O médico acredita que a poesia tem a capacidade única de ajudar os estudantes a ligarem-se holisticamente com os seus pacientes, para não os verem apenas como um problema médico que precisa de ser tratado.
João Luís Barreto Guimarães, médico e escritor de poesia, está hoje em destaque no jornal britânico “The Guardian”.
O vencedor do Prémio Pessoa 2022, é médico de cirurgia reconstrutiva no Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia/Espinho, sendo autor de mais de 10 livros, publicados em várias línguas.
O médico foi o responsável por criar a cadeira de Introdução à Poesia no plano de Mestrado Integrado em Medicina do Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar (ICBAS) da Universidade do Porto.
“Hoje em dia, os médicos não têm tempo para parar e pensar, e tudo é rapidamente reduzido à técnica e à mecânica. O que eu tento mostrar os estudantes é que, assim como os poemas, cada um dos seus pacientes é único”, disse o médico ao jornal. Quando não está a operar, gosta de estar sentado na secretária da sua casa a escrever os seus poemas.
O médico acredita que a poesia tem a capacidade única de ajudar os estudantes a ligarem-se holisticamente com os seus futuros pacientes, para não os verem apenas como um problema médico que precisa de ser tratado.
“Por isso, faço com que olhem para os poemas que falam de empatia, compaixão, solidariedade e outros valores humanos que os médicos deveriam mostrar quando estão à frente de um paciente”, conta.
A sua cadeira inclui vários poetas-médicos, como o cirurgião português Júlio Dinis; o pediatra norte-americano William Carlos Williams; o patologista alemão Gottfried Benn; o imunologista checo Miroslav Holub.
O médico já recebeu convites para lecionar noutras universidades médicas em Portugal. Lá fora, a universidade Pompeu Fabra em Barcelona introduziu recentemente um curso de literatura para no segundo ano do curso de medicina.
Numa das aulas a que o jornal assistiu, o médico cita o seu próprio poema História Clínica, que fala de uma mulher que sofre uma dupla mastectomia, mas que também aborda anos de violência doméstica por parte do marido, fazendo um jogo de palabras com a palavra medalha: tanto pode referir-se aos seios da paciente como às marcas da violência doméstica. No fim, como consequência da mastectomia, o marido deixa-a. Mas “está enfim livre de perigo”: bem de saúde e com o agressor já longe.
História clínica
As mamas da Dona Ana eram um
sítio maravilhoso. Maduras (qual
par de mangas) de entre elas saíam
coisas extraordinárias
(notas de 5 para os netos
lenços bordados no Minho) uma ou
outra medalha do mau-génio
do marido. Dessa vez veio à cidade e
o doutor ficou com uma –
ela deixou de poder encravar no meio delas
tudo aquilo e os santinhos
(deste lado uma colina alta e generosa desse
um prado dividido). Num ano
levou-lhe a outra e outra levou-lhe
o marido (ainda há mulheres com sorte:)
está enfim
livre de perigo.
de Você está Aqui (2013)