Migrantes. “Que juiz italiano terá jurisdição sobre um centro na Albânia?”

2 meses atrás 277

01 ago, 2024 - 06:41 • Fábio Monteiro

Itália prepara-se para abrir dois centros de acolhimento de migrantes na Albânia. Organizações questionam a legalidade do acordo firmado por Meloni e o homólogo albanês. À Renascença, Claudia Bonamini, coordenadora do Gabinete de Advocacia do Serviço Jesuíta aos Refugiados (JRS) Europa, defende que se trata de uma “jogada política” e que, na realidade, “estamos a lidar com centros de detenção”.

Itália prepara-se para abrir dois centros de acolhimento de migrantes na Albânia. Organizações questionam a legalidade do acordo firmado por Meloni e o homólogo albanês.A Human Rights Watch fala em “farsa cruel” e “cara”. A Amnistia Internacional alerta que é “perigoso”. E, em declarações à Renascença, Claudia Bonamini, coordenadora do Gabinete de Advocacia do Serviço Jesuíta aos Refugiados (JRS) Europa, defende que se trata de uma “jogada política” e uma dor de cabeça “ao nível legal”.Se o Governo de Giorgia Meloni cumprir calendário, a partir desta quinta-feira, a Guarda Costeira Italiana irá passar a desembarcar alguns dos migrantes que resgatar no Mediterrâneo em dois centros de acolhimento na Albânia: um na cidade portuária de Shengjin, outro na base área de Gjader. De acordo com a “Associated Press”, neste momento, um dos centros ainda está em construção.

Os centros de acolhimento – construídos em território albanês, mas geridos e sob jurisdição italiana – custarão a Itália perto de 670 milhões de euros, durante os próximos cinco anos; a segurança exterior ficará à responsabilidade da Albânia. É esperado que recebam até três mil migrantes por mês.

Mas se tal cenário se irá cumprir é outra questão.

À Renascença, Claudia Bonamini confessa ter sérias dúvidas sobre a exequibilidade do acordo e lembra que há muitas questões – principalmente no campo legal – por responder. Itália será “legalmente responsável por estas pessoas. Segundo o acordo, a Albânia nada”.

“É muito pouco claro em termos de jurisdição. Por exemplo, Itália vai ter pessoas nos centros para tratar dos casos? Se as pessoas pedirem asilo, terão de passar pelo processo. Terão de existir funcionários italianos nos centros. E, se as pessoas receberem uma decisão negativa, têm sempre o direito de recorrer. Por isso, que juiz, mesmo de acordo com a lei italiana, será responsável ou terá jurisdição sobre um centro na Albânia?”, questiona.

O que esperar

Apenas os migrantes resgatados pela Guarda Costeira Italiana poderão ser encaminhados para os novos centros de acolhimento na Albânia. Aí instalados, não terão liberdade de movimentos, nem poderão sair das centros.

A coordenadora do Gabinete de Advocacia do Serviço Jesuíta aos Refugiados (JRS) Europa defende, por isso, que é mais apropriado dizer que os centros de acolhimento são centros de detenção.

“Estamos a lidar com centros de detenção. Nós, no JRS, visitamos pessoas detidas. Sabemos como são as condições. Sabemos como é difícil que os nossos direitos sejam respeitados nesses locais. Por isso, estamos muito preocupados com todo este conceito”, confessa.

No ano passado, a primeira-ministra italiana, Giorgia Meloni, assegurou que mulheres grávidas, menores e outras pessoas vulneráveis não vão ser enviadas para a Albânia. Revelou também a ambição de que os pedidos de asilo dos migrantes acolhidos no país vizinho sejam processados no prazo de 28 dias – ou seja, num período muito inferior ao habitual.

Em caso de repatriamento, Itália será obrigada a transportá-los para o território nacional e só depois (se possível) encontrar forma de os extraditar.

Apesar de considerar que o acordo terá “pouco impacto”, Bonamini não deixa, contudo, de notar que “outros países estão muito interessados no que Itália está a fazer”. Afinal, nos últimos anos, a União Europeia tem procurado “externalizar” ou “bloquear” a entrada de migrantes.

Segundo dados do Ministério do Interior de Itália, mais de 155.750 migrantes chegaram a Itália no ano passado, um aumento de 50% em relação ao ano anterior e o número mais elevado desde o pico da crise migratória europeia em 2016.

Ler artigo completo