de custos energéticos, focando-se, em simultâneo, no combate à “crise climática”. São propostas que vão ao encontro do que tem sido dito pela ainda vice-Presidente, mas qual será o impacto real? Vamos aos números.

Aumento da despesa pública

A Faculdade Warthon, da Universidade da Pensilvânia, quantificou o impacto, estimando que, de um modo geral, o aumento da despesa pública associado às propostas aumentará o défice primário em 1,2 biliões de dólares nos próximos dez anos. Isto numa base convencional. Numa base dinâmica, onde entra na equação a redução da atividade económica, o valor dispara para os 2 biliões de dólares. O Produto Interno Bruto (PIB) per capita sofrerá uma queda de 1,3% na mesma baliza temporal, e os salários, de forma consequente, cairão na ordem dos 0,8%.

Com estas medidas, as classes baixa e média sairão beneficiadas em detrimento da classe alta no curto-médio prazo, é certo, mas como refere o estudo anteriormente mencionado, “estes ganhos e perdas convencionais não incluem o impacto negativo do peso adicional sobre as gerações futuras, que terão de financiar a maior parte do aumento da despesa”.

Quanto à política externa, Kamala Harris dará, certamente, continuidade à linha de ação da atual administração, principalmente no que à guerra na Ucrânia diz respeito. Mas, no que concerne ao Médio Oriente, Harris tem uma bota difícil de descalçar, e o seu discurso não tem sido claro. A vice-Presidente propõe um cessar-fogo, mas não explica em que termos e ignora o facto de o Hamas ter rejeitado um plano proposto pela sua própria administração. A falta de clareza no discurso pode dever-se a pressões da esquerda mais radical, uma fação do eleitorado que Harris não quer perder, e procura na ambiguidade a retenção dos moderados – os quais não se pode dar ao luxo de perder.

Quanto à política comercial, bastante semelhante à de Donald Trump, por sinal, nada aponta para que Kamala proceda a um alívio das tarifas às importações – algo que, apesar de ajudar alguns setores de produção nacional a curto prazo, será prejudicial para todos, principalmente para os consumidores.

Ir a votos pela terceira vez

Donald J. Trump é o candidato republicano pela terceira vez consecutiva. A sua influência no partido, juntamente com o facto de ser o rosto de um novo republicanismo, tornaram as primárias deste ano numa mera formalidade.

No website da campanha republicana são apresentadas as linhas gerais do projeto que Trump e Vance se propõem a seguir nos próximos quatro anos. O plano foca-se na “reconstrução da maior economia do mundo”, no “comércio justo para o trabalhador americano”, na segurança das fronteiras, na “guerra aos cartéis de droga”, na luta contra o crime, na rejeição do globalismo e no apoio aos veteranos de guerra. A lista é completada com propostas para “defender o Direito e a Liberdade”, para “acabar com a censura e reivindicar a liberdade de expressão”, para garantir “eleições livres, honestas e legais” e, por fim, para “drenar o pântano de corrupção de Washington”. Há também uma menção à redução dos custos dos cuidados de saúde.

Voltando à análise quantitativa da Faculdade de Warthon, estima-se que as propostas de despesa e de impostos da campanha republicana poderão aumentar o défice primário em 5,8 biliões de dólares nos próximos dez anos numa base convencional. Numa base dinâmica, o número ficaria nos 4,1 biliões de dólares.

Quanto ao PIB per capita, os analistas da Universidade da Pensilvânia estimam que crescerá em dez anos, reduzindo posteriormente, e concluem que “os agregados familiares com rendimentos baixos, médios e elevados em 2025 e 2034 terão todos melhores resultados com as propostas da campanha numa base convencional”. À semelhança da análise às propostas de Harris, “estes ganhos e perdas convencionais não incluem os encargos adicionais com a dívida das gerações futuras”.

Entregar a Ucrânia à Rússia

Em termos de política externa, Trump garantiu o apoio total a Israel, mas é na Ucrânia que cresce a controvérsia. O republicano já exigiu, em várias ocasiões, aos parceiros da NATO que cumpram os 2% de gastos em defesa estabelecidos pela aliança, ameaçando deixá-los por contra própria frente a uma eventual ameaça russa.

Mas a sua principal bandeira de política externa é mesmo a garantia de que colocará um ponto final no conflito russo-ucraniano em 24 horas. A resolução passa por uma negociação entre Kiev e Moscovo e, como explicou Vance, seria proposto que os territórios até agora ocupados passariam a ficar sob alçada russa, bem com a criação de uma zona desmilitarizada ao longo das atuais linhas de combate. A Ucrânia manter-se-ia neutra e a Rússia comprometer-se-ia a respeitar a soberania territorial dos ucranianos. É um plano controverso e que poderá servir os objetivos de Vladimir Putin, deixando Zelensky pressionado a aceitar, sob a consequência de não receber mais ajuda americana, sem a qual não consegue resistir.

O republicano leva uma ligeira vantagem nas sondagens, mas a eleição que mudará o rumo da principal potência mundial está longe de estar decidida.

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