Museu. Uma viagem pela história e curiosidades do dinheiro

2 horas atrás 15

Até chegar ao que é hoje, o dinheiro passou por diversas formas. No Museu do dinheiro é possível conhecê-las e observar alguns dos tesouros do país

Utilizamo-lo para tudo. Aliás, é muito difícil viver sem ele. Uns com mais, outros com menos. Se há quem acredite que ele é o culpado de todos os males do mundo, há quem defenda que apenas com ele conseguimos ser felizes. A verdade é que o dinheiro é um meio de troca, uma forma de atribuirmos um valor às coisas e conseguirmos adquirir tanto bens como serviços e mão-de-obra. Não sabemos qual será o seu futuro. Mas sabemos que a sua história é longa e rica.

A viagem começa com uma pergunta: ‘O que é o dinheiro?’. E é precisamente a esta pergunta que o Museu do Dinheiro, instalado na antiga Igreja de S. Julião, no quarteirão pombalino, sede do Banco de Portugal, tenta responder. Pode até parecer uma pergunta de resposta fácil. No entanto, ao percorrermos as inúmeras salas do espaço percebemos que não é bem assim.

As várias formas do dinheiro 

Ao passarmos do átrio para a bilheteira – espaços divididos por aquilo que se assemelha à entrada de um grande cofre –, percebemos que este museu está carregado de tesouros. Um grupo de crianças faz fila para tocar, pela primeira vez, numa barra de ouro com o valor de um milhão de euros. Parecem bastante entusiasmados. Não é todos os dias que tocamos em algo com tamanho valor. “Queremos responder a essa pergunta e fazemo-lo através de diferentes salas, cada uma com uma temática diferente, seja o tocar, ou trocar, convencionar, narrar… O dinheiro permite ser tocado, trocado, contar histórias, porque os desenhos que lá estão querem dizer alguma coisa, quem lá decidiu colocá-los teve um motivo”, afirma Margarida Sampayo, da equipa do museu. Tal como sugere a visita, começamos por fazer uma troca. “No Hermes podemos fazer uma troca direta. À moda antiga… Trocar um produto por outro… Introduzimos o bilhete na ranhura e ele diz-nos que dinheiro nos saiu. Neste caso são duas pontas de seta! Depois, explica-nos quando é que estas foram utilizadas como dinheiro. Também há a possibilidade de trocá-las por outro produto de outra época e de outra origem geográfica”, explica. O ecrã mostra-nos diferentes formas de dinheiro que foram utilizadas ao longo da história do homem, para transmitir a ideia de que “o dinheiro pode ser aquilo que o homem quiser desde que haja uma aceitação e uma convenção de que aquilo é dinheiro”. “Eu pessoalmente acho curioso que na China tenham existido miniaturas de peixes – moedas em formato de peixe –, e conchas. Uma coisa que hoje em dia consideramos um objeto de adorno, que apanhamos facilmente na praia, mas que já foi utilizado como troca comercial. Ou os próprios produtos alimentares… O vulgar sal que temos na cozinha na nossa casa já foi considerado uma coisa extremamente valiosa! Tal como os cereais, os animais… Na verdade, tudo!”, continua Margarida Sampayo.

Seguimos até à sala do “convencionar”. “Aqui falamos um bocadinho de quando é que surgiram as primeiras convenções daquilo que é uma moeda metálica, ou do papel moeda… Temos dois exemplos das primeiras moedas metálicas que surgiram no mundo. Uma que veio da China e outra da Lídia, que corresponde à atual Turquia. Foi nestas duas zonas do mundo que – mais ou menos ao mesmo tempo (século VII a.C.) –, surgiram as primeiras moedas metálicas”, conta a especialista. 

Recorde-se que os metais já eram utilizados, mas não tinham o formado standard. “Não tinham um símbolo, não havia um governante que dizia: ‘Esta é a minha moeda e eu garanto que ela tem determinado valor’”. Nesta moeda da Lídia vemos o símbolo do leão – o rei decidiu colocar como representação sua. E também temos o dinheiro faca, uma moeda em formato de faca”, aponta Margarida, revelando que uma das perguntas que costuma fazer aos pequenos é: ‘Já conhecem algum documento que vos disse que as moedas têm de ser redondas?’. “Não existe nenhum documento histórico que nos diga isso. Foi acontecendo, até porque em termos práticos, uma moeda redonda não se estraga com tanta facilidade e mesmo para a segurarmos na mão é mais fácil. Antigamente as pessoas iam roubando metal à volta (quando eram feitas de ouro, por exemplo). Se for quadrada é mais fácil de fazê-lo. Numa moeda redonda é mais notório que alguma coisa foi feita”, detalha. 

Tesouros

Numa outra sala, temos exemplos de duas notas. “Mais uma vez a China, mas em oposição à Suécia. São notas de dimensões e materiais completamente diferentes, que surgiram em épocas completamente diferentes. Enquanto as moedas surgiram mais ou menos na mesma altura, em contextos geográficos diferentes, no caso das notas, a diferença temporal é completamente diferente. Existem registos de que no século IX depois de Cristo já circulavam notas na China, no caso da Suécia foi só no século XVII. São enormes. Um bocadinho maiores que uma folha A4. Tinha uma vantagem porque dava para dobrar”, assinala. 

“Contamos aqui um pouco da tradição de colocar desenhos nas moedas porque a seguir aos Lídios e aos gregos e posteriormente os romanos, foram aqueles que aprimoraram esta tradição: os desenhos representavam o governante ou a cidade-estado. Aqui não estamos a falar do país Grécia, mas sim de diferentes cidades-estado. Por isso é que podemos ver diferentes cidades-estado a emitirem a sua moeda como símbolo específico. Na cidade de Atenas, a padroeira da cidade é a deusa e, portanto, a representação animal é a coruja e é o símbolo que vemos na moeda. Quando é que começam a surgir as primeiras figurações humanas? Alexandre o Grande é conhecido por ter sido um dos “pais”, ao colocar o seu rosto numa moeda. Ele coloca-se de uma forma divinizada. Porque afirmava ser filho dos deuses – surge com um corno”, continua. 

Tal como referimos acima, há moedas com muitos formatos. “O império romano é, de alguma forma, um antecedente da moeda única. Estas ‘pedras’, que são metais, eram uma ‘pré-moeda’. Neste caso eu teria de estar sempre a pesar para ver quanto valia. O valor das moedas está relacionado com o material do qual elas são feitas”, sublinha Margarida.

Uma das salas mais especiais do museu é a dos tesouros – tem tesouros da coleção do banco de Portugal. Aqui, conseguimos ver os dois lados de algumas moedas: a cara e a coroa. Que tecnicamente chamamos o anverso e o reverso. “Não temos aqui só moedas nacionais… Temos moedas de outros territórios. Temos moedas do território português, mas que à época não era Portugal, como a moeda dos visigodos. Dentro destas vitrinas especiais, temos moedas que remetem para episódios históricos nacionais. Quando se dá a morte de D. Fernando I, D. Beatriz, sua filha, era casada com D. João de Castela e, portanto, nacionalmente não havia interesse que ela fosse rainha de Portugal, apesar dela e do marido afirmarem ter legitimidade para isso. Qual foi uma das formas que arranjou para legitimar isso? Cunhar uma moeda com a sua efígie. Foi a primeira figura feminina a surgir numa moeda portuguesa”, revela a especialista. “É uma moeda muito rara. Na coroa vemos a união dos brasões de Portugal com Castelo e Leão. A moeda representa a união desses reinos”, acrescenta. “Uma outra está associada à primeira viagem de Vasco da Gama, tendo sido cunhada após o seu regresso da sua primeira viagem à Índia. À época era uma moeda muito importante, tanto pelo peso e pela pureza do ouro. Também foi uma forma de propaganda política para o Rei dizer que já tinha estado em diferentes locais. É feita com ouro africano. Outro período áureo da moeda de ouro, é com o ouro do Brasil. Era através de pessoas escravizadas que o ouro chegava até nós”, lembra. Quando se encontrava ouro no Brasil, supostamente, todas as pessoas tinham de pagar um imposto de um quinto do seu valor à Coroa. “Mas como o ouro se encontrava sob todas as formas e feitios e com muita facilidade em determinados sítios, havia relatos de pessoas que não reportavam que o tinham encontrado e, por isso, não pagavam o imposto. Portanto, surgiu uma lei a dizer que o ouro só podia ser utilizado como moeda de troca se tivesse sido de alguma forma transformado”, explica.

No contexto português a influência da moeda vem dos romanos. Há quem diga que a palavra dinheiro tem duas origens. “Dinário” do latim – que chegou pelos romanos – e do “dinar”, que nos remete para a presença dos mouros. Aquelas que são consideradas as primeiras moedas portuguesas surgiram com D. Afonso Henriques e chamavam-se “os dinheiros”. “Havia uma particularidade, a ‘mealha’, que é metade de uma moeda. Nesta época, era possível cortar as moedas ao meio para termos troco. Não havia muita moeda em circulação. A palavra ‘mealheiro’ tem origem nesta palavra. A cercadura, ou serrilha, é considerada um dos primeiros elementos de segurança da moeda, para ela não ser cerceada. O que é que isto significa? Muita gente pegava numa faca e raspava de lado. Ia retirando valor”, revela ainda.

Com o final da monarquia e a implantação da República – 5 de outubro de 1910 –, passamos a ter uma nova ordem monetária que é o escudo. “Uma das primeiras figuras que se decide colocar nas notas é precisamente D. Afonso Henriques”, frisa.

Papel-moeda 

Para falar na história da banca no território português, temos de recuar a outras épocas e outras geografias, porque os portugueses não foram os primeiros a inventar o papel moeda. “Antes da nota, existiam outras formas de papel moeda que permitiam fazer pagamentos a longa distância”, sublinha Margarida Sampayo. As primeiras notas verdadeiramente nacionais surgem com o Banco do Brasil, após as invasões francesas e a coroa portuguesa ter-se fixado no Brasil. Aí foram impressas as primeiras notas nacionais. Mais tarde, quando a Coroa volta a fixar-se em Portugal, é que foram surgindo outras instituições, nomeadamente o Banco de Lisboa, que está na origem do Banco de Portugal. Vai ser a fusão do Banco de Lisboa com a Companhia Confiança Nacional que dá origem, em 1846, ao Banco de Portugal. 

No final do século XIX, princípio do século XX, havia escassez de metal para cunhar moedas. Segundo a nossa anfitriã, houve então a necessidade de se criar um substituto da moeda metálica. Legalmente só a Casa da Moeda ou a Santa Casa da Misericórdia é que podiam emitir cédulas legais. Muitas delas não chegavam a determinados sítios. Por isso, estabelecimentos comerciais começaram a emitir as próprias cédulas. “Costumamos fazer um paralelismo com os cartões que acumulam dinheiro… Eu não podia levar a cédula do celeiro municipal para a Covilhã, por exemplo”, conta. 

Existe um caso muito suis generis na história do dinheiro em Portugal: o caso Alves dos Reis, em 1925. “É considerado ainda hoje a maior burla à banca portuguesa. O que vemos aqui são duas notas que têm uma tonalidade diferente. O que Alves dos Reis falsificou não foram as notas. Elas foram produzidas pelo mesmo impressor onde o Banco de Portugal mandou imprimir as notas. O que foi falsificado foram documentos onde se pedia ao impressor para imprimir duplicados e triplicados das notas que já estavam em circulação. Portanto, são consideradas notas ‘não-falsas’, notas ilegais. Têm os mesmos elementos de segurança, tudo igual, incluindo o número de série e não é suposto existirem notas com número de série repetidos”, explica Margarida.

Quando as notas são acabadas de imprimir, têm um cheiro forte. Regra geral, têm de passar por um período de “pousio” para o cheiro se dissipar. Mas Alves dos Reis não pode esperar esse tempo e teve de arranjar uma forma de lhe dar um ar mais usado. “Conta-se que ele arranjou várias soluções para esse problema, nomeadamente espalhar o dinheiro no chão da casa e andar por cima dele, ou submergi-lo numa solução cítrica para lhe tirar o cheiro. Isso provocou uma reação química e é por isso que as notas têm tonalidades diferentes”, relata.

Mas afinal como é que percebemos se estamos diante de uma nota falsa? Um dos elementos de segurança mais antigos do papel moeda é a marca d’água. No entanto, as notas combinam diferentes características para aumentar a segurança. “Para perceber isso, aplicamos o método de TOI: tocar, observar e inclinar. Ao tocar, sentimos que tem rugosidade para permitir às pessoas que são cegas, saberem o valor que têm na sua mão. Nos cantos cada nota tem um padrão diferente. A seguir temos a banda holográfica, com uma textura mais plástica. Depois de tocar, tenho de observar para perceber se os desenhos estão bem feitos. A bandeira, a assinatura da Christine Lagarde [presidente do Banco Central Europeu], o número esmeralda. Ao inclinar vemos a marca d’água, temos a banda holográfica com janela (transparente) ,etc.”, revela a especialista. As canetas usadas nos estabelecimentos comerciais, dizem se a nota é realmente feita de algodão. “Temos ainda o infravermelho e ultravioleta. No primeiro, há uma grande parte do desenho que desaparece e é suposto que isso aconteça. Com a lâmpada ultravioleta, vemos elementos fluorescentes na nota”, acrescenta. Margarida Sampayo explica-nos ainda que se uma nota arder e sobrar um pedaço, podemos levá-la ao Banco de Portugal e “substituí-la” por uma nova.

Relativamente ao fabrico das notas, o papel não é fabricado na fábrica que imprime as notas. Ele já chega à fábrica com alguns elementos de segurança. Depois passa por diferentes fases. Até se tornar aquilo que temos em mãos.

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