Lições das Europeias 2024

3 meses atrás 71

Dá ideia de termos vergonha de afirmar e defender a língua portuguesa – chique é falar “estrangeiro”. Negligenciámos a sua defesa no dossiê das marcas e no das patentes, lesando gravemente o estatuto internacional da nossa língua.

Tudo espremido, as Europeias 2024 não trouxeram nada de muito novo. O pecado foi pô-las em confronto com as últimas legislativas, na busca de uma consolidação de posições ou da inversão da relação de forças – não só pelos principais contendores, mas também pela generalidade dos comentadores e da comunicação social, que bem contribuíram para o funeral eleitoral.

Os gráficos que publico mostram a pouca história. Mostram dados das três últimas eleições europeias, intercaladas pelas legislativas de Março passado. O pico, para alguns partidos, no gráfico do número de votos, deve-se ao facto de, sendo menor a abstenção nas legislativas, o número de votos ser normalmente mais alto – ainda assim, há curiosidades.

Nas europeias, o PS foi o vencedor, mas não teve grande vitória. Neste século, o PS ganhou todas as europeias, menos a de 2009; e, quando ganhou, fê-lo folgadamente – nas últimas, com vantagem de 120 a 170 mil votos. Agora, ganhou somente por 38.000 votos – e baixou a percentagem de 33,4% para 32,1%. A AD não ganhou, mas subiu muito: quase 300.000 votos a mais e mais três pontos percentuais, para 31,1% – um bom resultado para a liderança e para o cabeça-de-lista. PS e AD alcançaram percentagens superiores às legislativas. Porém, é nos outros partidos que os resultados têm mais significado: o Chega não conseguiu mobilizar o eleitorado de Março e perde quase metade do seu peso percentual; a IL conseguiu ter mais votantes do que nas legislativas, ao contrário do Bloco e do PCP, que já tinham tido, nas legislativas, menos votantes do que nas europeias de 2019 e, agora, continuaram a perder votantes.

Em resumo: a IL é o único com motivos para grande festa (estreia com dois eleitos e resultados acima do esperado); a AD tem motivos para ficar contente com os números, embora não dessem para eleger mais; o PS pode festejar para a fotografia (por ser o mais votado e com maior número de eleitos), mas a vitória é amarga (perde um deputado, baixa a percentagem das europeias e ganha por margem estreita); o Chega teve uma derrota, numa estreia muito aquém do esperado; e Bloco e PCP salvaram-se do naufrágio por uma unha negra e perdendo um deputado cada um.

2. Ao longo do dia eleitoral, foi lançada a expectativa de a abstenção ser muito baixa, mas a noite foi decepcionante. A organização do acto eleitoral está de parabéns, ao estrear a novidade do voto em mobilidade, facilitado por se tratar de eleições de círculo nacional único. Eu próprio o experimentei: houve alturas em que a sobrecarga do sistema provocava maior lentidão na operação, mas, de forma geral, tudo decorreu bem e com grande fluidez. Foi isto que contribuiu certamente para a subida da participação eleitoral de 30,7%, em 2019, para 36,5%, agora – em 2014, fora de 33,8%.

Ainda assim, temos de concluir que as razões estruturais para a muito baixa participação nas eleições europeias mantiveram-se. E continuam a necessitar de ser analisadas, conhecidas e respondidas. A abstenção em Portugal foi de 63,5%, um valor altíssimo – fomos o 7.º pior no conjunto dos 27 Estados-membros. A abstenção média na União Europeia foi de 48,9%.

3. A campanha eleitoral, propriamente dita, foi uma campanha falhada, sem grande interesse. E uma campanha em contraciclo, uma vez que os debates tinham sido uma agradável surpresa: um novo modelo que provou bem, uma boa afirmação de candidatos novos como Sebastião Bugalho e Cotrim de Figueiredo, possibilidade de discutir temas europeus a sério – e, depois, tudo desabou. A campanha foi rapidamente nacionalizada, a Europa foi chutada para a estratosfera, andou sempre em torno dos cabeças-de-lista (escondendo os outros candidatos), como se fosse para eleger apenas 6 a 8 deputados e um por partido – em suma, um contributo extraordinário para as pessoas não perceberem mesmo para que é que servem realmente estas eleições europeias. Se é para ser uma sondagem nacional em ponto grande, podem telefonar aos eleitores e sai mais barato.

Também aqui é necessária uma reforma eleitoral. Na Holanda, foi eleita uma deputada portuguesa (açoriana) candidata pela coligação Esquerda Verde/Trabalhistas, que obteve oito mandatos. Catarina Vieira era a 10.ª na lista. Como foi eleita? O sistema holandês permite o voto preferencial e a jovem portuguesa colheu as preferências dos eleitores.

4. Na voragem da campanha, foram esquecidos muitos temas europeus importantes para Portugal. Vários poderiam ser, aqui, apresentados e debatidos. Quero destacar três que são de grande importância em si mesmos – e também estratégicos –, que têm estado totalmente esquecidos ou muito esquecidos.

O totalmente esquecido é a língua portuguesa, a terceira língua europeia global. É um activo de Portugal e um activo da Europa que é nossa especialidade. É um grande recurso, deixado ao abandono na União Europeia. Dá ideia de termos vergonha de afirmar e defender a língua portuguesa – chique é falar “estrangeiro”. Negligenciámos a sua defesa no dossiê das marcas e no das patentes, lesando gravemente o estatuto internacional da nossa língua. E na cooperação ACP/UE, continuamos a transigir com a menorização do português. Inaceitável!

Os muitos esquecidos são duas áreas europeias por excelência: as interligações eléctricas transpirenaicas e a plena pertença de Portugal à rede ferroviária europeia, incluindo nas ligações TGV. É evidente que estamos a ser enganados. Ou, então, a incompetência bate recordes mundiais. Não é possível chegarmos ao fim desta legislatura em 2029 e, depois de termos feito 40 anos como membros da UE (em 2026), continuarmos desconectados do mercado eléctrico europeu e uma ilha ferroviária, esquecida, atrasada e distante. Não é aceitável que, para as autoestradas, houvesse meios em excesso e, para a ferrovia, tudo parece faltar: vontade, investimento, inteligência, capacidade executiva. Está na hora de darmos o salto em frente. Quem agarra nesta agenda?

Advogado

Subscritor do “Manifesto: Por Uma Democracia de Qualidade”

Escreve sem adopção das regras do acordo ortográfico de 1990

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