Movimento pela habitação tem legitimidade para reivindicar Constituição

7 meses atrás 59

A convocatória para a manifestação nacional, feita pela plataforma Casa Para Viver e que conta com 19 cidades aderentes, considera que, nos 50 anos do 25 de Abril, é preciso "recordar um direito que foi deixado para trás: o direito à habitação".

A propósito, a Lusa conversou com o constitucionalista Luís Meneses do Vale, que reconhece que "nem sempre se leva a sério os direitos económicos, sociais e culturais".

O debate em torno da habitação "dá a sensação de que a Constituição não é um projeto político e social, inserido num conjunto de referências internacionais", comenta, considerando que a discussão é "muito centrada na propriedade, tratada por civilistas, a propósito de problemas do arrendamento".

A lei fundamental não é "uma mera definição de condições e limites do exercício do governo, como acontece com as constituições liberais", distingue o professor da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra.

"A nossa Constituição incorpora um projeto social", que "toma uma posição" e "faz escolhas" e, consequentemente, "dirige obrigações" às instituições públicas.

Na opinião de Meneses do Vale -- que está a organizar uma "comuna constitucional" para refletir juridicamente sobre o direito à habitação --, a lei fundamental consagra que "não basta dizer que se constroem casas, é preciso que seja garantido o acesso das pessoas às casas".

O direito à habitação significa que "ninguém deve ser privado da sua habitação", bem como "ninguém deve ser impedido de procurar adquirir habitação", resume.

Simultaneamente, existe "o direito a poder aceder efetivamente a uma habitação e que justifica uma pretensão legítima dos cidadãos de que sejam (...) postas em prática ações políticas nesse sentido".

Lamentando que haja "mais debate sobre habitação entre arquitetos do que entre juristas", o constitucionalista aponta "um problema de princípio que afeta todos os direitos sociais", que passa por "saber até que ponto correspondem a verdadeiros poderes que qualquer cidadão pode invocar diante de um tribunal".

Os direitos sociais pressupõem a "realização progressiva" por parte dos Estados, que podem "dizer que não têm recursos para fazer o necessário", mas, ainda assim, têm de fazer "prova de que fazem alguma coisa".

O jurista dá o exemplo do direito à saúde, que "não se limita a garantir que todos são protegidos na saúde", mas também "estabelece constitucionalmente uma obrigação de criar um serviço de saúde público que tenha determinadas características".

Acontece que, em Portugal, há uma linha de pensamento liberal segundo a qual os direitos sociais, na verdade, "não podem ser invocados diretamente pelos cidadãos".

Concordando que esses direitos "precisam de uma determinação maior", Luís Meneses do Vale assume-se parte de outra linha de pensamento, que considera que "não se pode esvaziar por completo de conteúdo os direitos que estão consagrados constitucionalmente".

A doutrina constitucional tem espelhado a "tensão" entre essas duas linhas e, por exemplo, na discussão do direito à habitação, "o direito à propriedade é imediatamente posto em questão".

A Constituição "é, nesse aspeto, muito original, porque não consagrou o direito à propriedade como uma liberdade", assinala o jurista.

"E nem sequer é o primeiro direito. O primeiro direito é o direito ao trabalho e depois o direito à iniciativa económica e só depois é que aparece a propriedade", detalha.

Constatando que hoje "há claramente um certo revisionismo constitucional", que "é normal", dado que as Constituições são "realidades vivas", o jurista frisa que, à luz da lei, "subordinar a negociação entre senhorio e inquilino às regras contratuais e ao funcionamento do mercado seria claramente inconstitucional".

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