Ministro da Cultura anuncia regresso a Portugal de "Descida da Cruz" de Domingos Sequeira

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Há várias semanas que a obra de Domingos Sequeira saltou para o domínio público numa troca de argumentos entre especialistas e entidades oficiais face à possibilidade de a pintura escapar a Portugal.

Esta terça-feira, o ministro da Cultura anunciou o seu regresso ao país depois de acontecer “o que era nossa preocupação e prioridade principal que é o quadro regressar a Portugal e que, mais importante, estar disponível para fruição pública num museu público nacional”.

Pedro Adão e Silva explicou que “isso foi possível com a colaboração de um mecenas privado que decidiu adquirir [o quadro] e coloca-lo para fruição pública”, acrescentando que o quadro deverá chegar a Portugal “em uma semana, dez dias”, altura em que será realizada “uma cerimónia pública em que assinaremos um memorando de entendimento com este privado”.

Só nessa altura, acrescentou “será revelado quem é [esse mecenas privado] e o museu em que o quadro ficará exposto”.

Após semanas de intensa polémica em torno daquela que é uma das obras maiores de Domingos Sequeira, pintor português dos séculos XVIII e XIX, o ministro da Cultura considera que este “foi um desfecho por um lado feliz e que preserva o essencial que é o quadro regressar ao país e, mais importante, poder ser exposto e os portugueses poderem conhecê-lo”.

E, face ao processo que agora termina, o responsável máximo pela cultura sublinha outra faceta do problema que foi “também a preocupação que ao longo de dois anos de mandato tive que é chamar a atenção para a importância que os privados podem ter para a cultura”.

Ainda sobre esse processo de aquisição da obra e da possibilidade de ter sido o Estado português o comprador da “Descida da Cruz”, Pedro Adão e Silva explica que havia a possibilidade de se estar a alimentar uma especulação em torno do preço para a qual não era intenção contribuir.

Semanas de polémica

Personalidades da área da museologia e da arte manifestavam em fevereiro numa carta aberta dirigida ao ministro da Cultura, Pedro Adão e Silva, e à secretária de Estado da Cultura, Isabel Cordeiro, a “profunda indignação pelo comportamento do ex-diretor-geral do Património Cultural [João Carlos dos Santos] e por via dele de toda a DGPC, que, além de manifestar grave ignorância cultural, não cumpre, nem justifica o não cumprimento das claras disposições e orientações da Lei de Bases dos Museus Portugueses no que se relaciona com a exportação de bens museológicos de excecional valor cultural”.

O ministro da Cultura apontou na altura a “lamentável falha” dos serviços da DGPC e apontou as diligências feitas na altura para o próprio Estado avançar para uma compra através da Comissão de Aquisição de Bens Culturais, entidade à qual compete identificar e sinalizar as obras de arte e apresentar propostas fundamentadas.

A secretária de Estado da Cultura, Isabel Cordeiro, assegurava aos signatários da carta aberta assinada pelos 12 historiadores de arte, museólogos, arqueólogos e outros especialistas da área do património que o Governo estava a desenvolver “todos os esforços” no sentido de se inteirar das "condições de compra” da “Descida da Cruz”, dossier então entregue à Museus e Monumentos de Portugal (MMP).

“O Governo averiguou o sucedido, e procurando recentrar o assunto pediu à MMP, entidade agora com as atribuições relacionadas com a aquisição e circulação de obras de arte, que envidasse todos os esforços junto dos proprietários para aferir as eventuais condições de compra da obra ‘Descida da Cruz’, de Domingos Sequeira”, assinala a resposta do Governo à qual a agência Lusa teve acesso na altura.

Na missiva dos especialistas, os subscritores manifestavam indignação pela “exportação indevida” da pintura, que consideram “indigna e gravemente lesiva do património português”.

Isabel Cordeiro assegurou então que a MMP prosseguia “contactos necessários para que possa ser efetivamente equacionada a apresentação desta obra no Museu Nacional de Arte Antiga, nunca proposta”.

As deambulações da obra “Descida da Cruz”

O quadro a óleo é da autoria de Domingos Sequeira (1768-1837), pintor português que conseguiu proteção aristocrática e uma bolsa para se aperfeiçoar em Roma, onde privou com vários mestres e conquistou diversos prémios académicos. O seu trabalho situa-se entre o Classicismo e o Romantismo, de um modo similar ao espanhol Francisco de Goya (1746-1828).

“Descida da Cruz” faz parte de um grupo de quatro pinturas tardias de Domingos Sequeira - com “Ascensão”, “Juízo Final” e “Adoração dos Magos”, esta última já na posse do MNAA por adquisição através de uma campanha pública - feitas durante os seus últimos anos de vida, em Roma, onde morreu em 1837.

A saída do país deste quadro foi avançada a 26 de janeiro pelo Expresso, indicando que estaria à venda em Madrid, “apesar dos pareceres negativos sobre a sua saída de Portugal”, após uma autorização de saída, no ano passado, segundo a notícia, por parte dos responsáveis da então Direção-Geral do Património Cultural (DGPC), justificada pela “inexistência de qualquer ónus jurídico”.

O requerimento para “exportação temporária” e “eventual venda” da obra “A Descida da Cruz”, de Domingos Sequeira, na posse do descendente do duque de Palmela Alexandre de Souza e Holstein, tinha como destino a Galeria Colnaghi, de Madrid.

Na altura, o diretor do Museu Nacional de Arte Antiga (MNAA), Joaquim Caetano, tinha emitido um parecer negativo a este pedido de venda, defendendo a necessidade de se iniciar “de imediato, o processo de classificação da pintura como Bem de Interesse Nacional, impedindo a sua saída de território nacional”.

c/ Lusa

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