Marcos Esteves: “Uma das palavras-chave do Sabura Festival é ‘agregar’”

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Depois da edição de estreia no ano passado cumprir com as expectativas, os alicerces foram fortes o suficiente para que o Sabura Festival voltasse em 2024 para uma nova dose no Sesimbra Natura Park, marcada para decorrer entre os dias 30 de Agosto e 1 de Setembro.

Com os artistas da esfera lusófona em especial evidência — Dino D’Santiago, Pongo, Rita Vian, Maria Reis ou o espectáculo especial de tributo a Zeca Afonso são marcos maiores dessa ligação do certame ao cancioneiro que se expressa através da língua portuguesa —, o Sabura vai também permitir que a viagem sónica nos leve por coordenadas como as da música latina ou jamaicana. Mas nem tudo se resume a ritmos e melodias: há campismo, glamping, actividades para crianças, aulas de yoga, sessões de kayak ou até mesmo a prática do arborismo na vasta oferta deste festival que ainda cheira a novo.

Para melhor nos ajudar a definir os traços deste evento, enviámos algumas perguntas a Marcos Esteves, director do Sabura, que em jeito de entrevista faz um balanço da edição inaugural, aponta os trunfos conseguidos para 2024 e estabelece as metas que espera alcançar com a continuidade deste projecto.



Olhando para o cartaz do Sabura entende-se perfeitamente a direção artística que guia o programa, mas que mais nos pode dizer sobre o conceito com que este festival se pretende afirmar?

Este é um festival que pretende agregar várias comunidades e movimentos que, por vezes, andam desencontrados, ou não convivem com frequência. Acho que essa é uma das palavras-chave do Sabura: “agregar”. Sentimos que as diferenças culturais são recorrentemente instrumentalizadas para nos separar ou afastar e, através deste “encontro”, pretendemos fomentar o oposto, unir-nos e celebrá-las.
A proposta/conceito do festival é a de juntar arte, nas suas múltiplas facetas e vertentes, a músicas do mundo, atividades outdoor lúdicas, pedagógicas e de promoção de bem-estar, consciencialização ambiental e social, e convívio inclusivo e familiar, tudo isto num espaço agradável, no meio da natureza, e a um preço acessível. Ou seja, muita diversão, mas com uma mensagem positiva de reflexão, consciencialização e transformação social.

A região de Setúbal tem estado arredada do mapa nacional de festivais, pelo menos com este perfil. Isso foi fator considerado na hora de pensar o Sabura?

Foi um dos fatores. Um dos objetivos culturais do projeto é precisamente a descentralização da cultura, além da participação e promoção da comunidade local. Sentimos que em Lisboa já existe muita oferta de festivais, não exatamente com o mesmo perfil, mas que partilham alguns dos valores e da programação artística do Sabura. No distrito de Setúbal e na Margem Sul não é tanto o caso. É uma zona por vezes algo esquecida em termos de eventos deste tipo, mas onde há muita diversidade e densidade populacional, além de uma forte tradição e produção cultural. Depois, foi um amor à primeira vista, chamado Sesimbra Natura Park, que nos permite desenvolver e oferecer tudo o que tínhamos idealizado, e consolidar a nossa visão para o festival. O espaço é, sem dúvida, um dos destaques do festival e um dos aspetos fundamentais para o nosso conceito.

Tiveram a primeira edição no ano passado. Que balanço fazem desses três dias?

Foram 3 dias incríveis. Desafiantes, mas de muita alegria e partilha. Passaram cerca de 1.800 pessoas pelo Sesimbra Natura Park e, apesar de alguma chuva e alguns pequenos contratempos naturais de uma primeira edição, o balanço é extremamente positivo. O feedback que recebemos também foi muito bom. Sentimos que as pessoas “abraçaram” o festival e, inclusive, no fim, muitos disseram logo que voltariam no ano seguinte. Além de extremamente gratificante, sentir a satisfação e o carinho do público deu-nos ainda mais motivação para continuar.

Dino D’Santiago e Pongo são dois fortes símbolos de uma africanidade que sempre existiu na mais moderna música nacional das últimas décadas, mas que em tempos mais recentes ascendeu a um plano de visibilidade que não tem de facto precedentes. O que disseram a estes artistas sobre o que acreditam ser a vossa visão para o Sabura?

Falámos do conceito do festival, da tal vontade de agregar várias comunidades, e da celebração dos 50 anos do 25 de Abril, e dos seus ideais. Dissemos também que além do tributo a Zeca Afonso, também iriamos homenagear Amílcar Cabral, que este ano completaria um século de vida. Homenagear dois dos maiores símbolos da luta pela liberdade no mundo lusófono, num festival que promove a diversidade cultural, a inclusão, e o respeito — pelo outro e pela natureza —, pareceu-nos uma ótima ocasião para juntar esta “nova” lusofonia. Falámos ainda sobre a programação e curadoria do Sabura, e da importância que — para nós — teriam para dar um brilho muito especial a esta 2ª edição.

Zeca Afonso não foi esquecido neste programa. O aniversário redondo de Abril chega para justificar essa opção, ou acreditam que Zeca é mesmo um símbolo da multiculturalidade que o Sabura pretende explorar?

Claro que o aniversário redondo é a “desculpa” perfeita para este destaque, mas Zeca Afonso é, antes de mais, um dos nossos ídolos. Além disso, é — sem dúvida — um dos maiores símbolos da revolução, do inconformismo e da liberdade, que é o tema deste ano do festival. Além do seu reconhecido génio, tanto musical como literário, é também dos mais influentes artistas nacionais, tendo influenciado, inclusivamente, diversos músicos estrangeiros. Diria que é um bocadinho como o “nosso Bob Marley”, aqui na brincadeira. É um ícone muito impactante da música portuguesa, que não podíamos deixar de homenagear.

Que fatores ditaram a escolha dos artistas do cartaz?

Os fatores mais importantes são a identificação com o conceito e o tema deste ano: a liberdade. A qualidade musical, obviamente, a mensagem que veiculam, a diversidade cultural, e a igualdade de género. Depois, existem também — naturalmente — fatores de proximidade a alguns artistas, e fatores económicos, que também acabam por orientar certas escolhas.

De todos os concertos programados para este ano, há algum nome que queiram destacar? Qual destes artistas mais se orgulham de ter conseguido para o alinhamento?

Temos muito apreço por todos os artistas convidados. Foram todos criteriosamente selecionados e é um orgulho enorme poder contar com o talento e a beleza de todos eles. Não fugindo à pergunta, penso que não podemos deixar de destacar o Dino D’Santiago. Identificamo-nos totalmente com o seu percurso e os seus ideais. Não podíamos ter um melhor representante dos valores do festival. No feminino, a Pongo também nos enche de orgulho. Termos uma headliner, uma mulher com tanto talento, que é uma força da natureza, e que também transmite os valores da diversidade e igualdade que queremos promover, é muito importante para nós. Num toque mais pessoal e menos óbvio, talvez falar de Digitaldubs. É um dos maiores nomes do reggae brasileiro, um dos pioneiros da cena soundsystem, e conseguir a sua presença no festival é sem dúvida muito especial.

Falem-nos sobre o recinto: Sesimbra oferece condições particulares para a realização de um evento desta natureza, supomos…

Dizemos na brincadeira — mas é muito a sério — que o Sesimbra Natura Park é uma das estrelas do festival. É um oásis natural no meio da floresta, nas margens de um lindíssimo lago, e já com muitas infraestruturas e condições para receber eventos de grande porte. Localizado a 25 minutos de Lisboa, e a 15 minutos de algumas das praias mais paradisíacas da Europa, do Parque Natural da Arrábida, do Meco e de Sesimbra, está inserido na Mata de Sesimbra, a maior zona florestal da área Metropolitana de Lisboa, e é há décadas regida por uma ética de sustentabilidade ambiental, social e económica. Permite, por isso, oferecer várias atividades e atrações para todas as idades, tais como yoga, capoeira, kayak, arborismo, área para crianças, e um recinto ótimo para toda a logística dos concertos. Permite ainda a possibilidade de ficar a dormir dentro do parque, numa área para campismo, ou num glamping com todas as condições. Tudo isto faz com que seja a escolha perfeita, para nós, e pensamos que para todos os festivaleiros que vierem ao Sabura Festival.

Que outros fatores acreditam que distinguem o Sabura?

Já mencionámos alguns, mas podemos ainda acrescentar outros: há uma preocupação genuína com o público, isto é, com que todos tenham a melhor experiência possível. Para dar alguns exemplos práticos: temos casas de banho e espaços para pessoas com mobilidade reduzida, e várias opções veganas e vegetarianas no nosso food court. Também tentamos incluir ao máximo as comunidades e os artistas locais, assim como as associações com fins sociais e de integração, no âmbito de retribuir a amabilidade da comunidade que nos acolhe, e de promover uma experiência o mais holística possível, isto é, bem para lá da vertente meramente musical.

Esta será a segunda edição do festival: quais os objetivos em termos de público?

Os objetivos em termos de público são os de ter pelo menos uma afluência semelhante à da 1ª edição — e, claro, se possível, superior. Estamos preparados para isso, do ponto de vista logístico e operacional. São, obviamente, objetivos — em termos numéricos — importantes. Contudo, não queremos limitar a avaliação do sucesso do festival a essa métrica.

O Sabura ainda está a prestar provas ou acreditam já que tem o seu futuro assegurado?

O Sabura ainda é um bebé. Vamos para a 2ª edição e, como festival independente, ou seja, sem financiamento externo, sem ser a venda de bilhetes, comidas, bebidas, e algum apoio de certos parceiros, estamos sempre a teste. Esperamos que o público goste, adira e apareça. Só assim é que podemos assegurar a continuidade do festival.


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