"Manual de Infidelidade" não é a bíblia dos infiéis mas quer ser a salvação

3 meses atrás 69

Cultura

Numa sociedade em que a infidelidade é "socialmente condenável", o psiquiatra e terapeuta de casal, José Gameiro, desconstrói alguns mitos e mergulha na sua experiência enquanto profissional na área há mais de 40 anos. Em entrevista à SIC Notícias, explica que nem sempre é a infidelidade que conduz ao fim de uma relação e que existem outros fatores que servem de combustível e que podem resultar na rutura do casal. Embora os casais "caiam em coisas muito parecidas", cada caso é um caso.

"Manual de Infidelidade" não é a bíblia dos infiéis mas quer ser a salvação

Imagem: Inês M. Borges

Engane-se quem pensa que um livro chamado "Manual de Infidelidade" é a nova bíblia dos infiéis ou de quem, eventualmente, tenciona vir a sê-lo. Pelo contrário. É através da desconstrução do conceito de infidelidade, tão estigmatizado na sociedade atual, que o psiquiatra José Gameiro mergulha na sua longa experiência enquanto terapeuta de casais.

O prefácio escrito pela humorista, Joana Marques, levanta um pouco o véu do que se pode esperar deste "Manual de Infidelidade" que não ensina ninguém a ser infiel. A "coscuvilheira que há em si", como se descreve a si própria, vê neste livro uma oportunidade para satisfazer a sua "curiosidade crónica".

"Achei muita graça ao que ela escreveu. Principalmente quando ela diz que o Dr. José Gameiro só vê "Maneis e Marias” porque obviamente que eu tenho que disfarçar a entidade das pessoas", confessou o psiquiatra.

Um congresso sobre terapia familiar em Florença no ano de 1977 despertou a curiosidade de José Gameiro que, até à data, nunca tinha ouvido falar desta área. Diz que foi uma “espécie de iluminação” que acabou por definir a sua carreira profissional. No início, a sua experiência limitava-se apenas ao contacto com famílias já que os casais não aceitavam bem a ideia de precisarem fazer terapia para salvar uma relação.

A pouco e pouco o paradigma foi-se alterando e nos últimos 20 anos são os casais quem mais frequentam o consultório de José Gameiro. Mas nem sempre é fácil ser profissional nesta área.

"Faço a atividade psiquiátrica clássica mas depois uma parte do meu tempo sempre foi a trabalhar com casais. Mas ninguém aguenta uma tarde inteira de casais. Quando via três numa tarde ficava estourado. O casal é muito cansativo."

Infidelidade não é sinónimo de separação e pode até melhorar uma relação

Segundo a PORDATA, no ano de 2022 registaram-se cerca de 20 mil divórcios em Portugal. Alguns deles podem ter sido impulsionados por uma relação extraconjugal fora do casamento mas nem sempre a infidelidade conduz à separação do casal. Nos últimos 40 anos, José Gameiro pôde comprová-lo.

Explica que a infidelidade gera muita dor e sofrimento mas, nos casais que o procuram, o caminho mais fácil da separação é ofuscado pela vontade de querer salvar e reconstruir a relação.

Ao contrário da ideia que está enraizada na sociedade, as infidelidades não acontecem apenas em relações "que estão mal" e levam à necessidade de um dos elementos ir procurar apoio físico ou emocional numa terceira pessoa - um colega de trabalho, um amigo/a próximo ou um antigo namorado/a.

Em alguns casos, a imprevisibilidade e o timing chocam tanto, ou mais, do que a própria traição.

"Não há uma garantia de que só porque um casal se dá bem não vai haver infidelidade."

Mas o que leva alguém que foi traído a querer permanecer numa relação onde a confiança foi quebrada? Das centenas de casais com que já lidou, José Gameiro explica que "as pessoas não ficam desconfiadas para sempre".

Há relações em que os membros do casal ficam até "mais unidos, com mais cuidado na relação, mais atentos e preocupados um com o outro". Mas cada caso é um caso e se numa primeira vez uma traição pode ser perdoada, à segunda o cenário altera-se e pode acabar por condenar a relação.

Mas como alerta no final do seu livro, lidar com a infidelidade é um caminho "muito duro" e "não tem garantia de sucesso".

Um casal também pode deixar marcas num psiquiatra

“A imparcialidade nos casais treina-se e ao fim de uns anos, eu acho que consigo ser neutro ainda que sinta coisas.” 

Pode até já ter perdido a conta ao número de casais que recebeu nas últimas décadas mas os ensinamentos e as aprendizagens permanecem. Considera-se um “casamenteiro” e não tem medo de dizer que lidou com casais aos quais se afeiçoou.

Tem consciência de que nem todas as relações sobrevivem a um período de turbulência e que alguns casais poderiam ter tido “solução” se tivessem feito uma “prevenção das chatices”.  

A sua veia altruísta e a paixão por esta profissão também já lhe proporcionaram alguns momentos mais caricatos. Por duas vezes, em contextos diferentes, quase que foi agredido por pacientes que recebeu no seu consultório mas nem assim considera que ser terapeuta de casal é uma "profissão de risco".

Ler artigo completo