Migrantes ajudam a construir “um Alentejo absolutamente novo e povoado”

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Domingo, 29 de setembro é o Dia Mundial do Migrante e do refugiado (DMMR). A Igreja celebra a data desde 1914. É sempre uma ocasião para exprimir preocupação pela diversidade de pessoas vulneráveis que se deslocam; para rezar por elas porque enfrentam muitos desafios; e para aumentar a sensibilização acerca das oportunidades proporcionadas pelas migrações.

Todos os anos, o DMMR é celebrado no último domingo de setembro; coincidindo este ano com o dia 29 de setembro. Para este ano, o Papa Francisco escolheu para titulo da sua Mensagem: "Deus caminha com o Seu povo".

Para assinalar a data e para mostrar a nova realidade no Alentejo, fruto dos fluxos migratórios, a produtora e guionista Inês Leitão produziu o documentário "Alentejo Calling - Eu também sou migrante".

Em entrevista à Renascença, Inês Leitão adianta que pretendeu “muito humanizar estas pessoas” e “quis que as pessoas entendessem que estamos perto uns dos outros, que somos todos iguais”. A responsável defende também que o documentário visa combater a ideia de que os migrantes “vieram para causar problemas, e criar situações de insegurança e instabilidade” e admite que o seu visionamento poderia ser bom para “alguns senhores da extrema-direita portuguesa”. “Se pudessem sentar-se e ficar 25 minutos a ouvir, acho que iam aprender alguma coisa”, sustenta.

Para Inês Leitão as posições do Papa Francisco inspiraram na realização do documentário, porque “nós temos a sorte de ter um Papa que sabe amar, e sabe ensinar a amar”.

O Documentário "Alentejo calling - Eu também sou migrante" - um trabalho sobre os novos migrantes que encontraram no Alentejo a sua casa, que vai estrear no DMMR estará também disponível na página da Renascença e vai passar na RTP África e em várias outras plataformas digitais de entidades e associações.

O que nos apresenta este documentário? O que podemos ver neste documentário?
Bem, vai ver a história de migrantes e daquilo que é grande realidade hoje em dia no Alto Alentejo, que é um Alentejo absolutamente novo, povoado por pessoas que vêm da Índia, do Nepal, do Brasil, vêm um bocadinho de todo o lado e de todo o mundo, e deram esta nova cor ao Alentejo. E eu acho que era preciso que nós falássemos sobre isso e recebêssemos bem estas pessoas.

Em vez de “Alentejo Calling - eu também sou migrante”, nós poderíamos eventualmente, se o documentário fosse alargado a todo o país, falar de um “Portugal Calling”, porque a atual realidade portuguesa é um pouco essa, não é?
É verdade, é a nossa realidade. Eu chamo-lhe Alentejo calling porque eu também fiquei envolvida nestes chamamentos. Eu também faço parte dessa onda de migrantes, porque eu fui de Lisboa para viver para Alentejo, e, portanto, eu também estou nesta história, de alguma forma. E atrás de mim, a minha família, que também veio da África, fugida de uma guerra, e portanto, também é migrante. Eu quis muito, respondendo também a um chamamento que o doutor Pedro Góis fez numa reportagem na Revista Visão sobre esta nova realidade do Alentejo, eu quis muito humanizar estas pessoas, eu quis que as pessoas entendessem que estamos perto uns dos outros, que somos todos iguais, que temos todos um coração. E também quis que compreendêssemos que estas pessoas são iguais a nós. Que não há nenhuma diferença. E que eles vieram, de facto, para trabalhar. Não vieram para causar problemas, não vieram para criar insegurança ou instabilidade. Vieram para trabalhar e para ter uma vida melhor. Na sua larga maioria, é isto que estas pessoas pretendem. É dar uma vida melhor às suas famílias. E para isso trabalham.

É esse o grande objetivo do documentário? Ou é também uma forma de combater os crescentes racismos, xenofobias e sobretudo os populismos no nosso país?
É verdade. A ideia que eu tenho, que eu queria e que esse é o meu grande objetivo com este documentário é humanizar estes imigrantes. É, de facto, mostrar que eles não criam esta instabilidade e esta insegurança que nos querem mostrar.
Mas, pelo contrário, eles são pessoas afáveis, querem ser bem recebidos, procuram aprender a língua. Aliás, um deles é meu aluno. Eu ensino português a um deles. Porque eles, de facto, têm esta vontade e chegam às aulas com esta vontade de aprender. E há este lado extraordinário, que é o lado humano. E era isso que eu queria mostrar ao grande público. Eu acho que, olhando agora para trás, para o documentário, eu acho que consegui fazer isso. Estou muito feliz.

Por outro lado, é também necessário sublinhar a importância que estas pessoas têm também para o próprio país, para a economia e desenvolvimento do país?
Estas pessoas são as pessoas que vieram povoar o Alentejo. O Alentejo estava a desertificar, a perder a população. Estas pessoas trazem vida, trazem bebés, crianças que se ouvem nas ruas, trazem trabalho. Eles ocupam lugares que os portugueses não querem na agricultura. Estas pessoas vêm para trabalhar, na sua larga maioria, e só lhes interessa ganhar dinheiro para mandar para o seu país, para poderem trazer muitas vezes também os filhos e estabelecer-se aqui. As vidas destas pessoas são como as nossas. Não há grande diferença. O coração delas bate no mesmo sítio que o nosso. Os seus desejos são iguais aos nossos. Eu acho que nós só temos que mudar a perspetiva e a forma como olhamos para eles.

E sugeria, em particular, aos políticos ou a alguns políticos, o visionamento do documentário?
Sugeria a alguns senhores da extrema-direita portuguesa, sim, que pudessem sentar-se, se conseguissem. Ficar 25 minutos sentados a ouvir, que às vezes é uma grande dificuldade, a de ouvirmos os outros. Se pudessem fazer esse exercício, eu acho que iam aprender muita coisa. Também procurei trazer para este documentário a vida de uma migrante brasileira, porque acredito que também há um estigma sobre as mulheres brasileiras que é preciso combater. Então, eu trouxe uma mulher de sucesso, que tentou vir duas vezes para Portugal, conseguiu, estabeleceu-se, criou o seu negócio. É um negócio de família próspero, e ela está muito bem, muito feliz. E isso deixa-me, a mim também, muito feliz por ela.

Até que ponto as posições do Papa Francisco sobre os migrantes inspiraram de alguma forma este documentário?
Inspiraram-me totalmente, porque eu acho que nós temos a sorte de ter um Papa que sabe amar. Sabe amar o outro, como eu acho que nós devíamos aprender a saber fazê-lo. E ele sabe amar e também nos sabe ensinar a amar, o que é um grande caminho.

Esta mensagem que ele deixa também para o dia 29 de setembro, o Dia Mundial do Migrante, a mim tocou-me profundamente. Foi também um grande motor para eu poder fazer este trabalho. E eu creio que nós cristãos e, no geral, as pessoas que querem e que acreditam nesta humanidade nova, mais humana, se assim poderei dizer, e mais próxima, acho que é este o caminho. Acho que é este o caminho que o Papa nos aponta.

Deus Caminha com o Seu Povo é o título da mensagem do Papa Francisco para este Dia Mundial do Migrante e do Refugiado.
É verdade, eu acho que não há nenhuma diferença. Eu trouxe para o documentário a história do Anup, que é um nepalês, e há uma imagem muito bonita, que é o Anup a meditar neste Alentejo enorme, na barragem de Montargil, ele a fazer a sua meditação e, como ele diz, a conectar-se com o Universo e com Deus. O Deus dele pode ser diferente do meu. Eu acredito que é o mesmo, mas há estas diferenças. Mas há esta coisa maravilhosa aqui na zona da espiritualidade e da religiosidade também. Eu acho que isto é um grande caminho. Acho que é um grande caminho que todos nós fazemos. E isto interessa muito. Interessava-me muito, muito, trazer isto para o documentário.

E não foi por acaso que entendeu por bem que o documentário fosse publicado, divulgado, apresentado, no dia 19 de setembro, no Dia Mundial do Migrante e do Refugiado?
Eu queria mesmo que o documentário viesse para o ar no dia 29. Porque este é um dia que nós temos que aprender a celebrar. E quando celebramos os nossos migrantes, nós celebramos a possibilidade que eles nos dão de aprendermos com eles e de vivermos com eles lado a lado. E isso é uma coisa extraordinária. Eu acho que quando nós percebermos isso todos, o mundo vai ser muito melhor.

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