Madeira. Incêndios fazem antever enxurradas mortais como as de 2010

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Numa altura em que a Madeira se vê a braços com incêndios há uma semana, Leonel Silva, autarca de Câmara de Lobos, admite estar bastante preocupado com as consequências, sobretudo na época das chuvas. Ainda no verão, será preciso começar a preparar o inverno mas, no entretanto, já há outros perigos, como as derrocadas.

"Preocupa-me bastante, estou a ser franco. Enquanto os fogos são num período limitado, o problema das pedras e das derrocadas é que, a qualquer hora, nas próximas semanas e meses, pode haver sempre o risco de haver desmoronamentos", diz.

Por isso mesmo, garante que já está a antecipar esses cenários. "Tenho o Plano Municipal de Emergência e a Comissão Municipal de Proteção Civil ativos, para ver como é que nos vamos posicionar. Porque é uma situação que já está no meu radar das preocupações, antecipando a época das chuvas".

Outra autarca, da Ponta do Sol, também está preocupada com o possível aumento do caudal da ribeira que atravessa a localidade.

"Essa é sempre a nossa preocupação com os incêndios. Nós estamos a combatê-los e já estamos a imaginar os efeitos no momento seguinte. Com os solos completamente despidos, trombas de água e chuvas repentinas muito fortes fazem arrastar terra, lama e pedras. Há esse risco", diz Cecília Pessegueiro.

As preocupações não estão apenas centradas na ribeira que atravessa a vila, mas "em todos os outros pequenos canais" que, "mesmo estando limpos, podem entupir com grande facilidade" quando chove repentinamente, obrigando à saída da água do seu curso natural.

Com menos coberto vegetal a montante, mais água trarão as ribeiras das zonas altas. E isso trará consequências, como indica o geólogo Domingos Rodrigues, professor da Universidade da Madeira.

"Com as primeiras chuvas, essa impermeabilização dos solos vai fazer com que a quantidade de água que escorre seja quase toda direcionada para as linhas de água. Causa efetivamente condições para aumentar a probabilidade de ter o que temos na Madeira, que são fluxos de detritos e derrocadas - em linguagem popular, aluviões - que historicamente, têm sido um dos problemas que temos de enfrentar, que estamos habituados a enfrentar porque acontecem com relativa frequência".

Aposta deve ser na prevenção e na perceção do risco

O também diretor do Curso Superior de Proteção Civil da Universidade da Madeira é perentório: sem o adequado planeamento e a necessária inclusão da comunidade na perceção do risco, os cenários mais drásticos podem repetir-se.

"A Madeira é o que é. É a beleza que é, visitada por milhões de pessoas, mas os vales que lá existem, encaixados e bonitos, foram fruto de processos naturais. Nós só temos é que não nos pôr em perigo. Não há necessidade nenhuma de irmos viver encostados a um talude com 300 metros de altura", defende.

"A ocupação do território deve ser feita em função das limitações desse mesmo território. Sobretudo quando falamos de pessoas e dos seus bens. Depois, é saber que nós temos aqui este clima espetacular, mas também temos momentos onde as precipitações são muito intensas e muito concentradas no tempo, mas suficientes para desencadear derrocadas e fluxos de detritos", acrescenta.

"Se, por um lado ocuparmos mal o território, e, por outro, não tivermos uma perceção de risco e um comportamento adequado face a essas circunstâncias, pois podemos sofrer as consequências".

Ainda para mais, diz Domingos Rodrigues, "a prevenção é sempre um meio mais eficaz, e, ainda por cima, mais barato".

"Cidadãos que têm a noção da perigosidade do local onde vivem são cidadãos que se expõe muito menos ao risco e, portanto, há menor probabilidade de serem afetados", vaticina.

Uma prevenção que se alarga não só ao risco de derrocadas e inundações, mas também aos incêndios florestais.

"Parece-me que tem de se mudar um pouco aquela visão expositiva da Proteção Civil, de ir às escolas alertar e pouco mais, e passarmos para um trabalho contínuo com a comunidade. Para que sempre que estes eventos ocorram a comunidade saiba quais os comportamentos a adequar, e não seja uma confusão e uma balbúrdia, que dificultam o trabalho dos profissionais da proteção civil. Portanto, a prevenção tem de ter um papel bastante mais ativo".

Por exemplo, com um maior envolvimento das juntas de freguesia no trabalho com as populações, "no sentido de criar uma comunidade que saiba quais são os comportamentos que tem de ter face às perigosidades que enfrenta no seu dia a dia". "Qualquer estratégia de minimização de desastres naturais ou tecnológicos sem uma forte componente de prevenção não tem resultados", diz.

No fundo, trata-se de mudar comportamentos.

"Os incêndios em Portugal são claramente um problema comportamental. Ou seja, a maior parte dos incêndios são provocados por negligência. Se não formos à origem do problema, nunca vamos conseguir nada. Podemos adquirir os aviões, helicópteros e meios técnicos que quiserem que vai continuar a existir um número muito elevado de ignições, porque o comportamento das pessoas não é o adequado", remata.

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