MEO Kalorama’24 — Dia 2: a nostalgia é que manda

2 semanas atrás 57

Ao segundo dia, parece que o MEO Kalorama acalmou. Não houve filas para entrar e tudo correu como planeado, fora o cashless que continua a ser inútil, fora as condições da sala de imprensa não serem as melhores, fora os palcos secundários continuarem com som longe de perfeito (particularmente o Palco Lisboa). Mas haja standards, não é verdade?

No primeiro dia, falhou-nos uma menção honrosa a Ana Lua Caiano. Já tanto a vimos por este país fora este ano, mas as suas canções fizeram o suficiente para fazer o palco principal do MEO Kalorama parecer pequeno (o Público tem razão nisso). Neste segundo dia, sexta-feira (30 de agosto), o contingente português continuou a fazer das suas. Os Unsafe Space Garden impressionaram e confundiram em partes iguais (o concerto não foi tão bom como o do Bons Sons, contudo) e os Glockenwise deram um dos melhores concertos da edição deste ano do Kalorama (com direito a crowdsurf e tudo). Como bem disse Nuno Rodrigues no final do concerto da banda de Barcelos: é a música feita neste país que confere alguma variedade digna a estes eventos. Se não, era só mais do mesmo. 

Lembram-se da ovação dos L’Impératrice no Vodafone Paredes de Coura’22? A sensação de que, a partir daquele momento, tornar-se-iam parte da mobília dos festivais portugueses? Sentiu-se o mesmo com Olivia Dean neste segundo dia de MEO Kalorama, mesmo que a ovação não tenha sido da mesma escala que os franceses.

Já perto do final do concerto, a artista londrina mostrava-se incrédula com o carinho que estava a receber do público português. Havia razões para isso, contudo. A autora do impressionante Messy, lançado em 2023, deu um concerto fantástico do início ao fim. Com a ajuda de um coro bem afinado e de uma banda bem oleada, a sophisti-soul de Olivia Dean foi conquistando os corações, um-a-um, daqueles que pararam no palco principal do Kalorama para a escutar. Como é óbvio, por ali ficaram. Com canções como “Be My Own Boyfriend”, “Reason to Stay” ou “Dive”, como não?



Quem não se vai tornar mobília dos festivais portugueses, assumimos nós, são os English Teacher. Os autores de This Could Be Texas, um dos melhores lançamentos de 2024, deram um concerto extremamente morno neste segundo dia na Bela Vista. Mas porquê? Que aconteceu? Mesmo que o som do Palco Lisboa estivesse longe de estar perfeito, não podemos deixar de dizer que nos sentimentos desapontados com o concerto da banda oriunda de Leeds.

Lily Fontaine (voz, guitarra, sintetizadores), Lewis Whiting (guitarra, sintetizadores), Douglas Frost (bateria) e Nicholas Eden (baixo) — em palco, os English Teacher passam de quarteto em quinteto com a ajuda de Blossom Calderone no violoncelo têm, sem dúvida, grandes canções. “The World’s Biggest Paving Slab”, “R&B”, “I’m Not Crying, You’re Crying”, “Nearly, Daffodils” são verdadeiros malhões, algumas das melhores canções a saírem do rock britânico no último ano e meio. Mas quando transportadas para cima de palco, falta qualquer coisa. São canções bem tocadas, mas ficam-se apenas por aí. Falta algum sentimento, alguma consistência. 

A prova disto é o que aconteceu quando os English Teacher permitiram ao seu concerto respirar. Quando tocam canções magníficas como “This Could Be Your Texas” (canção mui-Black Country, New Road), parece que o sentimento que faltava às malhas mais energéticas vem mais ao de cima. Todavia, também não lá está na sua plenitude. É mesmo isso: falta algo. Mesmo quando tocam uma versão delicada e bonita de “New York, I Love You But You’re Bringing Me Down”, sente-se também isso. É tudo bem tocado — mas apenas e só isso.

No que é que isto resulta? Num disco que, ao vivo, podia ser bem mais. Mesmo que o ambiente de festival não ajude, sente-se que os English Teacher não são tão fortes, pelo menos de momento, ao vivo como dentro de estúdio.



E a falar em mobília dos festivais portugueses, que dizer dos Jungle? Bem, não muito. Dão um bom concerto, é extremamente divertido, dá para bater o pé. Mas os Jungle servem apenas para isso. A sua música é tão polida e imaculada que quase dói de assim ser. Não tem edge nenhuma, mas também não precisa. Cumpre a sua função. Para quem é fã de arroz, tem nos Jungle um prato cheio dele. Só existe um senão: no fim, ninguém se pode queixar que o arroz estava insosso.



Onde James Murphy vai, hipsters vão. Não fomos nós que fizemos as regras, mas claramente também as seguimos. 

De regresso a Portugal pela primeira vez desde a residência de concertos no Coliseu de Lisboa em 2018, os LCD Soundsystem fizeram o que lhes competia. Tocaram aquela, aquela e aquela (mas não tocaram “Get Innocuous!”), meteram algum público a dançar, outro tanto a chorar — ou pelo menos, aqueles que queriam realmente saber do que estava a acontecer em palco. 

“Us v Them”, a abrir, deixou logo água na boca para o que se seguiria. “I Can Change” soou gigante, “You Wanted a Hit” soou fantástica — é ainda das melhores canções da banda nova-iorquina. Tocaram bangers como “Tribulations” (viva o electroclash para sempre), “Losing My Edge”, “Dance Yrself Clean”. No final, dois clássicos, um duplo murro no estômago. Para aqueles que viveram nos anos 2000 (diga-se, millenials), são cartas de amor perdidas para um tempo que está no passado. Para aqueles que apenas vêem esses tempos pelos filtros da nostalgia (diga-se, zoomers com coração de millenial), é a banda sonora para os sonhos que nunca viveram, para o cabedal que nunca usaram. “New York, I Love You but You’re Bringing Me Down” soou como deve soar — nostálgica, cantada a pulmões com os amigos ao lado. A terminar, o que se esperava. Amigos a saltar, namorados a chorar. Corações preenchidos, crises existenciais alimentadas ou curadas. Uma das melhores canções de sempre: Where are your friends tonight? / If I could see all my friends tonight.

No primeiro dia deste Kalorama, enunciamos que os Massive Attack funcionavam como “uma orquestra profundamente planeada ao milímetro”. No caso dos LCD Soundsystem, a descrição não seria muito diferente. Uma orquestra de base eletrónica, claro, de profunda devoção ao krautrock e à eletrónica dos anos 90. Mesmo que os LCD só tenham lançado uma nova canção (“new body rhumba”, tocada também neste concerto) desde que regressaram com american dream (2017), escutar estas canções nunca fica aborrecido. A nostalgia, às vezes, conquista-nos. Não há mal nenhum nisso.


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