Moullinex △ GPU Panic: “Tocar no meio do público é sentires que a distância é tão pequena que nada te impede de seres tu”

1 mes atrás 92

Há mais de um ano que Luís Clara Gomes e Gui Tomé Ribeiro, que é como quem diz Moullinex e GPU Panic, têm estado na estrada com um espectáculo conjunto que acontece sempre no meio do público, a 360 graus. Por maior dimensão internacional que tenham, muitas vezes não recebem o destaque merecido devido ao seu espectáculo acontecer em horários muito tardios e nos circuitos da música electrónica — desta vez levaram-no ao NOS Alive.

Foi nos bastidores do Passeio Marítimo de Algés que conversaram com o Rimas e Batidas sobre este projecto que vive da experiência de comunhão com o público e que se está a reflectir também em músicas de estúdio que eventualmente irão culminar num álbum.



Têm apresentado este espectáculo um pouco por todo o lado, por diferentes locais e eventos. No NOS Alive vão tocar às três da manhã, que é um horário tardio, mas certamente que já o fizeram a esta hora, mais cedo e mais tarde. Qual é a vossa relação com as horas, tendo em conta este espectáculo muito específico?

[Moullinex (M)] Tendo em conta este espectáculo específico, deve ter sido das vezes que o tocámos mais tarde. Mas acho que a hora não é imprópria.

[GPU Panic (GPU)] Não, a hora não é nada imprópria. E nós já tivemos um bocado essa confirmação durante este ano em que estamos a tocar este show. De dia ou de noite, muito tarde ou mais cedo até do que estávamos a imaginar, funciona muito bem.

[M] O alinhamento tem sido muito dinâmico, tem entrado e saído muita coisa, e de certa maneira tentámos fazer um alinhamento que fosse adequado à hora, à pista e que não tivesse paragens. É um bocado a maneira como construímos sempre os alinhamentos, juntos ou separados, que é pensar no set como um DJ set se fechares os olhos. Se quiseres ver uma banda, está uma banda a tocar; mas se quiseres fechar os olhos, estás num DJ set

E tendo em conta este contexto, esta hora, esta pista, que tipo de alinhamento é que prepararam?

[M] Um alinhamento propício a olhos fechados [risos]. Tem muita música nova, música que temos andado a fazer juntos este ano, tem alguns temas meus, um do Gui, de ainda antes de estarmos a trabalhar juntos de forma mais oficial, e deve ter uns quatro ou cinco inéditos. E vamos tocar um que ainda não foi tocado de todo. 

E esta vossa joint venture tem a característica específica de vocês tocarem no meio da sala. Muda muito a vossa experiência da performance?

[GPU] Sim, não tem nada a ver com o que fizemos até começarmos a fazer este espectáculo ali no meio. Porque é muito diferente tocares numa cabine como DJ, tocares num palco com a distância que tens para o público… Aqui estás no meio do público e só isso muda completamente a maneira de tocar e de viver o espectáculo.

[M] Inevitavelmente, e é um bocado o percurso de um músico, vais-te afastando cada vez mais do público… Porque fazes palcos maiores, fazes DJ sets em festivais… E o fosso literal começa a ser cada vez maior. E eu sempre senti muito a falta dessa energia, que até foi a energia que me fez querer ser produtor de música electrónica, que é muito parecida com a energia de um concerto de punk. É sentires que a distância entre ti e a pessoa que está ali é tão pequena que nada te impede de seres tu. Também é daí que vêm as questões da representatividade, quando vês pessoas parecidas contigo a tocar. E eu se calhar vi pessoas parecidas comigo a tocar e pensei: se calhar aquele nerd posso ser eu [risos]. Por isso é que também é importante para uma mulher ver uma mulher em palco, uma pessoa negra ver uma pessoa negra em palco… Fiz este pequeno desvio político para dizer que esta proximidade, no fundo, devolve-nos aquela sensação de estarmos no meio da pista. E também é muito importante humanizar a música electrónica, que de outra maneira fica muito distante e fria. E já que a humanizamos com a voz, com algumas coisas menos polidas que fazemos, também era importante em termos de set design ser o mais próximo possível do público.

E é interessante fazê-lo num festival generalista como este, com bandas muito diferentes, com todas as características que tem? Porque quando vão tocar a festivais mais específicos de música electrónica acaba por estar noutro contexto; aqui torna-se mais fora-da-caixa.

[M] Sim, confirmaram-nos que é a primeira vez que fazem um 360º, portanto é uma estreia na história do Alive. Também é incrível sermos nós.

[GPU] É para ficar nos livros.

[M] Mas fazermos isto num festival mais generalista é um desafio e uma vantagem. Primeiro, porque um festival desta dimensão tem capacidade para acomodar este show tal e qual como o imaginamos e chegaram-se à frente com equipamento adicional de luz, etc., para fazer o show no meio do público ainda mais enaltecido. Portanto, nesse aspecto, tem essa capacidade que outros mais pequenos não teriam. E, ao mesmo tempo, é o desafio de como é que tu conquistas um público mais generalista. É um desafio para nós quando deixas de tocar para o nicho.

Estavam a mencionar as criações que têm feito em conjunto ao longo deste processo: suponho que sejam muito moldadas pela vossa experiência conjunta de palco e por aquilo que são as reacções das pessoas.

[GPU] Claro, aliás, vem daí. De eu começar a tocar com o Luís ao vivo e de partilharmos essa experiência em palco, em estúdio e em ensaio. É daí que nascem estas músicas que depois também moldamos a pensar no que é tocá-las ao vivo e nas reacções que as pessoas têm e como é que nós reagimos a tocar a música. Por isso, isto não é um processo nada estático, é muito fluido, estás sempre ali à procura da música que estás a fazer e se ela está a servir o que queres que ela sirva. 

E conseguem apontar mais ou menos em que direcção sonora é que andam a fazer coisas? Sei que por vezes pode ser abstracto…

[GPU] É bastante abstracto, por um lado.

[M] É muito difícil falar numa só direcção, porque estamos dedicados a trabalhar juntos há um ano e pouco. Ao início, havia um ímpeto de trabalhar num corpo de trabalho que fosse um álbum e existe material suficiente para um álbum que está parado há um ano.

Por falta de tempo?

[M] Não, porque entretanto temos feito coisas para a pista, imediatas. E tudo o que tem saído tem sido feito depois disso. Porque, precisamente pela liberdade de termos a nossa própria editora e de nalgumas coisas ser muito importante ter o feedback quando as tocamos ao vivo, para sabermos como funcionam na pista, ter amigos DJs a tocá-las… Isso acaba tudo por contaminar o processo de estúdio, então o material do álbum ficou guardado também para termos distância suficiente para daqui a uns meses voltarmos e parece que nunca ouvimos aquilo, e por vezes é importante ter essa distância para ver se vale a pena continuar ou não aquilo… Então ficou na gaveta enquanto estamos a trabalhar nestas coisas da pista. Hoje, do concerto, possivelmente retiraremos ensinamentos de coisas a melhorar nos temas em estúdio. Vamos tocar hoje um tema que sai amanhã, pela primeira vez.



Mas estas músicas que têm feito a pensar na pista não poderão entrar no álbum?

[GPU] Algumas poderão entrar, ou então não…

[M] A vantagem de trabalhar desta maneira, sem grande expectativa de por onde é que vai e de como é que fica e como é que soa, é que conseguimos de facto acabar as coisas. Para mim, que já tenho quatro no currículo, sempre que tenho de começar um álbum a parte pior é mesmo decidir a direcção. E muitas vezes tenho de fazer, fazer, fazer, até que há um tema que me diz a direcção de todos os outros e parece que tenho de deitar fora os anteriores e começar a trabalhar à volta desse tema que me disse algo. No álbum anterior foi a “Inner Child”, que ainda tocamos. E também preciso desse distanciamento dos temas para, um ano depois de os ter lançado, ainda gostar deles e ainda me dizerem muito e terem um significado emocional forte para mim. Só consigo isso com distância e é um privilégio poder trabalhar assim. 

Há pouco mencionavas o facto de terem amigos DJs, e muitos internacionais, a passarem músicas vossas em sets. Sentem que nos diferentes circuitos da música electrónica isso tem um impacto significativo, quando vão a certos festivais? Obviamente, quando alguém passa a vossa música num set, naquele momento as pessoas podem adorar o tema e dançar. Mas é algo que permanece na memória, que fica, que faz com que vos conheçam?

[GPU] Sim, vais criando uma rede musical à custa disso… No fundo tens pessoas que levam a tua música para outros sítios, para palcos onde às vezes nem costumas estar, em países onde não costumas estar, ou em clubes onde não costumas tocar, e às vezes até se abrem portas por causa disso. Não conheço esta rede dos DJs há muito tempo, mas é incrível.

Perguntava porque, eventualmente, o efeito poderia ser efémero.

[M] É uma pergunta super válida porque é de facto efémero. E notamos que o ciclo de um tema, se calhar, antes era um ano ou dois, e agora dura um ou dois meses.

[GPU] Mas depois também depende. Pode aparecer alguma que fica. 

[M] É isso. E, de facto, também foi preciso um ajuste de expectativas para conseguir ter uma relação mais desapegada com as músicas, porque há músicas que, por virtude de estarem sempre a sair músicas hoje em dia, são esquecidas rapidamente. Isso custa-nos. Custava-nos mais, agora custa-nos menos, porque também há surpresas bem bonitas. Às vezes já pensamos: vamos fazer esta, vamos lançá-la, é uma música difícil, não vai dar em muito de certeza, mas fazemo-la porque gostamos mesmo dela e se encontrar casa, encontra. E às vezes encontra casa quando não estavas à espera, e há um DJ qualquer gigante a tocá-la. E de repente tens um spike no Shazam na Turquia ou na Rússia e é muito estranho. Passou a ser um cartão de visita teu quando menos estavas à espera. Portanto, temos sido mais desapegados e vamos aceitando que algumas surpresas boas podem vir aí.


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