«Campo Pelado» é o espaço de opinião do jornalista Pedro Jorge da Cunha. Uma homenagem ao futebol mais puro, mais natural, onde o prazer da camaradagem é a única voz de comando. «Campo Pelado».
* Chefe de Redação
Não há conto de fadas sem final feliz. A princesa pode cair nos braços do dragão mau, o príncipe pode ser vítima do veneno de uma bruxa, mas na última página há a promessa pura de viverem felizes para sempre. Os últimos anos de José Mourinho no futebol não são um conto de fadas. Como bem escrevia o meu colega Carlos Daniel, as finais europeias obtidas na AS Roma são incapazes de desmentir um evidente declínio. «O que fez no FC Porto, no Chelsea, no Inter e mesmo no Real esteve muito acima.» Indiscutível. Mourinho, por quem nutro assumida admiração e simpatia, está na fase do príncipe vítima de envenenamento. Passou de ente místico, acima da palavra crítica e da espada dos despedimentos, para um treinador de feitos vulgares. Não me acredito na expiração do prazo de validade. O conhecimento e o carisma têm selo ad eternum, e Mourinho é uma personagem riquíssima. Continua a sê-lo, em 2024 como em 2004, ano da conquista da Liga dos Campeões pelo FC Porto. Já agora, recomendo a entrevista dada ao zerozero a propósito dessa efeméride: está AQUI. Ora, aqui chegados a questão é esta: de que forma escapará José Mourinho a estes anos relativamente banais, pelo menos longe dos resultados de topo? O Special One entende ter em Istambul a pista certa para a felicidade. Lá está, para escrever uma das últimas páginas da carreira em tom de encantamento, bem a tempo de um final feliz. No Fenerbahçe tem a certeza de um salário milionário, de um clube grande e da devoção popular. Isto parece-me pacífico. Faltará, por outro lado, a atenção mediática das Big 5 e, muito provavelmente, o hino semanal da Liga dos Campeões – o Fener tem três eliminatórias por passar se quiser estar na fase de grupos. A opinião do jornalista português nada contará para Mourinho. Ele só quer ser feliz e, na verdade, acredita que na Turquia recuperará a aura sacra de outros tempos. Não desvalorizo de forma alguma o lado emocional da escolha mas, enquanto analista e observador, sinto que este passo ao lado roubará para sempre o lendário treinador às melhores ligas europeias. Será um caminho sem retorno? Salvo melhor opinião, sim. De Barbra Streisand, atriz e superstar dos anos 70 e 80, diziam que «ou era a mais feia das mulheres bonitas ou a mais bela das feias».
Mourinho anda neste território fronteiriço, uma área cinzenta capaz de tombar para qualquer lado: um final feliz ou um final penoso. Somos todos diferentes, valorizamos distintos aspetos da vida. Rúben Neves entendeu que a Arábia Saudita seria um passo natural no auge do seu potencial. Lionel Messi quis fechar a gloriosa carreira a transpirar na humidade da Florida. Solari assinou um dia pelo Real Madrid para viver perto do Museu do Prado. Tudo legítimo. Tudo com consequências.
Não há um argumento infalível para o guia de um final feliz. Preferia ter Mourinho mais anos no Lago dos Tubarões, claro que sim. Por ser o mais marcante dos treinadores portugueses, por ser um artesão das palavras, dos gestos e das artes cénicas. Istambul parece-me mais longe do que nunca. Um sítio do futebol onde me parece impossível o «e viveram felizes para sempre».