Longevidade canina

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A confirmação da eficácia e consequente comercialização de um fármaco antienvelhecimento canino é vista como um marco importante, que poderá impulsionar a biotecnologia da longevidade.

A maioria dos donos de cães sabe que as grandes raças tendem a viver menos anos que as raças menores. A mortalidade precoce de cães de grande porte como o São Bernardo ou o Dogue Alemão encontra-se ligada a fatores genéticos que originam valores elevados da hormona IGF-1 no sangue, contribuindo para uma maior incidência de doenças como o cancro e cardiomiopatias. Em teoria, uma redução dos níveis de IGF-1 permitiria aumentar a longevidade e também a qualidade de vida destes cães. Esta hipótese tem sido explorada nos últimos anos, existindo já um protótipo de fármaco veterinário aprovado condicionalmente pela FDA (Food and Drug Administration) que tem como alvo a IGF-1. O eventual sucesso deste fármaco antienvelhecimento constituirá sem dúvida uma excelente notícia para os donos mais apegados. Mais importante ainda, existe uma expetativa real de que poderá abrir a porta a fármacos que tenham efeitos equivalentes na longevidade humana.

O lobo cinzento é considerado o antepassado comum do cão, estimando-se que o processo de domesticação se tenha iniciado há cerca de 20000 anos [1]. Ao longo de milhares de anos, uma grande variedade de raças foi sendo criada artificialmente, cruzando indivíduos de forma a obter características desejáveis em termos de tamanho, constituição física, cor do pelo e temperamento, entre outras. Um resultado direto destes processos de seleção pode ser observado, por exemplo, nas enormes diferenças de tamanho entre as várias raças caninas atuais, que superam a de qualquer outro vertebrado terrestre. Neste particular, todos os dados indicam que a criação de raças de grande porte acarretou consigo um processo não intencional de envelhecimento acelerado que não se verifica nas raças menores [2]. As diferenças na longevidade canina podem ser significativas, com raças pequenas como os Chihuahuas e Yorkshire terrier a viver até 18 anos, enquanto raças grandes como o Dogue Alemão e o São Bernardo raramente vivem mais do que 6-10 anos.

Alguns estudos genéticos têm associado o envelhecimento e longevidade das várias raças à presença de uma mutação associada ao gene que codifica para a IGF-1, uma hormona de crescimento determinante do tamanho corporal em mamíferos [1,3]. Em particular, os níveis consideravelmente mais elevados de IGF-1 observados em cães de maior porte parecem correlacionar-se com um crescimento acelerado e um metabolismo elevado, que se traduzem num envelhecimento precoce e em vidas mais curtas e menos saudáveis [1,3]. Com base neste conhecimento científico, foi aventada a hipótese de que uma redução bem-sucedida dos níveis de IGF-1 em cães de grande porte poderia interferir nos mecanismos celulares causadores de doenças como o cancro e cardiomiopatias e nos processos de envelhecimento. A empresa norte americana Loyal iniciou assim um processo de investigação e desenvolvimento de fármacos de longevidade direcionados para a inibição de IGF-1 em cães de grande porte [4]. Em novembro de 2023, a agência reguladora americana FDA determinou que os dados, resultados e argumentos científicos submetidos pela Loyal suportavam uma expectativa razoável de que um dos seus fármacos poderá prolongar a vida útil e melhorar a saúde canina. Embora o fármaco tenha ainda que ser testado em ensaios clínicos exaustivos, este primeiro reconhecimento indica que a FDA poderá de facto aprovar um medicamento para a longevidade num futuro próximo [4].

A possibilidade de prolongar a vida com recurso a medicamentos levantou desde logo a hipótese de que medicamentos equivalentes poderiam também ser descobertos para prolongar a vida humana. Esta possibilidade é bastante real já que os cães constituem excelentes modelos para o estudo do envelhecimento humano. Na verdade, partilhamos ambientes e estilos de vida, possuímos genéticas e metabolismos similares, consumimos alimentos semelhantes e sofremos das mesmas doenças típicas do envelhecimento (e.g. cancro, declínio cognitivo) [4]. A proximidade é tal que em muitos casos o microbioma de um cão é mais parecido com o do seu dono do que com o de outros cães. A confirmação da eficácia e consequente comercialização de um fármaco antienvelhecimento canino é assim vista como um marco importante, que poderá impulsionar a biotecnologia da longevidade [4].

Muitos cientistas contemporâneos encaram o envelhecimento como uma condição tratável. Embora a compreensão dos mecanismos biológicos subjacentes aos processos de declínio naturais inerentes ao avançar a idade tenha progredido de forma relevante nos últimos anos, o objetivo de alcançar vidas mais longas e saudáveis permanece longe de ser atingido. A aprovação de um medicamento antienvelhecimento em cães poderá, talvez, abrir caminho para satisfazer um pouco os nossos desejos ilusórios de longevidade.

[1] Sutter, N.B. et al., (2007) A single IGF1 allele is a major determinant of small size in dogs. Science, 316:112–115.

[2] Greer, K.A., Canterberry, S.C., Murphy, K.E. (2007) Statistical analysis regarding the effects of height and weight on life span of the domestic dog. Research in Veterinary Science, 82:208–214

[3] Plassais, J. et al., (2022) Natural and human-driven selection of a single non-coding body size variant in ancient and modern canids. Current Biology 32: 889-897.

[4] Shah-Neville, w. (2024) The next leap in pet health: longevity drugs for dogs. LABIOTECH, 14 fevereiro, https://www.labiotech.eu/in-depth/longevity-drugs-for-dogs/.

Professor no Instituto Superior Técnico

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